OS MORTOS DO CALABOUÇO
Era medieval, cavaleiros voltando de uma guerra, o rei Carlos sorridente, o confronto fôra proveitoso, houve pouca baixa, alguns prisioneiros sob o domínio da tropa, serão encarcerados, o calabouço os aguarda. Os portões do castelo são abertos e o soberano entra triunfante, a rainha Shena o espera com seus bravos homens, depois de vários dias fora enfim chegou ao seu lar.
Os presos são levados para o calabouço, cerca de trinta homens, alguns estão feridos, o ambiente lá em baixo, nos fundos do castelo, é fétido, apenas um homem é responsável pelas chaves, Epifânio, é carrancudo e todos o temem, ele sozinho tortura e mata quem quer, basta uma cara feia para que se estenda a lista dos que já mandou para o inferno, sente prazer com isso, ri quando suas vítimas suplicam por piedade, elas não são atendidas.
Fora do castelo Epifânio se mostra um homem completamente diferente, nas horas de folga dedica-se aos filhos e a mulher, mora em uma cabana doada pelo rei a título de empréstimo, qualquer ação que desagrade o soberano vai pro olho da rua, o que o motiva a satisfazer todas as ordens dele, sejam legais ou não.
De volta ao serviço vai direto para o calabouço praticar suas atrocidades, os infelizes estão amarrados, os mais fortes são acorrentados. Alguns estão cegos, Epifânio adora tirar-lhe as vistas com um ferro em brasa, outros perdem dedos com uma poderosa pancada em suas pontas, gritam de dor dia e noite. Compromete-lhes a honra, obriga-os a beijarem-se e copularem e os que se recusam são sumariamente abatidos como se fossem animais perigosos. Seus corpos são jogados aos urubus que povoam a região já habituados com a carnificina. O servo do rei em muitas das vezes leva os pobres coitados ainda vivos para serem comidos pelas aves pretas comedoras de carniça. Fica extasiado vendo essas cenas, ri como um demente. E quando não se satisfaz volta ao calabouço e conduz mais um ou dois para a morte, seu prazer não tem limite.
Algum tempo se passou, Epifânio não cessou suas atrocidades contra os prisioneiros de guerra e inimigos do rei que ali são confinados. Muitos morrem de fome numa atitude proposital do carceteiro maldito para servirem de alimento para os abutres.
Certa noite o carcereiro chegou em casa embriagado, após largar do castelo entrou na taberna para bebericar e passou da conta na injestão de vinho. Nem jantou, foi direto para a cama com aquele corpo pesado e sujo, deitou-se como um porco e logo roncava. Em determinada hora acordou para esvaziar a bexiga, se dirigiu ainda tombando para o banheiro, nem chegou até ele, uma figura humana se pôs em sua frente. Com um urro tentou afastar a criatura com seus potentes braços mas não conseguiu, quem estava a sua frente parecia não se incomodar e nem sentir nada. O furioso homem insistiu, em vão, com mais agressão, perda de tempo. Outros homens surgiram pela retaguarda, de lado e depois em frente. Epifânio enloqueceu, seu furor era evidente, não sabia porque não conseguia dominá-los. Sentiu-se perdido quando percebeu seus rostos ao acender um lampião, aqueles homens davam a impressão de não querer matá-lo, apenas assustá-lo. Entrou em pânico quando viu que eram os prisioneiros que ele matou e que jogou aos urubus. Gritou alto na tentativa de acordar a mulher e os filhos:
- Deixem-me em paz, vocês estão mortos, seus vermes. O lugar de vocês é no inferno!!!
As figuras humanas se aproximaram mais, em sua volta apenas o fitavam, ele então não conseguiu mais gritar, ficou sem fôlego e caiu pesadamente ao solo.
No dia seguinte seu corpo foi recolhido para ser enterrado, sua mulher o encontrara caído e todo picado, pelas marcas deduziu-se que foram urubus.