AVERSO | CAPÍTULO 1 – VAZIO [MELHORADO]
Uma mente vazia revestida por um corpo de pele e ossos reflete no abismo da solidão:
“Vazio, a única certeza que temos na vida é que em algum momento iremos nos preencher do mais completo e absoluto vazio, seja ao abandonar alguém, com algum sentimento, quando nos encontramos em alguma situação em que não vemos saída, entre outras coisas, mas principalmente no momento da nossa morte. Mas quando atingir o vazio, neste momento os sentimentos se tornarão algo completamente obsoletos, nada pode chegar até o seu verdadeiro eu, que há muito tempo já vive dentro de uma bolha fria, escura e depressiva.“
“Dito isto, preciso dizer que não existe esperança para mim, não existe nada que eu queira me apegar, eu já estou nesta bolha há muito tempo, eu já não me vejo com alternativa a não ser deixar que tudo isto tome conta de mim e me leve, para o fundo do abismo.”
“O mundo se tornou sem graça, a vida se tornou desprezível aos meus olhos, tudo que vejo é algo que vai além do ódio e da inveja, algo que esta mais adiante de tudo isto, algo realmente podre.”
Um som estridente e uma luz repentina emergem em meio a escuridão.
“Meus pensamentos são cortados pelo barulho estridente de um relâmpago, fazendo-me retornar do ponto onde havia parado antes de começar a caminhar para dentro dos meus pensamentos obscuros.“
A chuva cai pesarosamente do lado de fora.
“Por três dias seguidos chove forte nesta cidade, assentando a minha realidade de viver recluso, pois ninguém sairia em uma chuva forte destas e mesmo que quisesse não deveria, seria demasiadamente perigoso, ninguém iria correr o risco de encarar uma provável chuva ácida ou que esteja contaminada por qualquer coisa radioativa. Eu, já não me importo com isto, eu não lembro nem a última vez que deixei este pequeno apartamento, não me lembro de ver o sol, de estar em meio a uma multidão ou mesmo de conversar com alguém.“
“Analiso as gotas de chuvas escorregando-se pelo vidro da janela, algumas delas se cruzam como se estivessem dançando, ou traçando um destino de quando se encontrarem se tornarem uma gota ainda maior e chegar até a parte mais abaixo do vidro da janela. Este tipo de pensamento seria dito por um religioso de uma maneira a entender que tudo é feito por um criador, tudo fora planejado e nas pequenas coisas que olhamos vemos os sentidos da vida, eu no caso, só vejo gotas de água escorrendo pela janela de uma forma mais poética.”
A televisão ao fundo que até então se tornara coadjuvante em cena, rouba-lhe a atenção.
“Meu olhar é desviado por uma notícia passando na televisão, alguém comentando sobre a vida de pessoas ricas, famosas e aparentemente felizes, algum tipo de reality show estúpido, que força sua direção e narrativa com o objetivo único de prender as pessoas a tela, como ratos pegos na ratoeira.”
“Não tenho uma vida assim e não anseio por uma assim, na verdade, minha vida poderia ser descrita de maneira bem simples, não existe muita coisa para se pensar sobre isto, não tenho mistérios, segredos, grandes reviravoltas e nem grandes conquistas. Eu só sou um cara simples, que trabalha em casa como escritor, nunca tendo tido uma obra publicada e por isto nunca tive êxito. Moro sozinho em um apartamento em São Paulo desde o ano de 2027, ano que meu pai morreu e me deixou com uma boa herança, que seria suficiente para organizar a vida até conseguir ter uma fonte de renda sólida, minha mãe já faleceu quando eu era jovem, devido à exposição à radiação, foi um fim trágico. Não existe ninguém mais da minha família, ao menos eu acho, mas, ninguém nunca veio realmente a minha procura então independente se há ou não alguém a mais da minha família por ai, isto é irrelevante.”
“Já meu dinheiro acabou semana passada, tudo que tenho além desta semana é apenas mais uma, depois serei despejado, jogado na rua para morrer e enterrado como indigente ou irão aproveitar meu corpo para algum fim médico legal ou ilegal, provavelmente ilegal.”
“Meu apartamento possui três cômodos o banheiro, a cozinha e o meu quarto onde passo praticamente a maior parte do meu dia, um quarto obviamente com quatro paredes, a primeira com a porta e bem ao lado o interruptor, na parede ao lado fica a janela e abaixo da janela a minha cama, do lado da cama esta encostada na parede oposta à da porta o meu computador e televisão e na parede ao lado o guarda roupas. Um quarto bem simples, sem muitas coisas além dos vários livros embaixo da cama, outros em cima da escrivaninha onde fica o computador e alguns espalhados pelo chão.”
“Posso dizer que minha vida se assemelha a este quarto, um vazio com conhecimento espalhado pelos cantos, mas que ninguém realmente irá ter interesse em investigar para saber o que realmente esta preenchendo esse vazio.”