Ruim até o Fim

Vivia no pequeno distrito de Ribeirão das Águas Diáfanas um cidadão desajustado das ideias, segundo a opinião da maioria dos quinhentos e três moradores. Ele perambulava repetindo o monólogo conhecido por todos os cidadãos aguadiafanenses :

- Sou ruim até o fim, sou ruim até o fim, sou ruim até o fim...

Como acontece em quase todas as cidades de lugarejos, sempre existe um personagem exótico, motivo dos mais variados comentários. O nome dele era Paulo e se dizia de Tarso. Quanto à sua família, quanto à sua , as informações não convergiam. Alguns afirmavam, convictos que ele chegara como andarilho e ali decidira fincar raízes. Outros diziam ser ele filho de um abastado fazendeiro, que tinha parte com o Satanás, mas todos os vestígios foram apagados pelo Anjo das Trevas. Outros viam nele um profeta do apocalipse; um visionário. E alguns o consideravam simplesmente insano. Dormia no coreto da igreja, comida não faltava, nem agasalhos. Mas "sou ruim até o fim" começou a perturbar o juízo das pessoas. No começo caçoavam, divertiam-se e a frase passou a ser repetida por todos. Inicialmente em tom de galhofa. Depois como um mantra.

Um dia, sol a pino, Paulo de Tarso conduziu-se à torre da igreja e tocou o sino. As badaladas, como doce melodias, tocaram o coração dos moradores que se dirigiram à igreja. Paulo exigiu que todos esperassem do lado de fora, pois o espaço interno da igreja não comportava as população inteira de Águas Diáfanas. Com as vestes litúrgicas do Padre Otávio, que celebrava uma missa às dez horas do último sábado de cada mês, Paulo fez uma celebração às avessas. E ao final, após jogar água benta sobre os fiéis, convocou-os a uma procissão pela única rua do vilarejo. À frente, Paulo dizia sou ruim até o fim. Em uníssono respondia seus discípulos: sou ruim até o fim.

Depois de três dias seguidos, dizendo sou ruim até o fim, a força nacional, atendendo a solicitação de Roma, chegou a Ribeirão de Águas Diáfanas para pôr fim à manifestação anticristã. Mas para espanto dos soldados, ninguém obedeceu ao comando das autoridades. Repetindo sou ruim até o fim, os moradores seguiram em direção ao rio e se atiraram do despenhadeiro e se afogaram.

Do livro A Moça do Violoncelo, páginas 12 e 13 - edição 2015.