1094-O PSICÓLOGO PSICOPATA-

Não me perguntem por que aqueles três homens tão diferentes (e por outro lado, tão parecidos) se viram reunidos numa pousada no alto da Serra da Canastra, num dos lugares mais bonitos e, talvez, mais difíceis de chegar.

Um empresário – Sr. Leopoldo Azevedo — que, talvez vitima de um cansaço, dito stress, procurava em alguns poucos dias se recuperar de uma fadiga crônica adquirida na administração de sua empresa. Com idade aparente de cinquenta anos, alto, a calvície dominando quase a metade da cabeça. Corpulento mas ágil, em virtude da frequência diária da academia de ginástica, que trabalhava o corpo, mantendo-o em forma. Espírito alerta, nada lhe escapava à atenção.

Um psicólogo – Dr. Rubens Donavan ¬— também aparentando o meio século de idade, muito mago, as feições emaciadas e sinistras, usando sempre uma capa roxa, não importando se o dia estivesse frio ou quente, ou o ambiente agradável para ficar em manga-de-camisa.

Um advogado – Dr. Marcos Donavan — de tipo completamente comum: estatura média, careca, baixo e gordinho, rosto bonachão de bochechas rosadas e boca de glutão. Também com idade aparente de cinquenta anos.

Dr. Rubens e Dr. Marcos eram irmãos. Todos muito comedidos, pouco falavam entre si, como que querendo cada qual, esconder alguma coisa.

A pousada era um local isolado, sem proteção de árvores e por isso, varrida por ventos uivantes que, à noite, faziam lembrar trilha sonora de filmes de terror ou evocava trechos de mais puro horror do escritos de Allan Poe, de H.P.Lovecraft ou Stephen King.

Misteriosa construção antiga, colonial, na qual não se viam os proprietários, nem empregados ou outros serviçais. Eram somente os três pouco comunicativos clientes.

O senhor Leopoldo era muito observador, mesmo por necessidade do ofício, pois em sua empresa mantinha mais de 500 empregados, funcionários, chefes, etc. Prestava atenção em tudo, principalmente nas pessoas e nos comportamentos, quer normais, quer (principalmente nesses) anormais.

Assim, por força da observação constante e acurada dos dois parceiros de retiro, viu que o doutor Rubens, o psicólogo, era um autêntico psicopata. Seu comportamento não deixava dúvidas: crueldade para com os animais que apanhava em suas mãos ágeis (até pássaros em vôos rasantes) esmagando em seus dedos finos; o próprio tratamento que dava ao irmão, com ameaças tresloucadas; e, por fim, pelo sentido apurado que tinha sobre personalidades alheias.

Percebendo que o advogado, doutor Marcos, pouca atenção dava ao comportamento psicopata do irmão, achou conveniente avisá-lo.

— Já sei disso — respondeu o advogado — Por isso o acompanho aonde quer que ele vá, para tirá-lo de enrascadas em que se mete. Ele é bipolar, ou seja, tem ocasiões que é um excelente psicólogo, e tem até boa clientela. Mas quando cai o seu nível de energia, ou, como dizem, “baixa o espírito”, fica incontrolável e torna-se muito perigoso. Já tive e livrá-lo de dois assassinatos e de várias agressões que comete nessas ocasiões.

O que os dois não perceberam é que o psicopata os ouvia atrás de uma folha de porta. Assim que o senhor Leopoldo deixou o doutor Marcos, o psicopata se aproximou do irmão:

— Ele sabe! Vou matá-lo.

— Ei, calma aí, Rubens, ele é boa gente, não vai...

Interrompeu a frase e saiu correndo atrás do irmão, que ia em busca do senhor Leopoldo para matá-lo.

O atilado senhor Leopoldo já estava de olho nas atitudes do doutor Rubens, o psicopata. Assim, viu de longe os dois irmãos conversando e o psicopata sair correndo pela trilha em sua direção, a capa roxa esvoaçante, e, de certa forma, embaraçando-lhe os movimentos da corrida.

Não titubeou um instante sequer. Fugiu, correndo à toda, pela trilha abaixo, passando sob os altos bambus cujas touceiras cresciam em ambos lados da trilha, formando um túnel de verdura.

Vendo que apesar da capa roxa enrolar-se nas pernas do doutor Rubens este se aproximava, tirando a diferença da distância que os separava, procurou um esconderijo. O que viu, porém, foi um barranco íngreme pelo lado direito, ao qual se atirou. Caiu em meio a bambus secos, arranhando braços e pernas. Apoiou-se num bambu mais forte, que arrancou do chão e empunhou, como uma lança.

O psicopata viu quando Leopoldo se atirara pelo barranco, e fez o mesmo: abriu os braços e tal qual uma imensa ave agourenta de asas roxas, vôou por instantes sobre os bambus secos, indo de encontro ao senhor Leopoldo, que, desviando o corpo, segurou firme o bambu.

O voo do psicopata terminou quando seu peito foi atravessado pela ponta mortal da lança improvisada.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 11 de novembro de 2018.

Conto # 1.094 da série INFINITAS HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/12/2018
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