ELE SABE 9

"– Já estou de partida – diz Olga.

Marcus a encara por um momento; os olhos constrangidos. Eles a pedem em silêncio que o permita o mesmo. Não seria necessário por em palavras a sua resposta, mas é Fausto quem o faz – por fim.

– Não."

[PARTE NOVE]

Ela se afasta aos poucos, mas não faz concreta ainda a despedida que consuma. A cada passo seu, mais perto Marcus estará da morte. Desde o início dos eventos que a trouxeram a este ponto – até apenas quatro dias atrás –, Olga Ruiz D’Ávila tem preferido manter intactos seus melhores predicados: a aversão a tolice; o comportamento reservado; a presença implacável; a postura austera. Blindar-se das excentricidades alheias costuma lhe ser de grande ajuda na vida. Houve apenas uma única vez em que não soube preservá-los. Em todos os outros casos, contudo, foram estas mesmas qualidades que a guiaram – e também serão estas que a guiarão agora.

As chaves estão no carro. Seus pertences mais valiosos se encontram relativamente protegidos na bolsa discreta que ela leva consigo. Apesar do cair da noite, a madrugada não chegaria a tempo de alcança-la na estrada. É bem verdade que não teria bons lugares onde alojar-se com a segurança necessária. A segurança de que precisa, porém, não mais existe. Teria que contentar-se com o medo por enquanto. Uma realidade por hora razoavelmente tolerável.

Ela só precisaria entrar no carro, e mais nada. E então daria a partida. Partiria, mais uma vez, para deixar a cargo do acaso o seu próximo destino e o de quem deixou para trás. Ainda é quem sempre foi, e por isso não há nada que a impeça de ir.

Ela, que por anos estuda o sentimento de culpa em sua origem mais primordial, jamais o experimentara por si mesma; de modo que nunca – jamais em toda vida – Olga se sentiu culpada. De sua parte, a doutora se recusaria a atribuir a qualquer tipo de carência reprimida a fonte para esta condição. Desde que passara a se dedicar a ciência da mente humana, Olga chegara a algumas boas compreensões sobre si própria. Conhece a si como ninguém um dia a conheceu. Uma das coisas que sabe sobre ela mesma é que a tal ausência de culpa de que padece é nada mais do que um efeito da sua resistência a lamentações. Ótima compreensão, por sinal; e na qual ela insistirá até o fim.

Marcus ainda a observa partindo, e já tendo como companhia o corpo alto de Fausto bem ao seu lado. Nos bolsos os celulares estremecem, de repente. É ele, pela primeira vez se comunicando com todos ao mesmo tempo. Ele está por ali, pressente ela. Fausto arrasta Marcus com ele até uma das portas do carro e pede com a cabeça que Olga assuma o lado do volante. Seu algoz – aquele que antes fora vitimado pelos seus malfeitos – avisa aos três que está na hora de reunirem-se, mas não em um lugar tão impessoal. Em suas próprias palavras, o ex amigo os convida a encontra-lo na sua própria casa. Como ressalva, no entanto, ele alerta que se por algum acaso um deles recusar o convite, alguém será sacrificado.

Marcus, Olga, Fausto e Solano poderão decidir agora mesmo o que fazer com os próprios destinos, mas sabendo que – com isso – decidirão também os dos seus companheiros.