A mulher do vaqueiro sopra a colher cheia de arroz com pequi e feijão tropeiro. Faz ‘aviãozinho’ e põe na boca do mais velho. Três anos tem o miúdo... Dois menores espiam... Ela oferece o peito ao caçula. E ao outro, uma mamadeira de leite mugido, guardado no úbere da vaca mansa que deixa mamar em suas tetas. Mimosa é mãe-de-leite de toda a pirralhada nascida em Campo Grande, nos últimos anos. Feliz da vida, Corina agradece ao marido pela festa na fazenda: “Estou encantada.”
— Agradeça a Deus. Depois ao bezerro que morreu para dar vida à onça. Por causa dele, persegui a pintada. E ela mostrou-nos a índia. A índia nos trouxe o padre e toda esta multidão.
— Cruz credo! Que idolatria: agradecer ao bezerro! Nem que fosse de ouro, eu cometeria tal adultério contra Deus.
— É modo de falar, minha Flor. Mas, a índia atraiu todo esse povo.
— Nada disso! Quem atraiu foi Deus. Ele sabe, e pode extrair um bem, até mesmo do mal.
— Pois então! Está justificado o holocausto do bezerro e do touro.
— Que touro?
— O touro imolado para a festa do vaqueiro.
— E isso agrada a Deus?
— Não achas que Deus se compraz com nossa alegria?
— Sim! E também sofre com nossa dor.
Corina não cabia dentro de si.
Há quanto tempo não ouvia ‘Saudade de Mirabela executada pelo próprio compositor, e assim, no terreiro de casa era algo, no mínimo, inusitado. “Manda mais um coco aí, Zé! Gritou a plateia.” E Zé debulhou um cacho de coco atrás do outro.
— O dia é quase amanhecido— disse Corina.
— Deixa a tanga rolar...
— Não estamos na praia, Cravo-vermelho!
— Queres dizer, meu escravo, não?
— Escravo livre. Somos livres escravos do amor.
— O sol já se levanta— acrescentou ela.
— Todo dia o sol se levanta, minha flor!
— Sim, mas o Cravo não vai brigar com a Rosa, vai?
— Nunca!
— Batista!
— Diga, meu doce!
— Ouço barulho na cozinha.
— São os gatos comendo as sobras da festa.
— Guardei tudo.
— Não guardaste tudo...
Corina sorriu.
— Vai dormir, Batista!...
O dia avança.
Outra vez, a tarde chega devagar e o sol brinca de esconde-esconde com a lua. A pintainhada se abriga nas asas da mãe. A natureza dorme. Tudo silencia. E novo dia se levanta. Mal cai a tarde, a noite cobre o céu com o negrume de seu manto. A vela tremeluz fantasmagórica e vultos vagueiam na antiga senzala.
***
Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."
— Agradeça a Deus. Depois ao bezerro que morreu para dar vida à onça. Por causa dele, persegui a pintada. E ela mostrou-nos a índia. A índia nos trouxe o padre e toda esta multidão.
— Cruz credo! Que idolatria: agradecer ao bezerro! Nem que fosse de ouro, eu cometeria tal adultério contra Deus.
— É modo de falar, minha Flor. Mas, a índia atraiu todo esse povo.
— Nada disso! Quem atraiu foi Deus. Ele sabe, e pode extrair um bem, até mesmo do mal.
— Pois então! Está justificado o holocausto do bezerro e do touro.
— Que touro?
— O touro imolado para a festa do vaqueiro.
— E isso agrada a Deus?
— Não achas que Deus se compraz com nossa alegria?
— Sim! E também sofre com nossa dor.
Corina não cabia dentro de si.
Há quanto tempo não ouvia ‘Saudade de Mirabela executada pelo próprio compositor, e assim, no terreiro de casa era algo, no mínimo, inusitado. “Manda mais um coco aí, Zé! Gritou a plateia.” E Zé debulhou um cacho de coco atrás do outro.
— O dia é quase amanhecido— disse Corina.
— Deixa a tanga rolar...
— Não estamos na praia, Cravo-vermelho!
— Queres dizer, meu escravo, não?
— Escravo livre. Somos livres escravos do amor.
— O sol já se levanta— acrescentou ela.
— Todo dia o sol se levanta, minha flor!
— Sim, mas o Cravo não vai brigar com a Rosa, vai?
— Nunca!
— Batista!
— Diga, meu doce!
— Ouço barulho na cozinha.
— São os gatos comendo as sobras da festa.
— Guardei tudo.
— Não guardaste tudo...
Corina sorriu.
— Vai dormir, Batista!...
O dia avança.
Outra vez, a tarde chega devagar e o sol brinca de esconde-esconde com a lua. A pintainhada se abriga nas asas da mãe. A natureza dorme. Tudo silencia. E novo dia se levanta. Mal cai a tarde, a noite cobre o céu com o negrume de seu manto. A vela tremeluz fantasmagórica e vultos vagueiam na antiga senzala.
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Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."