Doente pra moça
Era a expressão singela, eufemística e poética até, que tia Justiniana usava pra definir aqueles rapazes que não se casavam. E nem queriam saber de moça. Não a empregava assim abertamente. Chegava a virar o rosto prum lado, semi-cobrir a boca para a proferir. Quase que com reverência.
E o exemplo mais flagrante dessa definição era o moço da padaria, à volta da matriz, o Segismundo. Todos o conheciam pela fineza de suas maneiras, as sobrancelhas negras e bem delineadas - unas pestañas muy arqueadas, como La muñeca brava de Gardel... e os cabelos negros, lustrosos e ondulados de dar inveja a um iniciante Elvis.
E pouco se o via de fora daquele balcão em que ele passava os dias vendendo pão e de lambuja distribuindo sorrisos e olhares apaixonados. Mais pros meninos. Ou dos meninos. Mas quem ficavam encantadas com ele eram as senhoras solteironas, já de uma certa idade, assim como Justiniana, ou sua irmã Rita - mais sociável e mais jeitosa - que nos contava de suas prosas com o moço da padaria. Que lhe falava com certo orgulho e sem pudor de suas habilidades domésticas: o tricô, o crochet, os bordados... Comme ils disent, diria dele e no palco o encenaria melodiosamente o chansonnier Charles Aznavour, bien-sûr...
Quando a padaria do cunhado fechou, foi a vez do mundo se abrir para Segismundo: abriu seu próprio negócio, um salão de beleza. Já não era mais o encantador e guapo moço que servia cafezinhos daquela máquina cromada "Maracanã", nas xicrinhas branquinhas e que se comprazia em embrulhar baguetes de todos os tamanhos para a freguesia.
Havia mudado: os cabelos deram lugar a uma peruca, os dentes recauchutados, e no entanto, ele se sentia em seu elemento, pintando e fazendo cabeças. E pronto para atender suas sessões noturnas, enquanto sua zelosa maman cochilava em frente à tv - encantada com a faceirice de Yoná de Magalhães.