Aberração

A noite era quente e no céu as estrelas piscavam como centenas de olhos. Na mata fechada, um casebre de madeira velha de varanda em pedaços abrigava um ser em sofrimento, que gritava a horas pela misericórdia divina, que gritava por algo que a livrasse do desespero.

Suas pernas tremiam enquanto escorria do seu útero um líquido viscoso e quente, na sua fronte veias pulsavam com violência. A claridade da lua incidia sobre seu abdome volumoso e corujas repousavam sobre galhos que pareciam garras sinistras fazendo-lhe companhia, uma família de pequenos roedores movia rapidamente suas mandíbulas, parados, com seus olhos negros e pequenos, enxergando a atormentada alma.

O vento soprava pelas copas das árvores e derrubava centenas de folhas secas, um homem armado com uma espingarda caminhava em direção à mulher, que sofria, nua, cheia de tremores por causa do frio que apenas seu corpo sentia, enquanto mordia seus próprios lábios porque as dores em suas costas pareciam facas incandescentes que lhe rasgavam a carne.

Entre suas pernas parecia haver um círculo de fogo que aumentava conforme lhe escorregara para fora aquilo. O homem observava sua agonia com admiração e espanto enquanto cutucava sua perna com a ponta de sua arma. A força se desfazia e voltara, o suor e o sangue se misturavam como uma bebida maldita.

Ela não chorava mais porque seus olhos incharam a ponto de bloquear a saída das lágrimas. O homem entrara no casebre e voltara com um vestido de noiva, brega. Ele coloca a grinalda sobre a cabeça da mulher em sofrimento, fala algumas coisas em latim e dá um sorriso, mostrando uma dúzia de dentes podres. A criatura berra, o homem canta. Seus seios estão cheios de leite e seu bebê sente fome.

A pobre mãe, sem força alguma, reage à sua cria através do mais instinto primitivo o qual faz parte da natureza humana. Uma nuvem atravessa a luz da lua, fazendo projetar sobre ela uma sombra de formas irregulares. Uma coruja voa rasante para apanhar um roedor, o vento sopra outra vez e derruba mais folhas. O pássaro retorna para o galho enquanto termina de engolir sua presa, que à altura tem apenas a cauda exposta antes de descer pela garganta da rapina.

O homem aponta o cano duplo de sua espingarda para o mato, luzes distantes vêm chegando. Uma voz mecânica é ouvida: “Mãos para o alto, você está cercado!”.