Incidente no hotel
Era quase meio-dia e, pela vitrine do saguão do hotel, via-se o fluxo intenso de pessoas e automóveis na rua. Prostrado junto ao carrinho de malas, como que não dormisse há vários dias, Rodrigo aguardava uma cliente finalizar os procedimentos de reserva no balcão.
Mais um dia de rotina na vida de Rodrigo, sujeito meio abobado de quase quarenta anos, sem muitas pretensões na vida, e que, há bastante tempo, trabalhava naquele hotel do centro da cidade. Gostava do emprego, não tanto por causa do salário (que era praticamente miserável), mas pela curiosidade doentia que tinha em bisbilhotar a vida alheia. Era quase um voyeur, que percebia nos outros um refúgio para sua existência atribulada.
Minutos depois, estava no elevador com a hóspede, enquanto sua mente divagava. Como lhe era habitual, fantasiava sobre a vida de cada visitante que comparecia ao hotel. Não tinha escrúpulos quando imaginava sobre a intimidade por detrás das paredes dos quartos, detalhes que somente se revelavam quando se retirava o véu de aparências das pessoas. Desta vez, refletia sobre um casal que viera de São Paulo naquela manhã, cujas acomodações recebiam estranhíssimas pessoas diariamente. Quem eram? O que queriam? Nunca parava de cogitar. Suas imaginações dariam um livro. Em meio a tais devaneios, foi despertado por uma voz doce dirigida a si:
– Meu bem, o elevador parou no meu andar. Vamos?!
Era a cliente que acompanhava, chamando-o afável pela porta aberta. Uma loirinha de corpo escultural: umas curvas que, de tão perigosas, pareciam o serpentear de uma víbora. Como não reparara nela antes?! O embasbacado camareiro, depois de um momento de patético deslumbre, baixou a cabeça e continuou o percurso até o quarto. Lá, descarregou as malas, recebeu mísera gorjeta e viu a porta fechar-se.
Entretanto, ao invés de voltar ao saguão, ficou imóvel. Sentiu, de súbito, o coração palpitar e um desejo animalesco tomar conta dos sentidos. Logo estava com os olhos na fresta da fechadura, tentando captar um relance daquela preciosidade que o deixava curioso e excitado. Ouviu-a caminhar dentro do cômodo, seus saltos estalando no chão amadeirado e reverberando como tiros dentro de si. Depois de um ou dois minutos, vislumbrou-a, pela diminuta abertura, somente de lingerie, sentada na cama digitando algo no celular.
Rodrigo transpirava. Sentia uma mistura de insana curiosidade e apreensão por ser descoberto. De repente, ouviu vozes vindas do elevador. Logo se empertigou e disparou até a escada. Recobrou o fôlego, encostado na parede atrás da pesada porta corta-fogo. A adrenalina corria-lhe as veias: o que poderiam pensar se o vissem bisbilhotando os quartos dos clientes? Provavelmente seria demitido. Desceu até o saguão novamente. O gerente, com uma careta, perguntou se ele estava bem, visto que pálido e molhado de suor. Rodrigo respondeu com um grunhido de afirmação.
Durante o restante do dia, ficou apalermado, um completo idiota em todas as atividades, pois seus pensamentos estavam focados na deslumbrante mulher. Nutria verdadeira compulsão: queria saber o que ela fazia no hotel. O corpo esbelto e a doçura com que ela lhe dirigira as palavras atiçaram ainda mais sua curiosidade. Foi, portanto, até a recepção e inteirou-se de seu nome: "Júlia". Checou também o período de estadia, programado para apenas uma diária. Quem era essa maravilha? Quais eram as suas intenções? Não se contentava com aquele mistério.
Por volta das sete horas da noite, o expediente de Rodrigo encaminhava-se para o fim e ele, frustrado por não saber maiores detalhes da bela, lamentava-se cabisbaixo. Ah! Aquelas curvas... Nesse momento, no entanto, notou a chegada de um homem altivo e imponente, tal qual um daqueles treinadores de academia, que, com a sua presença, parecia inundar a recepção. Disse que tinha um encontro no quarto 513: justamente o da dita cuja!
Rodrigo estremeceu. O que aquele troglodita queria com a sua musa?! Mal conseguindo se conter, seguiu-o, enquanto o sujeito, olhando para os lados, tomava o elevador. O apalermado voyeur disparou pelas escadas, trêmulo, e abriu uma fresta na porta corta-fogo, tentando vislumbrá-lo na passagem. Não o viu entrar no quarto, somente ouviu uma porta se fechando.
Pensando que o personal trainer estivesse lá dentro, seguiu a passos largos até a entrada do aposento, a fim de bisbilhotar pela fresta da fechadura. Embora enciumado, já elaborava fantasias sobre aqueles dois, numa mistura bizarra de emoções. Ao mesmo tempo em que criara em Júlia um objeto de contemplação, sabia que não tinha chances com ela. Também tinha esse fetiche doentio de observar a vida alheia. Logo, queria apenas ter um relance da mulher, como se fosse um espectador de filmes pornô.
Todavia, ao botar os olhos pela pequena abertura, não viu coisa alguma. O quarto estava escuro. Distraído com suas imaginações, não percebeu quando o homem chegou, silenciosamente, pelas suas costas. Pondo o metal frio de uma arma na nuca de Rodrigo, disse, numa voz mais gélida ainda:
– Meu camarada, fica calado e entra no quarto.
Imediatamente, a porta se abriu e Rodrigo foi empurrado para dentro. Caindo no chão, ouviu o estalar ruidoso da tranca atrás de si. Ao olhar para cima, deu com Júlia, nua, apontando um revólver para a sua cabeça. Que visão!
– Por favor, desculpa! Não quero nada com vocês, não! Olha, prometo, não abro o bico para ning...
Mal terminou a frase, Rodrigo tomou um violento tapa do homem. Chorou e grunhiu de forma ridícula: “Parem, por favor!”. Logo tomou outro tapa. As mãos do fulano, mesmo espalmadas, assemelhavam-se a marretas descendo sobre o pobre coitado.
– Calado! – gritou Júlia, com uma voz transfigurada, que pouco se assemelhava à da mocinha melíflua de antes. – Se você preza pela sua vida, vai ficar quietinho aí.
– Dá uma olhada nesse sujeitinho... que idiota! – O homem gargalhava ao vislumbrar o esquálido camareiro que, diante daquele monumento, assemelhava-se a um pinscher. Depois de mais algumas desqualificações, o sujeito atou-o e amordaçou-o com fita adesiva, tal qual uma peça de carne sendo embalada para o supermercado. Jogado como um saco de lixo dentro do banheiro minúsculo, Rodrigo viu a porta ser trancada abruptamente.
Tudo aquilo parecia surreal. Sim, ele era o responsável. Não deveria ter metido o bico onde não havia sido chamado. Mas aquela situação tinha um quê de excitante. Um tempero em sua vida insossa.
De lá, pôde ouvi-los conversarem sobre uma trama envolvendo um casal de empresários de São Paulo. Imaginou que fosse justamente o mesmo casal que ele havia fantasiado mais cedo, pois a descrição que faziam de marido e mulher era semelhante com a que tinha na memória. Os dois ainda repisaram detalhes sórdidos sobre o que parecia ser um assalto: encontro num restaurante, "boa noite, Cinderela", malas de dinheiro.
– Vai ser fácil. Igual tirar doce de criança!
Aparentemente, o musculado, de nome Leon, era um conhecido do casal e havia prometido assinar um contrato naquela noite. O negócio, no entanto, era apenas um pretexto para o assalto e, pelo que transparecia da conversa, Leon já sabia de antemão da grande soma de dinheiro que portavam. Rodrigo ouvia tudo aquilo estupefato, tanto pela situação perigosa que vivia, quanto pela satisfação de participar de algo tão "extraordinário", o que satisfazia suas fantasias. Por fim, para seu deslumbramento doentio e pelo que indicavam os sons emanados do cômodo, Leon e Júlia deveriam ser amantes...
Finalmente, por volta das oito horas da noite, os dois saíram apressadamente do quarto e Rodrigo ficou sozinho, atado dentro do banheiro. Com muita dificuldade, pôs-se de pé e apertou o interruptor. Passando os olhos pelo banheiro minúsculo, não conseguiu distinguir qualquer coisa que o ajudasse a tirar suas amarras. Tentou gritar, mas a fita adesiva de sua boca abafava o som. Num ato de desespero, jogou o corpo contra a porta sanfonada, pensando que poderia arrombá-la. A porta cedeu um pouco, mas ele acabou escorregando e caindo de cabeça no duro chão de ladrilhos.
– Merda! – Grunhiu.
Ficou tonto, viu que sangrava, mas pôde entrever, dentro da lixeira ao lado da privada, uma lâmina de barbear.
***
Leon e Júlia gargalhavam durante o encontro. Seria por causa da bebida? Ou por que, em poucas horas, estariam ricos? A conversa entre os casais era descontraída. Os paulistanos sequer suspeitavam da emboscada. Achavam que os dois eram empresários bem-sucedidos como eles. Em determinado momento do jantar, depois de assinados os contratos fictícios, Leon ofereceu aos presentes um "barato" para animar a noite e retirou do bolso um saquinho contendo dois comprimidos. Escondendo-o com as mãos para evitar olhares indevidos, mostrou-o ao casal de São Paulo. Já bastante embriagados, eles toparam se divertir mais um pouco. Dividiram os comprimidos na própria mesa do restaurante e os tomaram.
– Vai ser da hora! – Leon incentivou.
Os pobres coitados não sabiam, mas haviam acabado de ingerir um forte anestesiante, conhecido no submundo do crime como "boa noite, Cinderela". Júlia e Leon, por sua vez, visando passar confiança aos outros dois, também tomaram sua parte, mas esta era apenas um placebo. Em poucos minutos, o casal paulistano dava indícios de grande sonolência e pouco a pouco foram desfalecendo. Leon pagou a conta do restaurante com o dinheiro que retirou da carteira das vítimas e, em seguida, encomendou um Uber para levar todos de volta até o hotel. Quando lá chegaram, os empresários já estavam ambos desmaiados. Os golpistas, então, precisaram carregá-los, trôpegos, aos respectivos aposentos. Deram a desculpa ao recepcionista de que eles haviam exagerado na bebida.
– Agora é só abrir a tampa do baú! – Exclamou o musculado, rindo, ao adentrar o quarto das vítimas. Jogou o peso morto no chão e trancou a fechadura atrás de si. Ele e Júlia, ansiosos que estavam para recolher o dinheiro, esfregavam as mãos e se abraçavam. Quando apertaram o interruptor, contudo, tomaram um susto.
– Que porra é essa?!
O aposento estava revirado. Armários, cômodas e bolsas haviam sido devidamente revistados e esvaziados. Não havia qualquer sinal de malas com a grana, nenhuma nota de dinheiro que indicasse volume em espécie, ou um objeto de valor sequer para contar história.
Enquanto isso, longe dali, Rodrigo ria. Ria copiosamente na traseira de um táxi, com uma toalha ensanguentada na cabeça. O motorista também achava graça, mas não entendia o motivo. No bagageiro, duas malas grandes, gordas e recheadas até a borda.