A Voz no Trovão

Passos apressados.

A chuva o havia pego desprevenido, já não bastassem as horas que eram. Madrugada. Não sabia a hora certa porque não estava com celular nem relógio nem nada. Não tinha nada. Literalmente. Tinha frio, isso era inquestionável, mas nada que interessasse a alguém que por ventura procurasse “caçar”. Não havia segurança pra quem tinha, imagine pra quem não tinha? Já que ele nada tinha, pensava ele, certamente não perderia nada. Mas o que ele pensava estar pensando?

Acreditava estar só. Olhava sempre para trás com aquela tão comum sensação de estar sendo observado que pessoas com medo relatam em situações parecidas. Seu coração parecia sentir que aquela chuva anunciava uma tempestade e tanto, e ele sempre morreu de pavor de trovões. Era um medo perseguidor. Ninguém sabia e ele não assumia. Qualquer chuvinha de verão o assombrava. Se ouvisse aquele som estrondoso lembraria da voz do Deus soando colérica enquanto seu pai na Terra espancava toda a família antes de vomitar os petiscos engolfados na cachaça, pra depois fazer sua mãe passar a língua depois o pano, quando ele ainda nada sabia do mundo. As lembranças eram muitas mas havia uma em especial, a do “Dia da Tempestade”, que havia sido insuperável. Jamais haviam apanhado tanto. Sua irmã mais velha havia fraturado o braço de um chute. Um coice. Ela havia desmaiado pela primeira vez naquele dia. Tinha 9 anos. Viveu apenas mais 20. Não soube mais entender as coisas.

“Mas... que merda!”, pensou ele, odiava pensar naquilo tudo. Não podia evitar. Principalmente quando chovia.

O que o perturbava não era nem madrugada nem chuva nem passado sofrido nem nada. O que o preocupava era saber que iria morrer. Havia sido pego sem calças, sorriu. Ele sentia. Ia acontecer a qualquer momento. Não era uma pessoa envolvida com nada ilícito, trabalhava, pagava pensão pra um filho que o amava e que era amado, jamais havia se envolvido em brigas e era um vizinho razoável. Cada um na sua. E também não estava se relacionando com ninguém e jamais se envolvera com mulheres comprometidas, o que certamente estenderam seus anos sobre a Terra. Era apenas ele. Já teve sua própria família, num passado longínquo. Mas de uns tempos pra cá vinha sonhando com a surra que levou no “Dia da Tempestade” e lembrado uma coisa muito esquisita. Naquele dia, lembrou não sabe como, talvez fosse efeito do sonho ou uma negação da sua mente, que com apenas 7 anos, frequentador assíduo da Escola Dominical, havia amaldiçoado Deus porque ouviu sua mãe chorando dizer que queria morrer. O que era morrer? Porque naquele dia, ela que tinha o rosto mais lindo que ele havia visto se perdeu para sempre. Dentes se perderam. Ele havia dito em lágrimas que um Deus covarde mata pessoas com doenças, porém um Deus perverso mata pessoas usando outras pessoas. Se foi sonho ou realidade enterrada em seu inconsciente, talvez fosse muito criança para formular algo tão incisivo, era mais provável que fosse reflexo do que ele pensava no agora, hoje ele era assombrado. Sua mãe morreu de depressão pouco antes da filha, mas antes apanhou feito uma escrava fujona. Sempre sem motivos. Ele agora saberia se Deus seria covarde ou perverso com ele, porque ele sentia que estava prestes a morrer. Sabia ele o que era morrer? Ele sempre quis saber. No sonho, a Voz no Trovão disse que ele logo saberia... Parecia que o desafiara.

Não pensem que a vida dele só teve maus momentos. Ele entendeu uma lógica e um segredo ainda novo. Não é tão simples explicar, mas ele havia despertado pra uma nova maneira de enxergar as coisas e isso mudou seu destino. Magnetismo. Não se deixou derrotar pelos efeitos opressores das dificuldades da vida e conseguiu vencer com as armas escassas que o Sistema oferece. Estudou sozinho e conseguiu um emprego numa das incontáveis tetas do Governo mas procurou superar isso. Precisou ir contra sua ideologia filosófica particular pra não ter que se desfigurar na selva do mercado de trabalho. Chega de sapatos, planos de saúde, pizzas, brinquedos de sex shop, chega, foi o que ele pensou na época. Apenas preencher papéis inúteis para pessoas inúteis e lutar contra o sentimento de inutilidade. Era isso ou a incerteza constante. “Pior seria se pior fosse”, disse não sei quem. Não foi feliz de verdade porque seus olhos viam demais. Teve o que se pode dizer uma vida confortável. Tentou dar o valor devido ao dinheiro. A vida lhe era infinitamente mais importante. E muito mais valiosa. Sem que ninguém precisasse saber ajudou muitos, como pôde, marcou a vida de pessoas que jamais o esqueceriam, sem nada querer em troca a não ser que fizessem o mesmo por outros. Nenhum mérito para ele seria maior que o respeito e a gratidão que certamente recebeu por ser como era.

No entanto, depois de anos, ele passou a sentir um diferente medo. Não sei se medo é a palavra mais próxima do que ele sentia, era mais como uma angústia por algo iminente. Ele se despedia de si a cada novo dia. Algo estava se aproximando continuamente. Ele dormia e sonhava com aquele dia, o “Dia da Tempestade”, pensava que não entendeu por que seu pai não pareceu reconhece-lo. Ele era muito pequeno e magro, além dos golpes com a mangueira de borracha, levou um cascudo que depois virou um enorme galo, como chamava sua vó. Só que o galo depois continuou doendo e doendo e até hoje quando ele parava e parecia perceber o incógnito, pensava sentir uma leve dor. Era uma dor na alma. Ele era só uma criança, amava o pai. Até aquele dia.

E nessa madrugada, uma de tantas outras desde o dia em que soube que estava vindo o que parecia ser o fim, a exatos 2 anos, ele passou a andar totalmente sem roupas todas as Sextas-Feiras, como um desafio lançado ao que ele viu em um sonho tenebroso que um dia teve. Acreditava em sonhos. Saia na madrugada pra evitar ser visto. No sonho, uma voz como um trovão dizia-lhe que ele saberia em breve quem era o covarde... mas pra que isso pudesse acontecer, a voz havia dito que ele deveria estar como estava quando fora concebido... sem nada humano além da sua pele... um mísero ser ignorante... despido de tudo... que acreditava... nu.... Não se sabe como, somente ele saberia, mas quando ele acordou desse sonho o interpretou de uma forma que o fez acreditar que se saísse sem roupas em torno do quarteirão onde morava, o que dava uma caminhada de 600 metros ao ar livre, sem nada, apenas com a angústia de ser flagrado por um conhecido aos 53 anos e provavelmente ganhando a fama de tarado ou lobisomem, encontraria o caminho certo... e venceria o desafio. Uma só vez, já todas as semanas... certamente era loucura. Ou quem sabe ele pudesse até ser espancado ou assassinado por quem pratica o mal ou a “justiça” não sabendo e sabendo também. O crime tem vários setores e segmentos. Tarados de loucos podem existir por mais incrível que pareça, acredite. Não se sabe, mas ele acreditava estar dando crédito ao exigido no sonho, aguardava saber se era covarde. Era impetuoso. Talvez já não estivesse são... Certamente havia perdido o juízo.

E a tempestade havia se aproximado a uma incrível velocidade. Parece até que estava espreitando-o em seu delirante desafio. Nenhuma pessoa o vira desde que começara a sua caminhada nudista e murmurante pelas ruas adormecidas do bairro nobre em que morava. Nem as câmeras. Nem a polícia, o que o colocaria em uma saia justa. Mas pela primeira vez, uma sombra havia despontado no horizonte, vacilante. Parou alguns instantes até se decidir passar pelo homem nu com cara de assombração. Era uma moça que ele não conhecia das redondezas. Roupas curtas e uma garrafa na mão. Ignorou-a, mas sem medo, já ela tremeu e quase caiu quando eles se cruzaram cada um num lado da rua, mas ele havia percebido o pânico na atmosfera que a circundava. Pra ela, ela acabava de ver um fantasma. Ele havia decidido voltar, mas agora, com a moça perdida da madrugada, não poderia dar meia volta sem que ela gritasse apavorada e ele fosse visto, sendo assim, decidiu terminar a volta, sentia que seria diferente naquele momento. Então ele ouviu o primeiro...

“CABRUUMMMM!”

O chão pareceu tremer. Não, ele tremeu.

Foi tão forte que ele pôde sentir o deslocamento do ar, como se o vento acelerasse sua fuga com medo daquela voz. Era a Voz no Trovão...

Seria Ele?

O homem nu olhou pra trás e a mulher havia sumido. Rapidamente outra decisão foi tomada; ele voltaria imediatamente. Faltava exatamente metade do caminho, se continuasse ou voltasse. Estava no início de um colapso nervoso quando o segundo trovão estremeceu todo o solo por onde caminhava, fazendo tremer também as paredes das casas próximas. Ouviu o som de uma janela quebrando. Ele pensou ter visto um coqueiro enorme se dobrando com a força dos ventos que aumentavam em disparada, o coqueiro parecia o olhar com seus cabelos esvoaçantes. A chuva forte ainda não caia, apenas uma garoa fina era chicoteada e o banhava com um frio glacial por aquelas horas da madrugada, era como se ele sentisse que aquela seria sua última noite. Seus passeios de desafio haviam encontrado o que procuravam. “Quem procura acha”, disse alguém.

Vale lembrar que ele havia sido escrivão para o Sistema. Irônico. Estudou o suficiente pra ser isso pra que depois viesse a ser suficientemente algo. Digitou inúmeras sentenças. Viu o destino de muitos arremessados de um lado pra o outro pelos homens de capacidade “Superior”, talvez fosse mais um conivente. Assistiu a agonia dos que nada sabiam, que eram cegos para as engrenagens que manipulavam a tal Sociedade. Papéis inúteis para pessoas inúteis, porém espertas. Eram muitas as vítimas dos documentos, dos papéis importantes. Mas sabia que não precisou assinar nenhum documento naquele sonho em que desafiara o Trovão chamando-o de covarde, já havia uma sentença... Afronta grave. Não se lembrava totalmente desse sonho... sim... ele desafiou o Trovão. No sonho o Trovão disse “Até do teu corpo te envergonhas, o que dirá de tua alma?”, então ele quis mostrar que não se envergonhava, a nudez era simbólica. Ele estava zombando porque queria saber se era ou não covarde. Ele pressupunha que o Trovão sabia da mente e coração dele. Se estava desafiando quem ele pensava estar desafiando, queria saber se Ele colocaria um fim naquele indiscutível infortúnio.

As luzes amarelas das ruas se apagaram e ele percebeu que as nuvens eram de um negror avermelhado, a Lua sumiu por trás da coluna de energia que borbulhava o som mais poderoso que se conhecia na Natureza até que tudo escureceu. O homem sabia e então pensou que correr seria uma ótima ideia não importando o desfecho seguinte. Correu quando a chuva começou a engrossar e seus pés descalços pisavam várias pedrinhas e iam enfraquecendo seu trote, não era nenhum adolescente, era um velho sedentário que só havia exercitado a mente por anos. Seu corpo sentia os reflexos do peso de tantos livros. Precisava chegar em casa e então quem sabe fugiria do destino. Foi então que como se pressentisse um relance, o homem parou e se encostou próximo a um portão de uma das casas adormecidas, abrigando-se parcialmente da chuva. Foi capaz de ver o clarão com sua visão periférica, seguido de um som que jamais pensou existir...

“CABRUUUMMUMM!!!”

Parecia que bombas atômicas explodiam fazendo vir abaixo pedaços de um céu partido. Imaginou que todos haviam acordado e tremiam sob suas cobertas. Fragmentos como destroços arremessados pareciam ser ouvidos e um som ensurdecedor preenchia os céus numa acusação inebriante “Diga que temes!”. Quem havia dito aquilo? Um relâmpago partiu uma árvore próxima a ele que lançou um de seus braços em chamas agonizando perto dele, e o homem pôde ter total certeza de que os próximos seriam mais próximos, e mais próximos, e mais... até que encontrassem o alvo; ele.

Ele era o alvo Dele...

Dizem que a vida passa como um filme quando se está prestes a morrer. E agora ele lembrava de quase tudo de que podia lembrar e num piscar de olhos estava com os pés tão firmes no presente que entendera tudo até aquele exato momento. “ Está acontecendo... não sou covarde... eu venci... eu sei quem você é...”. A vida que conheceu o levou àquele momento, tudo fez um sentido sem sentido e ele pôde entender a balança das coisas. As energias se movendo e se entrelaçando tecendo os caminhos. Sua vida seria entendida quando encontrassem o livro que havia escrito em segredo. Estava embalado em sua casa com seu testamento e dois exemplares foram enviados por Correio a pessoas específicas, que ele acreditava poderem entender o que havia descoberto. O livro não tinha nome. Não precisava. Não esperava que alguém fosse ler algo tão pobre em Literatura quanto o que havia escrito mas pressupunha que quem o lesse com atenção e coração perceberia o que ele havia feito... ele descobrira uma coisa... e perdeu sua parte cega... ele conseguiu ver...

Quando despertou desse devaneio que durou não se sabe quanto tempo, o homem tirou os olhos do galho em chamas que ardia na calçada, mesmo com a chuva forte o fogo resistia como que por encanto. Continuou sua fuga porque seus pensamentos haviam chegado a uma conclusão desconcertante, mas que podia se referir ao pensamento do sonho em que a palavra covarde havia ecoado nas paredes do recinto acusatório. Ele enfrentou a Vida... em busca de quê? Se Ele não usaria doenças, nem usaria pessoas, podemos pressupor, Excelência, que o Juiz decidira punir com suas próprias mãos... E seus pensamentos vagaram e estacionaram numa matéria que havia assistido certa vez na TV sobre o poder inacreditável dos relâmpagos. Era uma manifestação mais que imponente da Natureza e estava envolvida em todas as civilizações e suas respectivas religiões. Era um fenômeno que a Física dizia entender mas sob a lógica de um velho homem alvo, eles eram outra coisa bem diferente. Era Ele vindo mostrar sua força... quem sabe sua prepotência, mas Ele não parecia zangado... não, Ele apenas parecia sentir-se Justo. E talvez fosse. O homem está fadado a cair... por Ele... E agora seus únicos documentos balançavam literalmente e não podia ser algo menos patético do que já era. Seu senso de humor ainda não havia o abandonado.

E mais um outro caiu...

“CABRUUUMMM!!!”

Dessa vez, com a permissão de sua experiência no assunto, o homem sentiu a conexão entre os fatos e o presente mais uma vez. O raio atingiu um poste atrás dele e os fios se soltaram num estrondo. Sabia que eram lançados em sua direção. O instante vivido estava sendo decisivo, tudo que ele pensasse estaria e estava sendo a continuidade do que sua experiência física passaria até que acontecesse o esperado. E ele entendeu que ainda podia tentar uma última sacada porque sabia que o fim já havia sido selado naquele sonho. Quem era covarde? Ele pensou e pensou, a chuva caia intermitente, o corpo cansado do homem tremia e ele mesmo reconhecia que sua imagem, analisada pelos olhos de uma normalidade aprisionada pela Verdade moldada, era um reflexo triste de um homem do Presente vivendo o Passado... Medo e Liberdade. Mas ao mesmo tempo estava no Futuro de tudo e o momento estava sendo decisivo. Era uma chance única, haviam dois caminhos, temer ou viver... Ele sabia que mesmo velho, vivera por aquele momento, acreditou que ele viesse muito antes, jamais imaginou chegar tão longe por uma resposta, mas mesmo sendo pego sem calças ele ainda estava armado... Sem pegadinhas. Olhou pra cima. O céu explodia em feixes como se carregando de um pouco mais de fúria até que viesse o grito.

- Eu já temi... Admito. Mas eu tenho uma última pergunta, oh grande e onipotente Eu Sou... - o homem falou e como num passe de mágica, a chuva foi cessando e cessando, até que nem mais o vento se sentia. Apenas o rumor das explosões que borbulhavam nos céus negros.

- É preciso tanto pra me causar medo? Não pareço tão assustado quanto você por eu não te temer... - ele falou e uma sensação indescritível o tomou. Sua circulação estava ativa como que por espontaneidade natural ao que ele havia feito. Desafiara-o mais uma vez já sabendo do fim... Apenas quis mostrar que de alguma forma ainda estava certo. Pelo menos para ele. O Ele, O Secreto, talvez o visse como uma simples criança, que certamente, agora estava feito, deveria crescer. Merecia...

E como num daqueles momentos que são tão únicos quanto todos os demais, só que por raras vezes percebemos, o homem ouviu a voz que a tanto já conhecia. Essa era uma voz que o levara por tantos caminhos. A voz conversava com ele desde sempre, desde que havia percebido que era algo dotado de vida. Foi ela quem sussurrou ideias e pediu pra que ele as escrevesse... que por tanto tempo o aconselhou a estudar pra que fosse mais fácil viver, pra que abandonasse os moldes e buscasse ver além das cortinas da realidade... ela que pediu pra que ele retirasse o véu... Era a voz... a Voz no Coração... Ela pedia pra que ele a ouvisse, já que ele estava se habituando a ignorá-la. Ela falou mas não foi com sons, falou com os encaixes de todos os eventos vividos que fizeram de um simples homem o centro de tamanha experiência. Ele ouviu a voz com atenção...

“Você também estaria assustado se estivesse com uma arma apontada pra cabeça... se soubesse que estaria cancelando sua única chance por vontade própria... Eu estou reduzindo seu caminho porque você já viu demais... está pronto. Mas eu te preparei e agora não posso concordar que esteja totalmente certo, por isso vim te mostrar que não sou covarde... assim como sei que também não és. Nunca tirarei teu direito de me enfrentar, já que precisa e queres me ver sem se ver. Eu sempre estarei certo... assim como você! Não deve se culpar como tantos outros que agora mesmo estão tentando assim como você, como nós... em todos os cantos... é a mesma coisa... Te convido pra ser o que sou, não como sou... Te levarei de maneira que percebas que não sou covarde. Não somos...Veja...”, quando ele abriu os olhos seu corpo tremia descontroladamente e nos céus podia-se ver uma claridade que se movia por trás das escuras nuvens carregadas. Ele sabia que não havia mais tempo. O tempo estava se iniciando assim como sempre fez. Não haveria começo nem fim porque simplesmente, ele sabia... sabia porque não entendia, e quando assumia seu não entendimento, quando aceitava a loucura como porta pra o lado de lá das coisas, ele quebrava as correntes que o tornavam não mais que um nome e um número. Ele deixava de ser o que havia sido por toda a vida para ele e para os outros para ser o que era o seu destino; ser Único.

“CABRUUUUMMMM!!!!!!”

E numa sequência de sons e imagens que clareavam uma cidade em algum lugar do mundo em algum lugar no espaço inalcançável, ele sentiu-se atingido... claridade desnorteante... Era uma força além de qualquer explicação terrena mas havia sido atingido pelo próprio destino... Raio... Era uma maneira emblemática de partir. Sempre ouviu falar das chances de ser atingido por um raio, assistiu inúmeros casos de acidentes em praias com eles. Mas nada como ter certeza de que algo está manipulando as possibilidades para que tudo pareça normal. Encontrariam o corpo dele irreconhecível, nu, negro e com cheiro de algum assado funesto. Lembrariam por décadas. O que ele não podia jamais imaginar era que pela primeira vez em muito tempo parecia sentir-se bem... E parecia ainda pensar como ele mesmo. Vagava e se perdia... era bom... era liberdade... era totalidade... completude...

Até que suavemente ele se deixou levar, e quando abriu os olhos, o que viu fechou definitivamente seu ciclo na Terra; ele viu telhados de uma cidade que dormia enquanto seu corpo deslizava o convidando a conhecer o Mundo... o verdadeiro... Do alto, resolveu responder à voz que ele lembrava ter dito que não eram covardes... Ele e quem? Não lembrava... “Eu e quem?”, e quando sua voz saiu, soou como um poderoso trovão... Ele era o próprio Trovão... seu corpo era a Tempestade...

Agora era como o Que era... e ninguém jamais saberia... ele havia sido único... Mais além, soube o que finalmente havia acontecido; vivera, fora humano, e foi como se estivesse sendo abraçado por todos que um dia fizeram o mesmo. Todos os únicos. Todos que um dia acreditaram em algo que não sabiam explicar... mas que tentaram... Todos que agora guardavam o segredo com ele e Ele para sempre...

Edgar Lins
Enviado por Edgar Lins em 26/11/2018
Código do texto: T6512276
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.