A última ceia
Ele olha as nuvens passarem, uma a uma, enquanto pensa na sua aguardada viagem. Afinal, deu muito duro e economizou bastante ao longo do ano para que seu destino se cumprisse: Natal. Depois de muita dedicação e esforço, eis que seu sonho está prestes a se realizar, pois segundo suas contas, em poucos minutos o avião deve pousar. Quanta exultação!
O toque do piloto ressoa e nosso protagonista já se empertiga alvoroçado em seu assento, mal contendo sua felicidade diante da descida iminente.
- "Senhores passageiros, apertem os cintos que estamos realizando uma manobra de descida ao nosso destino."
Ao ouvir estas palavras, lágrimas escorrem no rosto de nosso protagonista, claramente emocionado com aquele momento, em que um curta-metragem da sua vida se desenrola subitamente à sua vista. Assim, ele narra a si como chegou até ali, evidenciando pessoas e situações marcantes em sua, oras penosa, oras honrosa, trajetória, ao passo que o avião desce em espiral e aciona os freios, tocando, finalmente, o chão.
Ironia do destino: seria melhor ter continuado no céu.
Os freios não funcionam, o avião corre frenético pela pista, os passageiros, inclusive nosso protagonista, ficam aturdidos, já que as luzes se apagam e de repente um clarão consome tudo. Fim da linha.
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Naquela noite, todos os jornais foram inundados por imagens e vídeos das chamas que dilaceraram os tripulantes do voo do nosso protagonista. A colisão com a torre de comando foi fatal, não deixando ninguém para contar história. Viagem inesquecível, ficará na memória de todos aqueles que acompanharam esta tragédia.
Quanto ao nosso protagonista, cremado sumariamente, o sonho se tornou pesadelo. Se bem que horrendo mesmo foi ver sua esposa, grávida, cedendo, e ao seu recuperar, cair em prantos junto à família enlutada. Tamanho estrago não podia resultar noutra coisa: naquele ano não houve Natal para eles.