Águas da Perda
A advogada aposentada parou diante da imponente cascata em queda cristalina e retumbante. Admirada, ela lembrou de seu finado esposo... anos atrás eles estavam ali... sem filhos... sem muitas expectativas... sem ódio... Ela se perguntava se seria ali mesmo o derradeiro passo na escada rumo à ascensão final. Foz do Iguaçu. Seu lugar mágico. Está com sua única família, seu filho e seu amado neto. Olha para a nora e sua expressão é séria. Ela é uma intrusa, jamais deveria estar ali.
Todos os casos vencidos em toda sua brilhante carreira de décadas se enfileiravam e desfilavam diante de seus olhos decididos... era com orgulho que ela recordava de como o futuro de outros fora moldado por suas mãos... Nenhum dos outros turistas e visitantes ali presentes podia imaginar que uma idosa cadeirante e de aparência adorável, pudesse ser capaz de... sentir tanta falta... tanta mágoa... ter tanto rancor...
- Ronald... deixe eu segurar o Miguelzinho um pouquinho... essa vista é muito linda... me faz lembrar teu pai... vem pra vovó, vem, meu amor!
E o filho, Ronald Jr., acompanhado da esposa, passou o bebê branquelo para a vovó, que sentada confortavelmente em sua cadeira de rodas motorizada, não fazia muito esforço para segurar a pequena bigorna rosada...
- Amor... - a esposa e nora, fala - eu tô tão feliz... obrigado pelo passeio... é como um sonho... faz a gente pensar em Deus...
As Cataratas do Iguaçu assustam.
Miguelzinho, no auge de seus 14 meses, do colo da vovó, vê os pais se abraçarem sob o ribombar estrondoso da queda das águas. As cachoeiras fornecem a trilha sonora para o próximo ato...
A cadeira gira num movimento rápido e logo acelera em direção à grade oposta da ponte que cruza as caudalosas águas do Iguaçu...
Os gritos de pavor das pessoas que viram a cadeira se chocar na grade, em seguida a idosa ser arremessada... com uma criança nos braços... e logo ser engolida pela correnteza... ecoaram tão alto que por alguns instantes não mais se ouviu a queda das águas...
Em seu último caso, a advogada aposentada promoveu-se Juíza... e o ódio em segredo pela nora, decretara a sentença...
A advogada, nunca aceitou perder... mas perdeu... sua lucidez...
Naquela tarde, desconhecidos retornaram com seus corações mais pesados... e as águas do Iguaçu, precisaram continuar caindo...
Afinal, o que é vida senão um imenso rio de vitórias e derrotas a escoar?