Paranoide
Olho-me no espelho e não gosto muito do que vejo. Uma barba rala cobre-me a face. Muitas vezes penso que o rosto no espelho não é meu. Eu não me reconheço nele, mas, no entanto, já vivo com ele há trinta e poucos anos.
Sinto que estou ficando velho e que o tempo passa cada vez mais rápido para mim. Acho que só há uma certeza em minha mente: eu não fiz nada de interessante na vida. A única coisa que existe de real e concreto em minha insípida existência é uma voz interior que diz que o mundo não gosta de mim.
Eu não gosto da rua onde moro. É um lugar feio com casas descoloridas e um asfalto que se desfaz revelando mais ainda a falta de beleza que existe aqui.
Da janela de minha casa eu vejo as pessoas passarem. Algumas estão com sacolas de compras, outras estão indo para a escola ou dirigem-se ao trabalho. Sei que elas evitam olhar-me, mas sei que pensam em mim com desprezo.
Ontem as duas senhoras que passaram rindo e conversando estavam falando algo de mim. Não importa o que falavam, sei que não era coisa boa.
Um dia irei sair do meu quarto e quando estiver lá fora farei um estrago louco. Nunca mais as pessoas dessa rua e desse mundo irão olhar-me com desprezo ou indiferença.
Volto para a frente do espelho. Espalho creme de barbear pelo rosto e o homem do outro lado também faz o mesmo. Lavo os restos de espuma e ele faz a mesma coisa. Viro-lhe as costas e vou embora. Ele vira-se também e retorna para o seu mundo.