CAMINHO DE FORMIGAS

Essa noite foi dose. Tive um pesadelo daqueles.

Sonhei que estava na minha cama e lá pela madrugada acordei com uns barulhos estranhos. Quando fui ver era uma panela de arroz que tinha caído. Como aquela coisa caiu?

Eu ja moro sozinho, e no sonho acho que falei: "Dane-se! Amanhã limpo esse lixo!" e voltei pra cama.

Outro barulho forte. Dessa vez na minha porta.

"Mano, alguém pulou meu portão! Só pode!" Pensei sozinho enquanto pegava um cabo de vassoura pra me defender do que quer que fosse como um exímio lutador.

Só que não.

A panela estava cheia de formigas. Então a mesma vassoura foi utilizada para limpar todo aquele arroz do chão e jogar fora.

Vassoura? Espera? De onde surgiu essa vassoura?

Durante essa viagem mental para aquele lugar estranho que era minha cozinha naquele momento estranho que era o varrer do lixo (arroz, é lógico. Arroz!) do chão.

De repente eu vi que as formigas fizeram uma fila indiana levando alguns grãos de arroz. Fiquei olhando elas trabalhando aquela hora da madrugada. O "Uber" das formigas iria faturar uma noite dessas.

Espera de Novo? Minha casa sempre foi limpa! Sou zeloso que só? Posso ser largadão e pobre, mas sujo? Ah não, filhão.

Decidi ficar olhando para onde aquelas formigas iam. Passaram por debaixo da fresta da porta. Abri a porta. Tinha uma outra fila indiana de formigas, só que maior.

Mano, olha as ideias.

No sonho eu estava só de samba-canção e fui ver pra onde as formigas iam. Coisa de louco mesmo.

Achei que elas entravam em algum buraco no rodapé do quintal, mas não... elas iam pra fora, lá pra rua.

Tinha ninguém na rua mesmo. Fui lá. De vassoura na mão.

As formigas seguiam para perto de uma boca de lobo. Eu, hein... nunca vi formiga indo pra boca de lobo, mas tá valendo.

Quando cheguei perto daquele lugar, achei uma nota de cem reais. Aaaaahhhh muleke. Vida feita. As formigas saíam pela parte de cima de um dos buracos da tampa da boca de lobo. Continuei seguindo.

Velho, não sabia que minha rua era tão deserta de madrugada! Seloko! Nem Zé-Droguinha eu achei parado nas esquinas.

Uma coisa era certa: tinha formiga pra caramba viu. Tinha mais formiga nesse caminho do que Israelita cruzando o Mar Vermelho... Ou criança em dia de brinquedo de pula-pula na rua.

Percebi que as formigas viravam a esquina e entravam numa viela fechada. Entrei junto. Logo na entrada, mais cem reais e um maço de cigarro com um isqueiro jogado no chão.

Mano, essas formigas queriam me presentear. Peguei a grana, coloquei o maço de cigarro dentro da samba-canção mesmo e já fui fumando um.

As formigas passavam por uns lugares desertos... só que eu comecei a perceber que tinham vários pinos de cocaína no chão por alguns lugares. Ah, normal. Não moro no Morumbi, tio.

As formigas entraram num beco. Deserto.

Seguindo as formigas, encontrei mais uma nota de cem na entrada de uma casa estranha, meia abandonada lá no fim do beco. Peguei a nota... quando me deparo com uma carteira: a minha!

Opa. Perai?! Eu fui roubado? Essas formigas me roubaram? O que tava pegando naquela hora do sonho eu não sei, só sei que ou eu fumei o maço pela orelha ou acrescentei alguma coisa no cigarro.

Pego a carteira e vejo que estava cheia de nota de cem. Eu era rico e nem sabia?

Vi que as formigas entraram debaixo da porta daquela casa. Luz acesa. Porta aberta. Entrei. Afinal achei minha carteira ali.

Olho pro chão e percebi que a fila de formiga ficava mais grossa e mais insetos apareciam. A casa não parecia ser lá muito usada pelo visto. Quase não tinha móveis. Um raque, uma televisão e um sofá. Feito de telha. Mais nada.

Quando reparo nas paredes da casa. Uns buracos perfeitos. Parece que teve um tiroteio monstruoso ali. Fixei mais olhos na porta. Tinha marcas de sangue. Mas como eu não vi quando entrei?

Seguindo as formigas, vi que elas se separavam em duas direções. Uma pra cozinha; outra pro quarto. Fui pra cozinha.

Quando chego lá... adivinha? O corpo de um cara crivado de balas ali com uma arma no chão e uns pacotes de droga. Olhei pro cara. Eu conhecia ele. Era amigo meu. Crescemos juntos, eu e ele nas correrias. Mas o que ele tava fazendo? O cara era do crime, mano?

Só tinha uma mesa, duas cadeiras de madeira, um fogão, uma geladeira e uma pia na cozinha. Na geladeira tinha um bilhete:

"Finalmente demos o troco nesses otarios! Vingança cumprida!"

"Nesses?"

Velho, até os cabelos da orelha arrepiou depois que eu li aquilo. As formigas estavam dando a volta no corpo dele. Fui ver o caminho que elas faziam até o quarto.

O número de formigas só aumentava quando eu caminhava em direção do quarto de luz apagada. Abri a porta. Senti meu pé coçar. Tinha tanta formiga que algumas já queriam subir no meu pé. Mesmo no sonho. Entrei. Acendi a luz. Uma cama e televisão apenas. Uma arma no chão.

Mano...

Você não acredita o que eu vi lá!

Na hora o sonho acabou.

Ufa! Sonho louco, tio.

Não sigo mais o caminho das formigas nem a pau.

No dia seguinte acordei... com a boca cheia delas.

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 04/04/2019
Reeditado em 05/04/2019
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