A GOLPISTA

ELE DISSE:

_ Bom, vejamos o que posso falar sobre ela. Elen parecia perfeita. Nos conhecemos num bar. Ela cantava uma canção no karaokê e eu meio que me ofereci para dividir com ela a canção num dueto. Depois disso o papo rolou. Ela era atenciosa, um pouco tímida no começo, mas muito sensual. Jamais pensei que era uma armadilha. Estava apaixonado. Por isso nos casamos.

ELA DISSE:

_ Sobre o Nathan? Um babaca. Não estou dizendo que ele não fez a parte dele para sermos felizes. Mas sei lá... Esses homens... Sabe aquele tipo de homem ciente dos atributos e que se acha o garotão da academia, comedor de toda mulher? Existem dezenas como ele. Gente tão centrada no próprio ego que se torna incapaz de olhar em volta e enxergar o óbvio. Beleza, um belo carro, carteira cheia ,uma dúzia de músculos e de mulheres babando por ele. Presa fácil. Eu me apresentei a ele num bar, fiquei fazendo charme e passando na frente dele por uma hora antes de pegar o microfone e ele se encorajar numa abordagem até meio cafona. Fiz desde o inicio o tipo de moça pura e encantada por ter um garanhão de olho em mim. Veja bem, doutor: Como é que uma mulher de minha idade se faz de inocente e o trouxa acredita? Como eu disse: presa fácil. Claro que já tinha a ficha completa do sujeito. Desculpe falar assim. É que é tão cansativo recordar e contar tudo isso. Bom, eu já sabia que ele ia com frequência naquele bar e que fora isso tinha grana. O segurança do bar passou a ficha toda. Era um conhecido de Suzana esse segurança. Um homem simples, meio carente e que conta a própria vida e a de todo mundo em busca de um minuto de atenção. Continuando, o meu marido tem grana e pareceu ser o cara perfeito pros nossos planos. Só precisava engravidar.

ELE DISSE:

_ Sim, nos casamos depois que ela engravidou. Achei que era o certo a fazer. Honrar meu compromisso e o que tenho no meio das pernas, como dizem. Sabe como é. A sociedade muda rápido, mas certas tradições... Não acho certo deixar uma mulher ser mãe solteira. Sou meio conservador. E também tem o lance de eu sempre estar viajando a trabalho. Veja bem doutor. Posso chama-lo assim, né? Bom, eu já curti muito nessa vida. Tenho 34 anos, uma boa reputação e condições financeiras. Estava na hora de me prender a alguém. Ter herdeiros. A vida de um homem pode se tornar bem vazia sem uma família. Ela apareceu com a barriga e eu apareci com a aliança. Simples assim. Foi cerimonia intima. Ela dizia não ter muitos parentes ou amigos por aqui. Disse que era a primeira ida no bar quando nos conhecemos. Enfim, ela é reservada. Apresentou até um casal como os pais dela. Já nem sei se é verdade. Umas duas amigas, uma casal para serem padrinhos e só. Nem teve festa, embora eu pudesse bancar tudo. Me casei também para não deixa-la desamparada e dar um nome pro nosso filho. Ela dizia ter certeza que era um menino, mas não quis que o médico confirmasse. Você faz ideia de quantas crianças tem nesse pais que não têm o nome do pai no registro de nascimento? Claro que nem pensava em larga-la. Como disse estava apaixonado. Fiquei cego.

ELA DISSE:

_ O plano inicial era só engravidar, a ideia de casar ela sugeriu depois. Não sou uma pilantra. Simplesmente sempre quis ser mãe. A corrida contra o relógio biológico me pareceu urgente. E você sabe quanto custa uma inseminação artificial sem garantia alguma de gerar um feto? Poderia apelar para a co-parentalidade, mas me pareceu muito estranha essa opção. Se era pra deitar com um homem, teria que ser com o cara certo. Pois é... Uma mulher tem sonhos, doutor. Adotar é outra burocracia especialmente pra alguém como eu. Precisava logo arrumar um homem e se pra esse sacrifício tivesse como bônus algum dinheiro seria perfeito. Foi por isso que escolhemos Nathan. Ele viaja muito a trabalho. Ele é engenheiro e fica num desses petroleiros. Pode passar de semanas à meses longe de casa. Ideal não ter um homem machista e pegajoso me enchendo o saco. Quando ele estava por aqui batia cartão na academia e naquele bar. Coisa mais chata gostar de karaokê, né? Dissse o segurança que ele chegava lá com carro importado. Era verdade, Nathan tem uma BMW na garagem. Como ia dizendo a grana toda era um bônus, no começo eu só pensava em ter esperma dentro de mim e um bebê nos braços nove meses depois. Como nasci pra ser mãe achei bom fazer meu pé de meia nesse período em que fiquei casada. Não queria ter um bebê e voltar a trabalhar meses depois da licença maternidade deixando meu filho nas mãos de uma bába qualquer ou numa creche. Na verdade também não gosto muito de trabalhar. Ser humilhada oito horas por dia e no final do mês mal ter dinheiro pra pagar as contas não é exatamente meu plano de um futuro feliz. A conta conjunta sugeri a ele na cama depois de uma boa transa. Boa pra ele, melhor dizendo. Eu tenho nojo desse homem, mas diria que foi um mal necessário pra garantir o nosso futuro. Eu disse a Nathan que ficava preocupada de ficar em casa sozinha e sem dinheiro, além disso precisava começar a comprar as coisas pro quartinho do nosso bebê. Ele queria um menino, mas eu sempre soube que era uma menininha. Instinto de mãe. Ele aceitou no ato. Estava com o desejo saciado e um homem na cama não pensa com a cabeça, isso é fato. Uma mulher precisa saber usar alguns truques pra conseguir o que quer. A baba eu também sugeri assim.

ELE DISSE:

_Dessa babá? Não, claro que eu não sabia. Essa mulher nunca se apresentou pra mim com esse nome. Pra mim ela se chamava Antonia e sim eu chequei as recomendações dela antes de contrata-la. Agora eu sei que era tudo falso. Tanto quanto o amor que Elen dizia sentir por mim. Como fui tão ingênuo?

_Essa baba tinha ótimas recomendações e qualificações. Até curso de enfermagem, parteira e parto humanizado e um tal de método motessoriano pra educar bebês. Eu achava tudo uma bobeira. Vai lá e faz uma cesárea num centro cirúrgico e pronto, mas Elen dizia que sonhava em dar a luz numa banheira e que no parto natural à mulher se recupera mais rápido. Essas frescuras... Vai entender o que se passa na cabeça de uma mulher, ainda mais gravida! Como o corpo é dela falei “faça o que achar melhor, só quero que você e meu moleque fiquem bem”. Na verdade era até bom essa babá tão recomendada no caso de uma emergência, especialmente se eu estivesse em alto mar na época. Sou engenheiro naval doutor. Viajo muito. Minha mulher soube dessa baba através de um casal que ia na hidroginástica para gestantes. Outra das supostas frescuras dela... Ela tinha tudo de caso pensado e eu seria um estupido se não contratasse essa mulher imediatamente, mesmo porque ela podia dormir no emprego, uma das exigências de Elen. É isso. Contratei essa tal de Suzana acreditando em todas as qualificações dela e que seu nome era Antônia. Jamais imaginei que estavam juntas nesse golpe e que formavam um casal sapatão. Homoafetivo o politicamente correto, né? Eu tenho raiva dessas duas pilantras. Nem é por ter sido enganado por quase dois anos ou pelo dinheiro. Só quero ter minha filha de volta.

ELA DISSE:

_Doutor, chega desse depoimento. O que eu quero saber é pra onde vocês levaram a minha bebê? Vocês não podem fazer isso. Eu sou mãe dela e tenho meus direitos, mesmo sendo presa não abro mão de ser a mãe dela. Onde está a minha bebê?

_ ...

_ Ok , eu vou me acalmar. Não tenho outra opção não é. Vou contar o restante do nosso plano e porque agora estou aqui sentada diante de você.

_Eu não sei o que deu na Suzana. De repente ela ficou neurótica e obcecada com essa ideia de fugir porque estávamos nos arriscando. Eu dizia a ela que era só eu ter o bebê e pedir a separação. Ela falava que Nathan nunca ia deixar a filha ser criada por um casal de lésbicas. Acho que nisso ela tinha razão. Há ainda uma norma socialmente vigente de que uma família de verdade é só pai, mãe e filhos... Bom, desde o oitavo mês de gestação ela só falava nisso, portanto deixei a casa de Nathan, peguei uma boa quantia no banco e alguns objetos de valor e fui esperar pra dar a luz numa cidadezinha do interior. Suzana é muito persuasiva quando coloca alguma coisa na cabeça. Ficamos escondidas esse tempo. Três meses. O nosso plano agora era sair do pais e criar Laurinha na Europa onde imaginávamos que sofreríamos menos homofobia e poderíamos dar a nossa filha uma educação de qualidade. Algo quase impossível nesse pais e com esses governantes pouco interessados em civilizar o povo para a tolerância e a aceitação da diversidade.

_ Por amor a Suzana eu topei tudo isso. Não por ganancia, mas por amor e desejo de ser mãe. Somos uma família. Ela com 44 anos já tem chances reduzidas de engravidar e nenhum interesse em homens. Eu com 37 tive que aproveitar o meu momento e garantir o nosso futuro. Quanto a Nathan, bonito como ele é pode ter filhos com quantas piranhas ele quiser até a velhice dele. Laurinha é minha filha. Eu tenho o direito de ser mãe.

¬_Nosso erro foi essa fuga. Não pensamos que Nathan tivesse colocado retrato falado por toda parte. Se não fosse por essa idéia maluca de sair do pais, nem ele e nem policia federal nenhuma ia impedir a nossa felicidade. Já contei tudo doutor. Agora pelo amor de Deus, me solta e devolve a minha filhinha...(FIM).