DROGAS O MAL DO SÉCULO
RESENHAS:
DROGAS O MAL DO SÉCULO
Quando um homem, após haver pedido um filho de overdose, resolve tomar a lei pelas próprias mãos, tudo pode acontecer.
Começam a aparecer homens importantes da cidade mortos por over dose.
DROGAS O MAL DO SÉCULO
CAPÍTULO I - A TORTURA
O ranger das roldanas, rodas dentadas e o esticar das correntes, quando a manivela era torcida, anunciava o avanço lento e eficiente do estiramento da mesa. O homem, que amarrado estava na sua base, sentia suas juntas se estenderem a cada movimento do mecanismo. A dor era insuportável e o levou a dizer:
- Chega, eu confesso, confesso tudo: quem me entrega a mercadoria é o Odilo Juvêncio, o barbeiro, eu apenas preparo os papelotes e os repasso aos "soldados” ou “vapores” e aos “aviões”, que as distribuem.
A manivela retrocede ao comando do executor. Por hora tudo estava resolvido.
Eram vinte horas, quando um carro estaciona no outro lado da rua, defronte à barbearia. Naquele momento, o barbeiro Odilo, homem de estatura mediana, com seus quarenta e oito anos, cabelos cheios, mesclado com fios brancos e pretos, atendia ao último freguês, com a porta já fechada. Quinze minutos depois, o homem que cortara o cabelo deixa a barbearia, permanecendo o barbeiro em seu interior. Eram vinte e uma horas e quinze minutos, quando o barbeiro acabava de sair, e fechara o estabelecimento. Dirigiu-se ao estacionamento, que ficava na praça do outro lado da rua. Um homem se aproximou dele, encostou o cano do revólver debaixo do braço direito, que, nesse momento, estava seguro pela mão esquerda do interceptor, e disse:
- Fique calmo e me acompanhe como se nada estivesse havendo, vamos pegar o seu carro.
O barbeiro abriu a porta do carona e entrou empurrado pelo homem que o segurava, que também adentrou no carro, apontando a arma.
- Dê partida e vamos sair daqui.
- Se é um sequestro, diga logo quanto quer e eu pago, não precisa se incomodar em pedir resgate. Ou vamos ao banco que eu retiro todo o dinheiro que for possível.
- Não é tão fácil assim. Sigamos rumo à BR.
- Para onde me está levando?
- Não se preocupe que logo saberá. Pare o carro onde está aquele homem.
O carro para, e o homem, que estava parado, se aproxima do lado do motorista, abre a porta e diz:
- Vá para o banco de trás que eu conduzirei o carro.
O homem que o havia sequestrado desce e entra na parte traseira do carro. O sequestrado também adentra na parte posterior do carro. Seus olhos são vedados e o carro parte.
- Chegamos! Pode descer, mas cuidado para não tropeçar.
Portas são abertas e fechadas. Escadas são subidas e descidas, eles chegam:
- Aqui está o barbeiro!
- Podem deixá-lo comigo.
Os dois sequestradores se afastam deixando o sequestrado. O homem na sala lhe retira a venda dos olhos e ele nada vê por alguns momentos. Mas seus olhos vão se adaptando à claridade e ele começa e visualizar o ambiente: uma sala com apenas uma porta, nas dimensões aproximadas de vinte e quatro metros quadrados, seis cadeiras arranjadas na forma de ”U”, na parte aberta, uma única cadeira de frente para as demais.
O recepcionista lhe diz:
- Sente-se aqui, que a reunião logo começará.
Alguns minutos de espera e a porta é aberta. Em fila indiana, começam a entrar seis figuras encapuzadas e com uma espécie de indumento preto, que lhes cobria até os pés. Com as mãos escondidas nas mangas do roupão, os recém-chegados começam a tomar posição nas cadeiras. Quando todos estavam acomodados um deles se levantou e disse:
- Senhor Barbeiro! Temos alguns questionamentos a lhe fazer, nada temeis se fordes um homem honrado e nenhum crime pesar sobre a sua consciência. Respondeis as seguintes perguntas:
- O senhor possui uma barbearia?
- Sim! - respondeu o barbeiro.
- O prédio é alugado?
- Não, é de minha propriedade.
- Veja se essa é a sua declaração de renda de dez anos atrás?
- Sim, é minha.
- Na oportunidade, o senhor possuía apenas o local onde havia instalado a barbearia.
- Sim.
- O senhor cobra doze reais por corte de cabelos e seis por barba. Está certo?
- Sim, é verdade:
O senhor, em média, corta dez cabelos por dia e, no máximo, três barbas. Isso lhe dá um ganho de cento e trinta e oito reais por dia. O que perfaz R$ 2.760,00 por mês. As suas despesas com o salão são em torno de 30% do ganho. Isto está correto?
- Sim, perfeitamente correto. Mas o que os senhores tem a ver com isso?
- Calma! Chegaremos lá. Aqui está a cópia da sua última declaração de renda: o senhor possui dois carros, uma moto de passeio, casa na praia, uma chácara, dois apartamentos em cidades vizinhas, a sua conta bancária é por volta de um milhão de reais. Você tem três milhões aplicados em ações da Vale e Petrobrás.
- Sim, é verdade.
- E, agora, a pergunta final. Como conseguiu ganhar todo esse dinheiro como simples barbeiro? Você é traficante de drogas? Não, não precisa responder se tiver como explicar os ganhos.
Nesse momento, o barbeiro começou a suar frio, o rubor de sua face o denunciou, ele baixou a cabeça e começou a chorar. O relator continuou:
- Senhores! O réu é confesso, não há a mínima possibilidade de cometermos uma injustiça. Tudo está plenamente comprovado. Ele será submetido ao interrogatório. Está terminada a reunião.
Antes, porém, devemos solicitar as chaves da barbearia.
Um deles examina os pertences e descobre as chaves.
- Aqui estão, providenciarei as cópias.
Os encapuzados se levantam e um atrás do outro deixam o recinto.
O barbeiro foi vendado e levado. Portas foram abertas e fechadas, escadas e degraus foram subidos e descidos, foi introduzido em um carro, viajou por mais de vinte minutos, desceram-no do carro e após alguns instantes ele foi desvendado.
Encontrava-se em outra sala. Um homem alto, magro, de aparência taciturna, com um palito no canto da boca, com mais de sessenta anos, lhe disse:
- Sente-se, senhor barbeiro!
O homem sentou-se na única cadeira ali existente. O varão começou a caminhar ao seu redor, como quem está decidindo o que fazer. De repente parou e disse:
- Senhor barbeiro. Nós queremos saber quem lhe fornece as drogas? Isso deverá ser um trabalho simples e seguro. Você me dá os nomes e fica tudo bem. Mas se você se tornar difícil, eu fico com uma grande dificuldade. Você vai me fazer trabalhar, eu sou por natureza preguiçoso e não gosto de trabalhar, por isso, aconselho-o a me fornecer os nomes.
O barbeiro ficou sem saber o que dizer. Colocou as mãos sobre o rosto e começou a chorar. E entre soluços perguntou:
- O que acontecerá comigo se eu não falar?
- Está vendo aquela mesa, ali? Eu o deitarei nela, amarrarei sua cabeça, suas pernas, seus braços, seu tronco e acionarei aquela roda de timoneiro. A mesa irá esticar e com ela o seu corpo, até arrebentar seus tendões. Você agonizará por várias horas antes de morrer. Mas não se preocupe, você falará antes de morrer. - E começou a cantarolar - E na tortura toda carne se contrai, ie e ie.....
O barbeiro pergunta:
- Mas quem são vocês, por que estão fazendo isso?
- Eu sou profissional, sou pago para fazer o que faço. Os outros, não sei quem são e nem me interessa saber. Eles me pagam e pronto, estou satisfeito. Chega de bate-papo, a final, o que resolves?
- Eu nada tenho a dizer, sou apenas um barbeiro.
- OK, já entendi!
- OK,
O homem abre a porta e entram dois homenzarrões, que o pegam na força bruta e o levam até a mesa, esticam o seu corpo sobre a mesa e começam a afivelar as presilhas. Primeiro, os pés são introduzidos em uma espécie de argola de couro acolchoada, para não machuca-los, com as correntes presas às argolas, que são esticadas e passadas sobre um rolo que as puxará. Na parte superior da mesa uma argola igual à que fora colocada nos pés, porém de maior diâmetro, lhe é colocada no pescoço. Em suas laterais saem duas correntes, que foram esticadas sobre rolos de puxar. Sua mão e o resto do corpo foram cintados e afivelados à mesa.
O executor se pronunciou, após o seu laborioso e cuidadoso trabalho de fixação.
- Tudo está pronto, vou lhe dar a oportunidade de falar antes do primeiro avanço.
- Nada tenho a dizer, não sei de nada.
A roda do timão começou a ser movimentada com toda a lentidão. As correntes se esticaram, a catraca mantinha a tensão do mecanismo. O saltar do dente da catraca produzia um ruído que traduzia o estiramento dos membros do torturado que, a essa altura, começava a gritar.
- Pode gritar à vontade, não será ouvido por ninguém.
- Eu confesso! O meu fornecedor é o Moraes da farmácia. Não sei de mais nada.
A catraca é solta e o mecanismo retrocede, representando um grande alívio ao torturado.
O torturador deixa o local, ficando o barbeiro sozinho.
- O homem confessou, sem maiores problemas. Disse que o seu fornecedor é o Famacêutico Moraes. Todos ficam espantados com a revelação.
A porta da sala se abre e entram três homens, os mesmos que haviam raptado. Um deles o olha e diz:
- Prepare-se que vamos dar uma volta.
Ele é levado para dentro de um carro, que segue rumo à barbearia. Um daqueles homem não era de todo estranho ao barbeiro, mas não se lembrava de onde o conhecia. O carro estacionou na frente da barbearia, era em torno de duas horas da madrugada. A rua estava completamente vazia. Um dos raptores lhe diz:
- As chaves da barbearia, onde estão?
O homem, metendo a mão no bolso, diz:
- Aqui estão. É esta aqui.
Os quatro adentram na barbearia, sentam o barbeiro na cadeira e um deles diz:
- Onde guardas a cocaína?
O barbeiro abre um compartimento interno da cadeira de lavar cabelos, retira um pequeno pacote e diz:
- Aqui tem cinquenta gramas.
- Você vai experimentar a sua droga.
Rasga o pacote e despeja um pouco da droga na estante, à frente da cadeira onde estava o barbeiro.
- Cheira a tua droga.
O homem que estava atrás dele segurou-o pela nuca e empurrou sua cabeça rumo à porção de pó. Encostou o seu nariz, de forma que quando respirasse puxasse o pó junto com o ar.
Alguns minutos depois, a chave é colocada na fechadura pelo lado de dentro. Os três homens chaveiam a porta com a cópia que haviam feito e saem calmamente, abandonando o local.
Uma semana depois, um carro está estacionado do outro lado da rua, em frente à principal famácia da cidade. Três homens se encontram em seu interior, esperando algum acontecimento. Eram vinte e uma horas , quando um homem, que se encontrava dentro da farmácia, abre a porta e sai, fechando-a. Logo se dirige a um carro que está estacionado na frente. Um homem, que estava à espreita, sai do carro, se aproxima do homem, que saíra da farmácia, lhe encosta um revólver debaixo do braço direito e diz:
- Fique calmo que nada de mal lhe vai acontecer. Embarque no carro.
Outro que se aproximou logo a seguir, entra no lado do carona, e sacando a arma, diz:
- Não reaja, nós somos três.
Os outros dois entram atrás e o que estava na frente diz:
- Siga rumo à BR.
- O que é isso? Estão me sequestrando, para quê?
- Não faça perguntas, fique calmo, que nada lhe acontecerá. Se reajir será executado aqui mesmo.
Num lugar ermo, o homem disse:
- Pare o carro, eu assumo o volante, você entra no banco de trás.
Já no banco de trás ele foi encapuzado, nada mais podeia ver. Tentou argumentar:
- Quem são vocês? O que querem? Se for dinheiro podem dizer quanto querem eu lhes dou um cheque.
- Fique tranquilo, logo saberá o que queremos. O carro anda por alguns minutos mais e o homem é desembarcado, portas são abertas e fechadas, escadas são subidas e descidas. Até que o capuz é retirado de sua cabeça e ele vê seis cadeiras arranjadas na forma de ” U ”. Na parte aberta, uma única cadeira de frente para as demais. O seu condutor lhe diz:
- Sente nesta cadeira! - apontando a que estava na frente das demais.
O condutor assume o seu lugar no grupo. Nesse momento o incauto pensa: “Que é que será isso, uma seita, todos encapuzados, vestindo uma espécie de batina preta que vai até os pés. As mãos escondidas dentro das mangas.”
Um dos membros encapuzados se levanta e diz:
- Senhor Farmacêutico, pesa sobre a sua cabeça a acusação de que é um dos chefões do tráfico de drogas na nossa cidade. Tendes a palavra para fazer a sua defesa.
- Mas quem me acusa? Quem são vocês? O que querem de mim?
- O senhor está aqui para responder perguntas não para fazê-las.
- Eu sou farmacêutico, sou empresário sério, nada tenho a ver com drogas.
- Há menos de doze anos, o senhor era um rapazola, sem eira nem beira. Era um desocupado, que vivia nos bares e cafés da cidade, nunca teve um emprego decente. Diz-se farmacêutico, mas nunca se formou, por isso sua farmácia tem um profissional responsável contratado.
Hoje você é um dos homens mais ricos da cidade, possui diversos prédios, muitos dos quais está em nome de seus parentes mais próximos. Como vê, sabemos mais da sua vida do que você mesmo.
- Como descobriram isso? - perguntou o interrogado.
- É simples! Quem o denunciou foi o barbeiro que morreu na semana passada. Aliás, você era cliente dele, deve ter ido ao seu enterro.
- Mas o que querem de mim afinal? - perguntou desesperado.
- Sabemos que você não é o único que trafica em escala elevada. Queremos os nomes dos demais. Apenas isso.
- Não sei de nada! - respondeu, já chorando, em desespero.
- Bem, não insistiremos. Vamos enviá-lo a uma pessoa muito persuasiva, talvez você fale para ele.
Trinta minutos depois, em outro local, a venda lhe é tirada e ele vê um homem, alto, quase esquelético, com um palito no canto da boca, que lhe diz:
- Sabe! Amigo, este trabalho me cansa. Às vezes é tão chato! A Malvina nem chega a ser usada. E o pessoal já vomita tudo. Ah! Deixa eu lhe apresentar a Malvina.
O homem se aproxima de uma cama, que mais parecia uma esteira, coloca a mão sobre ela e diz:
- O meu trabalho seria muito difícil se não fosse a minha amiga aqui. Mas, me diga o que eu quero saber e não vai conhecer a minha amiga?
- Mas o que é que o senhor quer saber?
- Não lhe disseram? Mas que pessoal distraído, mandam alguém e não dizem o que é que eu quero saber. Vá lá posso lhe dizer, não custa nada. Apenas o nome e onde podem ser encontrados os seus colegas traficantes.
- Eu não sei de nada, já disse.
- Que coisa! Vou ter que trabalhar hoje. Acontece que eu estou com preguiça, acho que foi um vinho que tomei na janta. Isso sempre acontece, além do mais, o meu trabalho se desenvolve quase sempre à noite.
O homem abre a porta e entram dois “gorilas”, que pegam o farmacêutico e o levam para a mesa ou cama e o amarram. Depois saem. O torturador começa a cantar “é na tortura que toda a carne se contrai oh, ho”.
Ele cantarola enquanto movimenta lentamente o timão da mesa. A cada movimento a mesa vai se abrindo lentamente e o corpo do torturado começa a se estender. E ele diz:
- Para, para, eu não aguento mais!
- E daí! Quem são os outros?
- Não digo!
- É na tortura que toda a carne se contrai Ieieieie. Sem emoção, oh,oh.
O timão volta a se movimentar e a vítima grita desesperada.
- Chega!
- Só paro depois de ter o nome dos demais.
- Eu falo! O dono do posto de combustível na BR . Monsueter Rauper; O Cristiano Larsen; Artêmio Garcia; taxista alcunhado de corcunda, isso é tudo.
- Não, ainda falta! Quem faz a mistura, isto é, batiza a droga, e como é feita?
- O químico sou eu mesmo, sou o responsável por “batizar” a droga, ou seja, pelos ingredientes que vão ser misturados na droga. O corcunda chega com a cocaína “pura”, eu faço a mistura com bicarbonato, transformo. Um quilo da droga pura vira dois quilos depois da mistura, assim o lucro é maior para mim, os outros recebem a droga já batizada.
A manivela em forma de timão é recuada, a vítima sentiu um alívio inimaginável.
O torturador desligou o gravador onde ficou registrada a denúncia.
- Podem levar o homem, ele falou, está aqui à confissão, tudo gravado.
Era cerca de duas horas da madrugada quando os três homens entraram na farmácia acompanhados do seu proprietário. Um deles disse:
- Onde você guarda a cocaína?
- Aqui não tem cocaína alguma!
- Quer voltar para o torturador?
- Não, não, eu entrego.
Ele abre uma gaveta da escrivaninha e aciona uma alavanca em seu interior. Levanta o tampo, aparece um compartimento e dentro dele um pacote plástico bem enrolado. O farmacêutico diz: - Aqui está.
CAPÍTULO II
MARCONDE MARCELO MEDEIROS.
O Senhor Marconde se considerava um homem realizado, aos seus cinquenta e dois anos, conseguira tudo o que almejara na juventude, casara com a mulher pela qual se apaixonara. O casal teve um filho que, com vinte e dois anos, cursava engenharia civil, pois seguira a profissão do pai, que além de ser engenheiro também era um importante empresário da construção civil. Mas nem tudo foram flores em sua existência, houve épocas de muito trabalho e dedicação aos negócios.
Ele apareceu na casa do zelador de repente. Ninguém sabia quem ele era. Tinha lá seus dez anos, era um menino forte, ficou pela casa do zelador, que, por sua vez, não deu nenhuma explicação. Fazia as lidas de ajardinamento, como cortar grama, limpar o pátio. À tarde, frequentava uma das melhores escolas da localidade. Sua área de vivência foi delimitada, ele não poderia brincar nas imediações da casa grande, deveria permanecer nas cercanias das casas dos empregados.
Dias antes da sua chegada na morada dos Medeiros, o zelador foi chamado na casa grande, pois o Senhor Lazaro Medeiros tinha mandado lhe chamar.
- Entre Jair. - disse o senhor Medeiros.
O zelador entrou na grande sala, com o chapéu na mão, rodeando-o com as duas mãos abaixadas.
- Bom-dia, patrão! Mandou me chamar?
- Sim! Sente-se.
O homem se acomodou como pôde em um dos sofás.
- Jair! Você trabalha para mim há mais de dez anos. É merecedor de toda a minha confiança.
- Muito obrigado, seu Medeiros.
- Eu tenho algo que gostaria de contar com você para realizar.
- Pois diga patrão.
- Tenho um garoto que ficou órfão recentemente e eu gostaria de protegê-lo, custeando todas as despesas e dando-lhe todo o estudo que for necessário para a sua formação. Eu quero que ele fique contigo, na tua casa, e que tu e Maria o criem como se fosse filho de vocês. Ensina-o a trabalhar dentro das tuas atividades, não quero que se crie um malandro. Mas não deixa lhe faltar nada. Aqui tem uma quantia que servira para fazer frente às despesas que tiveres com ele. Daqui a um mês tu vens acertar as contas comigo e eu te dou dinheiro para as despesas do mês seguinte e assim por diante. Ok?
- Sim, senhor, mas onde eu pego o garoto?
- Não se preocupe alguém o irá entregar a você, amanhã.
No dia seguinte, antes das oito, uma mulher chega ao portão de entrada da mansão. O guarda a atende, ela pede para ser conduzida à casa do zelador, trazia pela mão um menino.
Assim, Marconde chegou à mansão dos Medeiros. Os anos se passaram, ele se tornou homem, aos dezoitos anos ingressara na universidade, destacou-se como um do melhores alunos da faculdade. O patrão nunca lhe dirigiu a palavra, sempre que o viu foi a distância. Ele era um homem muito reservado, somente falava com o zelador e o motorista. Por isso é que Marconde Marcelo nunca o tinha visto de perto. E, tampouco, adentrara na casa grande, que distava em mais de mil metros das casas dos empregados. Quando tinha seus vinte e cinco anos, o patrão sofreu um mal súbito, foi uma função. O médico foi chamado às pressas, mas quando chegou o industrial já estava morto. Pela primeira vez, o agregado Marconde Marcelo entrara na casa grande para ver o patrão de perto. Quando chegou junto da câmara mortuária, e olhou para o rosto do morto, teve um calafrio. O morto se parecia, e muito, com ele, tirando alguns traços que herdara de sua mãe, era a sua própria imagem, porém mais velho. No dia seguinte ao do enterro, todos os filhos do morto se reuniram para ouvir a leitura do testamento. O advogado da família, que anunciaria o legado, pede a presença de Marconde, antes da leitura. Ele chega com parcimônia, chapéu na mão, pedindo licença para entrar. O relator do testamento solicita que ele tome assento e inicia a leitura, que assim dizia:
- Este é o meu legado, o meu último desejo, o qual deve ser aceito por todos os meus descendentes. Sempre fui um homem honrado, porém após haver ficado viúvo, passei a procurar mulheres de vida fácil para aplacar as minhas necessidades fisiológicas de homem viril.
Foi numa dessas escapadas que conheci Margô, mulher esplêndida, passei a somente procurá-la, desprezando todas as demais. No tempo que durou a nossa relação, houve a concepção de uma criança. Nunca procurei saber se era meu filho ou não. Ela, por sua vez, nunca disse se o filho era meu, dado a sua profissão. Quando a criança tinha dez anos ela contraiu tifo e faleceu. Chamei o meu caseiro e lhe dei a ordem de trazer a criança para a sua casa. Ele nunca me perguntou por que, nem eu lhe disse. Eu tive a certeza de que o filho era meu quando, na morte de Margô, suas amigas me informaram que, após haver me conhecido, nunca mais recebeu outro homem. Marconde é meu filho e meu herdeiro. Por isso, deixo para ele que, brevemente, irá se formar em engenharia civil, a incorporadora com todos os bens que lá estão nesse momento. Os demais bens serão divididos entre meus outros filhos, Joaquim e Esmeralda.
Aproveito este derradeiro momento para pedir perdão a Marconde, meu filho. Perdão, por não o haver reconhecido como filho enquanto estive vivo. Confesso que tentei fazê-lo por diversas vezes, mas não tive coragem suficiente nem para me aproximar de ti. Tentei compensar minha covardia, dando-lhe instrução da melhor qualidade, a qual soube aproveitar. Agora que morto estou, trago a público o que deveria ter feito quando lhe trouxe para morar com o meu caseiro. E, mais uma vez, lhe peço perdão, pela minha covardia.
Marconde não sabia o que dizer, recebeu o abraço de seus meio-irmãos, que lhe prometeram honrar o testamento de seu pai.
Marconde Marcelo das Dores, que passou a ser chamado de Marconde Marcelo Medeiros, era um excelente aluno, certamente agora seria um magnífico empresário. Nos dias que se sucederam, mudou-se para a casa da incorporadora, organizou tudo do seu jeito. Arrumou as contas, os empregados, formou um conselho administrativo. Tudo estava ajeitado, agora tinha que concluir os seus estudos, pois iria cursar o último ano da graduação em Engenharia Civil. Um ano se passou e ele agora formado, pôs-se à frente dos negócios da incorporadora. Muito trabalho e dedicação vieram nos anos que seguiram a sua formatura como engenheiro. Por ser um empresário justo e correto, era respeitado e admirado por todos os seus colaboradores, que, quando tinham qualquer problema, o procuravam e ele tratava de solucionar o problema, fosse ele particular ou não.
Certo dia conheceu aquela que iria ser mais tarde a sua esposa, uma moça proveniente de uma família pobre, de sírios libaneses que trabalhavam na região como mascate.
Marconde, que na época tinha seus trinta anos, já era um homem rico. Sua incorporadora, nos últimos anos, havia feito excelentes negócios. O casamento foi simples, uma cerimônia religiosa e uma recepção para os parentes mais próximos. Passado o primeiro ano de casamento, nasceu o seu filho, que recebeu o nome de Milso Salum Medeiros.
Mas a morte, como diz o poema gaúcho: “china maleva sorrateira que até dá pena, vive a levar gente buena...”, levou sua esposa querida quando o rebento tinha apenas oito anos de idade. Fizera tudo o que era possível para salvar a esposa, mas ela morreu após a cirurgia de um aneurisma cerebral.
Marconde passou a ser mãe e pai do garoto. Sempre que podia estava com ele, levando-o para a escola, para passeios, indo com ele a festas de aniversario dos coleguinhas. Nos finais de semana, ele se dedicava exclusivamente ao filho. Se ele teve algum caso amoroso, ninguém ficou sabendo. Quando Milso completou dezoito anos, passou no vestibular, na Universidade Federal de Santa Maria. Mesma Universidade que frequentara o seu pai. Passou a morar na cidade de Santa Maria, mas sempre aos finais de semana retornava para casa, onde ficava com o pai.
Milso era um rapaz comportado e estudioso, nunca havia se envolvido com qualquer tipo de encrenca, por isso merecia a total confiança do pai.
Nos finais de semana, costumava a discutir com o pai o que estava aprendendo na faculdade.
- E dai, filhão, como foi a semana?
- Bem, pai, estudamos a parte fina de fundações, muito interessante. Pai vai haver uma festa Rave na Fazenda Sertanejos, vamos nessa?
- Não achas que o pai tá muito velho para ir a tais festas?
- Não acho não.
-Vai com os teus amigos, eles são jovens e apreciam tais frestas, eu já curto coisa mais moderada. Mas me diz, como são as tais festas “rave”?
- Não há uma forma exata, ela se diferencia uma das outras, cada umas tem suas particularidades, mas, generalizando um pouco, a “rave” é uma festa, normalmente (não sempre) feitas em áreas rurais (chácaras, sítios, fazendas), no caso desta, será realizada em uma fazenda, em contato com a natureza. Haverá lugares para se armar tendas e barracas, haverá vários tipos de música. Ela durará dois dias consecutivos.
- Não é muito tempo para alguém ficar dançando? - perguntou o pai.
- Acontece que o pessoal dança algumas horas, para, descansa e retornam para mais algumas horas. Assim, passam-se os dois dias de dança, pois sempre há um grande grupo de gente dançando.
- Por que esse nome, “rave”?
- Rave significa ar livre, é uma festa ao ar livre.
- Realmente, isso não é para mim, vai com os teus amigos, mas não esquecas de te cuidar, sem exageros, ok?
- Com toda a certeza.
A sexta-feira chegou e ao meio-dia começaria a festa, que deveria terminar no domingo.
Milso e seu colega chegaram pouco antes do início. As caixas de som estavam sendo testadas pela equipe técnica.
Escolheram um bom local e armaram a sua barraca. O local parecia ótimo, uma área de, mais ou menos, dois mil metros quadrados, toda cercada por barracas e tendas. No recuo, uma grande tenda cobria o tablado onde se apresentariam as bandas. No entorno da área, deixando as barracas dentro, uma cerca de madeira, numa altura de dois metros, isolava a área do acontecimento.
Como estava previsto, às doze horas, começaram os primeiros sons musicais, com música de Pink Floyd - Comfortably Numb. (Confortavelmente Entorpecido). Milso começou a assistir à exibição: na imensa tela via-se o clipe da música, nas primeiras cenas, o vulto de um rapaz na janela. Dentro da sala, o rapaz vê televisão, apático, sentado em sua cadeira de recosto. Abrem a porta do quarto e adentram oito pessoas, aparentemente são paramédicos, pois trazem consigo instrumentos médicos. Tentam despertar o rapaz que está desfalecido, movimentando-lhe a cabeça. Ele está inconsciente. Um deles, com uma pequena lanterna, examina os olhos do rapaz. A cena muda para o rapaz, que está na cadeira, em frente à televisão, se debatendo. Na sequência, o rapaz desaparece, ficando apenas a cadeira e o televisor. Logo aparece um menino na cadeira, se debatendo. De repente, ele fica quieto e descansa nas costas da cadeira, o corpo frágil. A cena muda e aparecem martelos num campo de batalha. O menino caminha entre obstáculos. A cena muda, o menino pega um rato, que está entre os capins, e o segura, com ambas as mãos. A cena seguinte, mostra o menino deitado em sua cama e está sendo examinado por um médico que ausculta o seu peito. Os 15.000 watts de som se materializam nas cenas exibidas no telão.
Muda a cena, aparece o rapaz sentado na cadeira, tendo, ao seu lado, uma moça que passa os dedos do rapaz em seus lábios. Uma pomba branca sai em voo, aparece a imagem da face do rapaz em segundo plano. A pomba voa, aparece o globo terrestre ao fundo, a imagem da pomba aumenta e ela explode em sangue e pedaços. Aviões sobrevoam o globo terrestre, enquanto holofotes clareiam com seus feixes de luz. Aos poucos, os aviões vão se tornando cruzes. Logo na sequência aparece um soldado caindo no combate. A cena é substituída pela bandeira da Inglaterra, que começa a perder suas faixas, que caem ao solo, restando uma cruz pela qual escorre sangue.
Na cena seguinte, aparece um paramédico, injetando uma injeção na veia do rapaz desacordado. Este dá um berro e logo aparece uma grande quantidade de vermes se movimentando. O paramédico retira a camisa do rapaz e o seca. Na cena seguinte, aparece um trem, com as mãos saindo pelas grades de dentro dos vagões e logo as cabeças de bonecos dentro dos transportes ferroviários.
O rapaz é transportado por corredores iluminados, em suas alucinações, aparecem vermes e mãos em estado de putrefação. O menino corre à beira de um rio, entra em uma casa velha e levanta um pano que cobre uma caixa, mexendo com uma haste alguma coisa dentro dela. Sai da casa com um rato seguro pelo rabo, o rato está morto. Ele se aproxima da margem do rio e larga o rato na água. Logo aparece um soldado com um pequeno animal suspenso pelo rabo. O menino está diante do rapaz que está sentado à frente do televisor. O menino sai pelos campos. O rapaz levanta da cadeira e começa a quebrar tudo. A moça corre e se agacha contra uma parede da sala, o rapaz a espanca, pega o televisor e o lança pala vidraça. Na sequência, o rapaz, totalmente disforme, arranca a sua própria carne apodrecida, enquanto a música sai das caixas de 15.000 W de potência.
A música estimulava o uso de drogas ilícitas e lícitas. Os participantes se aproximavam do núcleo formado por barracas e tendas. Ao fundo uma tenda abrigava o tablado, onde se apresentariam as bandas, nas laterais duas enormes telas reproduziam os vídeos e as imagens dos músicos. O primeiro conjunto a se apresentar foi “Doidos pra Valer”; seu som era apenas uma batucada estridente e compassada por um baixo, e um bumbo que dava percussão ao ritmo, que agitava a moçada, que se sacudia e rebolava para todos os lados, em um ritmo frenético. No palco e nas telas aparecia a figura de um gordo, que vocalizava a música com uma voz rouca, mas bem afinada. Milso e seu amigo se relacionam com outros dois amigos com barraca armada contígua a deles. Eles formaram um grupo de quatro jovens, já começavam a se sacudir, ao som da música de 15.000 watts que, de início feria-lhes os ouvidos, o que fez com que Milso e seu colega, passada apenas meia hora, já estivessem em sua barraca, descansando.
O mais arrojado de todos se chamava Vilson Prudêncio, era um ex-estudante de mecânica e dizia aos demais:
- O negócio é pegar as minas e trazer para a barraca. Só fica na barraca aquele que estiver furando uma mina. Mas tem que ser filé, senão, não vale.
Milso, que não estava acostumado com aquele tipo de festa, se pronunciou:
- Eu não garanto que vou arranjar filé, mas vou fazer força, não pode ser uma mocreia?
Todos riram. Passava das vinte horas de sábado, todos, exceto Milso, já tinham transado com meninas, sendo que Wilson, segundo garganteava, já tinha traçado duas. E ele dizia:
- Tô na boa, moçada, é só pegar e trazer pra barraca e finca. As minas tão todas aqui. E tu, Milso, não transou com ninguém?
- Até agora não, mais ainda é cedo.
- Esse cara é mó cabação! Deixa de ser mané, toma umas e fica na mão do palhaço.
Outro companheiro de Wilson diz a Milso:
- Tu é um pela-saco. (O que na gíria queria dizer chato piegas).
- Se não ataca não pega nada. Vai ficar matando cachorro a grito.
Wilson ajeita as calças e diz:
- Vô virá o mundo,vô por aí à procura de bomba.
Sai, retornando algum tempo depois, e diz:
- Aqui, manezada, tô recheado. “É só escama de peixe, não tem jiló" (O que na gíria quer dizer: “só cocaína da boa não tem mistura”.), papelote pra todo mundo.
Ele jogou um papelote para cada um. Milso pegou o seu e guardou. Os outros fizeram carreirinha e, com um pedaço de canudinho de tomar refrigerante, puxavam com o nariz a droga.
- E tu, pela-saco, não vais dar uma cheiradinha? - perguntou Wilson.
- Não, agora não estou disposto, mais tarde, quem sabe.
- Mais tarde é tarde demais, as gurias já foram todas fudidas e o mané não vai pegá mais nada.
- Tu é sangue bom, mané cheira um pouco e vai trazer a mina pra barraca. Tu tá é com vergonha das minas. Cheira pra criar coragem.
Todos começaram a gritar cheira, cheira. Milso cheirou. Uma carreirinha toda, pela primeira vez.
Os quatro chegaram ao centro do fervo. Milso se achava um pouco tonto, mas não disse nada aos outros, pois o chamariam de mané. No campo de dança, gente cambaleante, suadas, homens e mulheres se beijando, uns que outros copulando no meio da multidão, que abria espaço para apreciar a transa. Outros dançando freneticamente, com garrafas de bebidas na mão. De repente, Milso sentiu tudo rodando, começou a cambalear no meio dos agitados dançarinos, que o empurravam contra outros, que, por sua vez, o empurravam de volta. Caiu no solo arenoso, foi pisoteado e teve a primeira convulsão. Quando o pessoal organizador viu que Milso se debatia no solo estendido, as pernas tremulavam, a cabeça erguia e batia no chão, um deles chega para ver o que estava acontecendo e manda dois guardas levá-lo para fora da área, dizendo:
- Se quer morrer drogado que o faça noutro lugar. Assim, ele foi jogado do outro lado do cercado, que delimitava o espaço da festa. Na confusão, os seus amigos não viram nada, todos estavam preocupados com as minas que iriam levar para a barraca. Eram duas horas da madrugada de domingo quando Milso exalou o último suspiro. Segundo o legista, a morte ocorreu por uma overdose de cocaína, sem que tenha recebido tratamento adequado.
No IML, o corpo foi identificado pelo pai, que o levou para ser velado em sua residência. Marconde Marcelo Medeiros, com alguns amigos e parente, mais próximos, velaram o seu único filho. O pai, em todos os momentos do velório, permaneceu ao lado do corpo desfigurado, pois a cianose motivada pela parada respiratória o deixara roxo e azulado. Calado, absolutamente calado, parecia que não os ouvia, os pêsames que lhe eram dados, abraçava a as pessoas, sem nada dizer.
Na segunda, às dez horas, o corpo foi conduzido ao cemitério e enterrado. Marconde, após o enterro, chega a casa e desaba em choro profundo. Não sai de casa por uma semana, vários dias não se alimentou. Parecia um zumbi, perambulando pela grande casa. Mas, passada, uma semana após o enterro do filho, ele reagiu, levantou cedo e foi para o trabalho. Seus empregados o esperavam com profundo pesar, pois ele, como patrão, era benquisto pelos seus colaboradores. No mesmo dia, às quinze horas, ele foi à delegacia de policia.
- Senhor Inspetor, eu desejo falar com o delegado.
- Bom-dia, delegado!
- Seu Marconde, entre, por favor. Sente-se.
- Muito obrigado. Eu vim para me informar sobre o que a polícia fez ou irá fazer no caso da morte do meu filho?
- Veja bem, seu Marconde, o que a polícia poderia fazer já foi feito. O seu filho morreu, segundo o legista, de uma overdose de cocaína, durante uma festa rave. O senhor sabe que nestas festas é difícil controlar o uso de tóxicos. As pessoas interrogadas nada viram, ninguém viu nada. Os três rapazes, que estavam com ele, souberam do ocorrido após o corpo ter sido encontrado, estavam longe dele quando aconteceu, como o senhor sabe nestas festas é cada um por si.
- Bem, mas mesmo assim, eu desejo registrar a queixa de assassinato do meu filho, por alguém que lhe forneceu drogas, uma vez que ele não era viciado. Nunca antes experimentou droga alguma.
- Esteja à vontade.
Marconde registrou a queixa e deixou a delegacia. Como um zumbi, passava as noites em claro, movendo-se de um lado para o outro, no máximo, conseguia dormir uma hora por noite, movido pelo cansaço.
De dia, trabalhava sem parar para não pensar na morte de seu filho.
Alguns dias se passaram naquele estado de prostração, quando ele recebeu a visita de dois senhores que, ao se apresentarem, disseram serem membros de uma organização de auxílio mútuo, intitulada “Os Filhos Perdidos”.
CAPITULO III - MERCANTINÓPOLIS
Mercantinópolis é uma pequena cidade, onde o mercado de drogas aliciava os jovens de classe alta e média e utilizava os das camadas mais baixas como distribuidores aos consumidores.
Veladamente, sabia-se que pessoas de grande destaque na cidade estavam por trás do tráfico de drogas. Que funcionava com grande maestria
O grupo de traficantes se reunia às segundas-feiras à noite: ele era composto de cinco membros. O dono do posto de gasolina mais importante da cidade, onde as drogas eram distribuídas na loja de conveniência; o dono de uma loja de vestuário masculino; um distribuidor de brindes para empresas, como chaveirinhos e canetas, entre outras; o dono de uma vídeo-locadora e o dono de uma das principais farmácias.
Um motorista de táxi, alcunhado de Corcunda, uma vez por mês, viajava para Dourados, no Mato Grosso do Sul, onde apanhava a droga que vinha de Ponta Porã, no Paraguai.
Ao abrir a reunião, o motorista de táxi disse:
- Bem, pessoal, no próximo fim de semana é um feriadão, eu tenho uma carga especial que custará um milhão de reais, duzentos para cada um e mais os cinquenta mil, de cada um, para o reforço de garantia. Alguém está fora?
Todos concordaram.
- Muito bem, dinheiro vivo, amanhã, ao meio-dia.
O Corcunda saíra numa quarta-feira. Na sexta-feira, às treze horas, ele já se encontrava em Mercantinópolis.
Primeiro se reunia com o dono das farmácias, que era quem batizava a droga. Tinha um método de esconder até cinco quilos de droga na sua caminhoneta, de tal forma que policial algum a descobria.
No decorrer da tarde, os outros quatro parceiros, um de cada vez, chamava o táxi para levá-los a algum lugar e assim a droga era passada.
Estes, que eram considerados como empresários do tráfico recebiam a droga em quantias acondicionadas em sacos de duzentos e cinquenta gramas, as quais eram repassadas aos traficantes menores que, por sua vez, as fracionavam em pacotes de cinquenta gramas, que eram vendidos aos dosadores, que as fracionavam em papelotes de uma dose e os vendiam aos distribuidores de ruas, que as distribuíam através dos “*aviãozinho”.
Para dar cobertura à trama, um inspetor corrupto, chamado Ubirajara, o UB, como era chamado pelo pessoal da cúpula, que lhe pagava para facilitar as coisas e informar todas as ações policiais que seriam realizadas.
Ubirajara, o UB, além de inspetor, também era proprietário de uma lotérica, que servia para lavar o dinheiro que recebia do tráfico. O único traficante que fazia contato com UB era o Corcunda. Os demais membros não tinham conhecimento de quem era o policial que os protegia apenas fazia o pagamento em espécie ao Corcunda que o intitulava como reforço de garantia.
No circulo policial, o UB era um líder entre os demais, era ele quem distribuía as propinas a seus colaboradores. Frise-se por relevante que nem todos os policiais faziam parte do grupo de UB. Mas eles eram a maioria.
Aviãozinho: distribuidor de drogas aos consumidores, normalmente, menores.
CAPITULO IV
UM NOVO E AGUERRIDO MEMBRO:
Ele chegou à reunião dos Filhos Perdidos, seu semblante era taciturno, melancólico e desprovido de qualquer entusiasmo.
O mestre de cerimônias assim se expressou:
- Meus pares! Hoje tenho a subida honra de lhes apresentar o nosso mais novo membro. O Senhor Marconde Marcelo Medeiros, a quem passo a palavra, desejando-lhe boas-vindas ao nosso grêmio:
Ele se aproximou do centro do grupo, que estava reunido em forma de “U” . Seu cenho fechado, seus olhos inchados, talvez de tanto chorar. Ele fitou todos os membros, um a um, baixou a cabeça, como quem estivesse pensando no que iria dizer:
- Meu nome é Marconde Medeiros, sou empresário da construção civil e engenheiro civil. Por que aqui estou? Pelo mesmo motivo que todos vocês estão. Enterrei meu filho na semana passada, morreu de overdose de cocaína.
O homem começou a soluçar, todos permaneceram em silêncio, por alguns minutos, tempo em que levou para voltar ao normal.
- Nos primeiros dias, pensei em abandonar tudo, me aposentar e mudar para outra cidade, pois o meu único filho já não existia mais. Mas, tal atitude seria o mesmo que abandonar a luta. Por isso, resolvi aceitar o convite para participar deste grupo, de nos reunirmos para discutir o que podemos fazer para acabar com o tráfico de drogas em nossa cidade. Confesso que tenho algumas idéias a propor, mas eu as quero lapidar antes da proposição. Não quero ser movido pelo estado em que me encontro no momento, para não me arrepender no futuro. Somente farei a proposição após ter certeza de que é isso mesmo que eu quero, para depois não mais recuar.
O novo membro se mostrou assíduo, nos primeiros meses não faltou a nenhuma reunião do grupo. Ele se comunicava com cada membro em particular, como quem está estudando cada um deles, o que os motivara, princípios e sua ira.
O grupo, a cada dia que passava, ganhava mais adeptos e simpatizantes. Já havia mais de setenta membros efetivos às sessões, que sempre compareciam de vinte a trinta partícipes.
Chamou-lhe a atenção as histórias de alguns dos membros, que tinham casos semelhantes aos seus, e cuja indignação era de igual intensidade que a sua.
O primeiro a chamar-lhe a atenção foi o Senhor Arcelito Mário de Moura, um homem com descendência alemã, aparência plexo forte, cabeça redonda, moderadamente obeso, aparentando ter menos de cinquenta anos, que, ao narrar a sua história, assim se pronunciou:
- Me chamo Arcelito Mário de Moura, sou contabilista, com escritório à Rua Frederico Mentz, 545. Tenho quarenta e oito anos, sou casado e tenho uma filha. Sou bem resolvido no casamento e financeiramente. Mas vocês podem estar pensando, por que é que ele está aqui? Perdi minha filha. Não, não está morta, mas seria o mesmo que estivesse. Não consegue viver sem as drogas. Sua dependência é tal que não pode passar um único dia sem ter contato com a cocaína.
Em primeiro lugar, é preciso admitir que minha filha, como qualquer outro adolescente, estava vulnerável e corria o risco de se envolver com as drogas. E eu não percebi isso, por estar sempre muito ocupado, trabalhando todo o dia e entrando noite a dentro. Confesso que negligenciei na vigilância do comportamento de minha filha. Minha relação com ela era muito importante, pois através dela seria possível conversar, alertar sobre os perigos das drogas. Mas eu sempre muito ocupado. Comecei a notar que ela cada vez mais dinheiro me solicitava e justamente quando eu estava extremamente ocupado é que ela o solicitava, para que eu desse sem pedir explicações. Eu confesso que devia ter me interessado em conhecer os seus amigos, promovendo alguma festa em nossa casa, mas não, eu sempre estava muito ocupado, não tinha tempo para fazer isso. Quando eu e minha esposa percebemos, ela já estava na fase de roubar objetos de dentro de casa para vendê-los ou trocá-los por drogas.
Ele parou, tirou os óculos, limpou os olhos, ficou mudo por alguns instantes, colocou os óculos e continuou:
- Minha filha é uma melancólica, está sempre numa alternância entre a euforia e a depressão, segundo ela própria me falou. No início, o seu relacionamento com a droga era perfeito. Porém, as sensações agradáveis artificialmente criadas pela droga, em determinado momento, começaram a ter contrapartida com as desagradáveis, sobretudo, na síndrome de privação. Chegou um tempo em que a droga não correspondia mais da maneira esperada como no começo. Aí se iniciou um desencanto de onde sobreveio a depressão e o desespero pela sua ausência. Nesse momento, iniciou-se a mudança de comportamento e da conduta. E foi exatamente esta mudança de comportamento, expressão da própria personalidade, que nos ofereceu sinais muito claros para sabermos que ela era uma dependente química. Em aula, deixara de ser atenta, mostrava-se sonolenta, ou, o contrário, ficava hiperativa, criava problemas com colegas, relaxou na sua apresentação, no seu visual: cabelos despenteados, vestuário pouco adequado e queda do aproveitamento escolar. Em casa, ela aumentou o seu poder de contestação. Reduziu a comunicação com a família, modificou o seu horário de dormir, às vezes, trocando o dia pela noite e abandonou antigas amizades por novas que apresentavam o mesmo comportamento. Passou a exigir aumento da mesada e a furtar objetos de dentro de casa para vender e conseguir dinheiro para a compra de drogas.
Meus companheiros de infortúnio! E saber que minha filha se encontra nesse estado de dependência por ganância de alguns traficantes que, para enriquecerem ilicitamente, condenam pessoas a uma vida degradante. Para finalizar, quero deixar aqui a minha indignação contra o tráfico de drogas.
O segundo a chamar-lhe a atenção foi um homem com descendência italiana, chamado de Firmino Luquino, que se aproximou da tribuna, colocou ambas as mãos sobre a mesa, apoiando-as apenas pela ponta dos dedos, olhou a todos e disse:
- Um jovem, ansioso, querendo viver intensamente, o que é próprio da idade. Recebe o convite de um “amigo”, para fazer uma viagem, lhe diz que sob a influência da droga, ele fará uma viagem inacreditável, que não se compara a nada que seja tão estimulante e que ele será levado a visitar mundos inacreditáveis. De início, a droga lhe é dada sem custo algum, seus efeitos são estarrecedores, a sensação de liberdade, de leveza, chegam a ter sensação de prazer, de euforia, ou seja, de recompensa, alívio de tensões, que veicule sensações de poder, de autotranscendência, ou ainda, a alterações do humor e da percepção. O incauto, mais pela curiosidade, a atração do novo, a imitação, o desejo de participação, deixa-se levar e experimenta a droga. Ela, a droga, continua a ser oferecida graciosamente pelo aliciador ‘mui amigo”, até o momento em que é procurado pelo aliciado que, a esta altura dos acontecimentos, já está dependente. Nesse momento, o aliciador lhe diz que o amigo rico, que lhe fornecia a droga, está viajando ou coisa parecida e que ele não a consegue mais. Mas que tem algumas alternativas que é a de recorrer a uma boca, mas que tem que haver dinheiro. Aí, o infeliz começa a comprar a droga, que lhe exige cada vez mais quantias para a obtenção dos mesmos resultados, até o dia em que ela não mais faz efeito. A droga já não é mais usada tanto para repetição dos efeitos agradáveis, recreacionais, e sim, para evitar o sofrimento decorrente da falta da droga. Mas talvez, alguns dos senhores e senhoras que me ouvem, estejam se perguntando: - por que é que ele está aqui? Eu respondo. Estou aqui como a maioria dos presentes, eu sofri uma grande perda pelas drogas. Certo dia cheguei em casa, devia ser cerca de dezoito horas, minha esposa se encontrava no cabeleireiro. Entrei em casa, estava tudo quieto. Tomei banho, vesti um chambre e comecei a ler uma revista.
Devia ser perto das dezenove horas, chega a minha esposa. E eu perguntei:
- Onde está nossa filha?
Ela respondeu:
- Deixei-a em casa ao sair, me disse que iria tomar banho na piscina.
Fomos até a piscina, não havia ninguém. Olhamos mais detidamente e vimos seu corpo, que descansava no fundo da piscina. Joguei-me com chambre e tudo, retirei o corpo inerte. A morte era evidente. No desespero, minha mulher chamou uma ambulância, que não serviu para nada, pois nossa filha já estava morta. O corpo foi enviado ao legista, que constatou a morte por afogamento, após uma dose de cocaína. Essa era a nossa única filha.
Assim, ouvindo e conversando com os membros da associação “Os Filhos Perdidos”, ele finalmente encontrou cinco membros que pensavam como ele e tinham as mesmas vontades que ele tinha. A de efetivamente acabar com o tráfico de drogas na cidade. Este grupo criou uma sociedade dentro da sociedade, que agiria de forma autônoma e voluntária, sem os demais membros, que apenas serviriam como pano de fundo. O mentor reuniu esses membros e a eles falou:
- Após mais de seis meses de minha iniciação, encontrei, entre os muitos participantes do grêmio “Os Filhos Perdidos”, apenas cinco outros, que pensam e querem o mesmo que eu penso e quero. A vocês, vou revelar os meus objetivos e planos.
Meus amigos de infortúnio! Neste momento, me acho em condições de fazer uma proposição, para apreciação deste pequeno grupo de amigos, que comungam com meus princípios e ideais. E que estão como eu, dispostos a tomar efetivas providências sobre o crescente tráfico de drogas ilícitas, como a cocaína.
Todos nós sabemos que existe em nossa cidade uma rede de tráfico, que tem o envolvimento de membros da alta sociedade, na execução da macroatividade, ou seja, na aquisição de grandes volumes de drogas. Nas camadas médias da sociedade estão os membros da distribuição em pequena escala. Nas classes menos afortunadas, a distribuição aos consumidores.
Sabemos que não podemos contar com a polícia, talvez, até por haver alguns policiais envolvidos com os traficantes, ou por não serem efetivas as ações policiais. Quando prendem alguém é um pequeno distribuidor, que não pagou a mercadoria aos maiores, ou algo parecido. Por isso, entendo que nós mesmos temos que desenrolar o novelo, pegando uma das pontas visíveis e puxando-a até que atinjamos o núcleo, onde se encontram os articuladores principais, que financiam o tráfico e com ele enriquecem.
A primeira proposição é a seguinte:
- Estão todos de acordo que nós devemos fazer ações efetivas nesse sentido? Pronunciem-se. Aquele que estiver de acordo levante-se. Os que não concordarem permaneçam sentados.
Todos os cinco partícipes se levantaram em sinal de aprovação.
- Todos nós estamos dispostos a fazer o que necessário for para alcançarmos o nosso objetivo final?
Todos se levantaram.
- Todos estão dispostos a prestarem juramento de fidelidade à causa?
Todos se levantaram:
O nosso juramento será o seguinte e eu, como mentor do grupo, serei o primeiro a jurar perante todos os membros aqui presentes:
- Eu, Marconde Marcelo Medeiros, de livre vontade, sem qualquer coação, ou alienação mental, juro e prometo que serei fiel à causa antidrogas. Prometo não revelar nossas ações a não ser a um fiel membro do grupo, prometo não escrever nada que possa comprometer o grupo, não recuar diante de qualquer dificuldade que venha a se apresentar, nunca denunciar qualquer membro do grupo a que pertenço. Se apanhado em delito, prometo não revelar meus cúmplices, nem que isso me custe a própria vida. Que assim Deus me ajude! Convido aos demais membros para que, um após outro, façam igual juramento.
Após todos haverem feito o juramento, o líder assim se pronunciou:
- Meus caros amigos de infortúnio! Os métodos que pretendo utilizar, para chegar ao núcleo do tráfico em nossa cidade, não será nada ortodoxo. Devemos agir como uma equipe, cada um dentro da sua especialidade. O Mário, que é experto em informática, ficará encarregado de fazer o levantamento das informações que forem necessárias para comprovar a culpabilidade do acusado. O Marquito se encarregará de informações bancárias dos acusados. O Luquino, que tem uma indústria mecânica, ficará encarregado de providenciar o projeto da mesa ou esteira de persuasão. A captura e o que mais necessário for ficará ao meu encargo, juntamente com o Arcelito e o Simpliciano. Eu estive falando com alguns amigos que conheci no tempo da ditadura e fui informado de um homem que possui grande habilidade de convencimento. Ele hoje está velho, mas no tempo da repressão, era ele quem induzia os chamados subversivos a confessarem tudo o que quisessem saber. Já entrei em contato com ele que estará à nossa disposição. Apenas temos que providenciar a feitura da mesa conforme desenho por ele enviado. Ele também quer um sítio distante para instalar a sua sede. O resto que deixasse com ele. Posso lhes dizer que tudo já está arranjado e providenciado. Também já está providenciado o nosso primeiro alvo. É um homem que é conhecido como aviãozinho. Aquele que distribui os papelotes diretamente aos usuários. Estes são fáceis de serem pegos. Quando a polícia chega, jogam os poucos papelotes que estão com eles e nada pode ser provado. Por isso é que vamos puxar o fio do novelo até o núcleo.
CAPITULO V
A INVESTIGAÇÃO
- Pois é Senhor Delegado! O barbeiro tomou uma dose excessiva de cocaína e teve uma parada respiratória, ou o coração parou. O médico legista dirá com exatidão o que aconteceu. Quando nós chegamos, tivemos que arrombar a porta da barbearia para entrar. Não há dúvidas de que ele morreu sozinho. Disse o inspetor Bertoldi ao delegado Rodrigues.
- Mas a família não percebeu que ele era drogado? - perguntou o delegado.
- Não, a família disse que não sabia que ele usava drogas.
- Mas quando foi que eles deram pela falta dele?
- Somente no dia seguinte. Ele costumava sair da barbearia, ir jogar canastra com alguns amigos e virava a noite. Mas isso acontecia mais nos finais de semana. Mesmo assim, eles pensaram que ele teria ido jogar cartas.
Mas no dia seguinte, como ele não apareceu, eles foram à barbearia e a encontraram fechada. Resolveram registrar desaparecimento, depois de procurá-lo por todos os lugares possíveis de se encontrar.
- Muito bem, faça um relatório para o promotor de justiça. Acho que não temos nada a investigar a respeito. Mas registre tudo o que for necessário, não negligencie nada. Você sabe que o promotor quer as coisas direitinhas.
Um mês depois:
- O farmacêutico Gilberto Batimansa de Moraes! Mas como foi que isso aconteceu?
- Senhor delegado! O homem foi encontrado morto dentro da farmácia. O faxineiro o localizou no dia seguinte. Dois papelotes vazios estavam por perto do corpo, sem dúvida, o farmacêutico morreu de overdose de cocaína.
- Mas ninguém viu nada?
- O ecônomo do Clube do Comércio o viu pela última vez. Devia ser em torno das dez horas da noite, ele havia tomados duas doses de Martini e deixou o clube.
- E a família, o que disse?
- Que não perceberam que ele era drogado, nunca desconfiaram.
- Primeiro o barbeiro, agora o farmacêutico. Isso está me cheirando mal. Aos costumes, registre tudo o que for possível, fotos, interrogue pessoas que tenha estado com ele nas últimas vinte e quatro horas.
Três meses depois na delegacia de Mercantinópolis:
- Bom-dia, senhor delegado! Permita que me apresente. Sou o Inspetor Rodrigues da polícia judiciária. Estou aqui para investigar as mortes por overdose de cocaína.
- Bom-dia senhor inspetor! Esteja à vontade para investigar as mortes. Nós temos convicção de que todas foram por overdose de cocaína. Mas, se a promotoria quer investigar mais, só nos resta auxiliar no que for possível.
- O que é que o senhor nos pode adiantar sobre as mortes? - perguntou o recém-chegado.
- Bem, primeiro foi o barbeiro Odilo, apareceu morto na barbearia, motivo da morte, uma super dose de cocaína. Depois, o farmacêutico Gilberto apareceu morto no interior de sua farmácia, causa morte, overdose de cocaína. Alguns dias passados e aparece morto o dono do posto de combustível, Monsueter Rauper. O corpo foi encontrado dentro do depósito de peças, a causa morte também foi uma super dose de cocaína. Mais alguns dias e aparece morto, em sua loja, o Cristiano Larsen, também uma over de cocaína. E, assim por diante, foi o lojista, Artêmio Garcia, o vendedor de brindes, Edu Caminha, e o último, o motorista de táxi, alcunhado de Corcunda. Todos por overdose de cocaína.
Aqui estão os relatórios e laudos do legista, tudo a sua disposição.
- Senhor delegado! Tem um escritório que eu possa ocupar?
- Sim, senhor inspetor, este, contíguo ao meu, pode ocupá-lo à vontade, peça tudo o que necessitar que eu mando providenciar.
O inspetor Rodrigues acomodou-se no escritório e começou a trabalhar. Primeiro examinou minuciosamente o relatório da morte do taxista. As fotos evidenciavam a morte por overdose, cianose nos braços, mão e rosto. Secreções correndo pela boca. Ele pegou as fotos e jogou-as sobre a mesa, recostou o corpo na guarda da cadeira e se pôs a pensar:
“O homem era corcunda, solteirão, vivia sozinho, quarenta e cinco anos”. Foi encontrado morto às oito horas da manhã, hora da morte entre vinte e duas e vinte e três horas. Foi encontrado pelo parceiro que deveria pegar o carro às oito horas da manhã.
Volta a se ajeitar na cadeira, pega a pasta com documentos da morte de Artêmio Garcia. Examina o relatório da morte, o laudo do legista, que conclui pela morte por overdose de cocaína. O corpo fora encontrado no sítio de propriedade do morto. A morte ocorrera entre quatorze e quinze horas. Ele pega o calendário e confirma o dia da semana, fora em um domingo. Foi encontrado na segunda, logo após o meio-dia, quando um cliente o procurou, em sua residência na cidade. A família informou que ele estaria no sítio, telefonaram para ele, como não atendeu ao telefone, que chamou até desligar, por diversas vezes, a família o procurou e o encontrou morto. Ele pensou: “O que é que o promotor quer, todos morrem de overdose”.
Ele pega todas as pastas, as empilha sobre a mesa e sai, logo bate à porta do gabinete do delegado e adentra dizendo:
- Posso entrar delegado ?
- Por favor, entre. Em que lhe posso ser útil?
- Delegado, eu quero saber se o senhor tem alguma estatística de mortes por overdose, nos último doze meses.
- Sabe que não temos, nunca pensamos nisso, mas podemos levantar os dados.
O delegado pega o telefone e liga, dizendo:
- Inspetor! Eu quero uma estatística de todos os casos de morte e demais casos de overdose ocorridos nos últimos doze meses. Recorra ao hospital e ao registro de óbitos, se for necessário. É isso, inspetor, agora basta esperar que a estatística fique pronta. Mas a propósito, o que o senhor quer provar com isso?
- Que não há nada demais nas mortes por overdoses, ou provar que os casos são excepcionais e merecem ser investigados, dependendo do resultado da estatística.
Nos dias que antecederam à conclusão da estatística requerida, o inspetor Rodrigues efetuou várias investigações, nos diversos casos. Tentou ligar um fato com outro e obteve apenas o seguinte: que o barbeiro apenas cortava o cabelo do farmacêutico, os demais não eram seus clientes.
Nenhum deles poderia ser considerado amigos dos outros, apenas eram conhecidos, como eram todos os de seus níveis, as famílias não se visitavam, apenas participavam ocasionalmente em festas dos clubes a que pertenciam.
O motorista de táxi, ocasionalmente, os transportava-os para festas ou curtas viagens, ou havia lhes levado ao aeroporto da capital, pois todos possuíam carros.
Suas investigações o levaram a concluir que o uso de drogas estava bem disseminado em todas as classes sociais da cidade. E distribuição era feita pelos chamados “aviãozinho”, que levavam os papelotes para distribuir aos consumidores. Eles poderiam ser encontrados em bailes e festas de finais de semana e também nas baladas e danceterias.
Quando Rodrigues recebeu a estatística, que lhe foi entregue pelo delegado, ele a examinou. Jogou-se para trás na cadeira, colocou a mão na barba, gesto que fazia sempre que estava preocupado e disse:
- É um número muito alto, veja. Doze mortes de jovens entre dezessete e vinte e cinco anos. Sete foram atendidos na emergência do hospital e se salvaram. Seis adultos maiores de trinta anos, que são os investigados. O impressionante é que não houve alarde quando as vítimas foram os jovens. Tudo pareceu natural, mas agora que as vítimas foram cidadãos de destaques na sociedade, tudo está sendo diferente.
Após o desabafo, o delegado se expressou:
- Nós tratamos todos os casos do mesmo modo, efetuamos as investigações, fizemos o relatório final de cada caso e o enviamos ao promotor, para que ele resolvesse o que fazer.
- Não estou lhe censurando, apenas fiz um comentário. Eu, particularmente, acho que a estatística é muito alta, levando em conta que se trata de uma pequena cidade com menos de cem mil habitantes.
- Precisamente oitenta e seis mil habitantes, segundo o último censo. - disse o delegado.
- Bem! Agora temos outra linha de investigação, vou investigar os jovens que morreram de overdose.
- A propósito, existe na cidade uma associação, que é igual aos AAs, que congrega os pais dos jovens que morreram de overdose, e simpatizantes da causa, que se intitula “Os Filhos Perdidos”. Eles se reúnem às quartas-feiras, numa casa que fica a três quadras daqui.
- Sabe o horário da reunião?
- Sim, às vinte horas.
- Amanhã irei participar da reunião dos Filhos Perdidos.
Passava dez minutos das vinte horas, quando o inspetor Rodrigues chegou a casa onde se reuniam os membros da sociedade “Os Filhos Perdidos”.
Bateu à porta e um homem de mais de cinquenta anos atendeu.
- Pois não, o que deseja?
- Eu sou o inspetor Rodrigues, da Polícia Judiciária, e vim participar da reunião, evidentemente se for possível.
- Oh, inspetor! Que bom que tenha vindo. Nós estamos atrasados para o início. Entre, por favor. Queira me acompanhar.
Ele foi conduzido até uma sala ampla, onde havia vinte cadeiras arranjadas na forma de “U”, dezessete já estavam ocupadas. O homem que o conduzia, ao chegar à cabeceira do grupo, disse:
- Meus companheiros de infortúnio! Aqui está o inspetor Rodrigues, da Polícia Judiciária, que veio nos dar a honra de participar da nossa reunião.
O inspetor sentou e ficou atendo aos acontecimentos.
O mestre de cerimônias levantou e tomando a palavra disse:
- Hoje nos dará a subida honra da sua palavra o nosso último associado, o empresário Senhor Marconde Marcelo Medeiros.
O homem se levantou e ocupou a cadeira à frente das demais.
- Meus camaradas de infortúnio! Há mais de um ano atrás, quando aqui estive pela primeira vez, me lembro como se hoje fosse, éramos apenas doze membros, que lamentavam a perda de seus filhos por overdose. Hoje somos dezoito membros efetivos, e muitos simpatizantes, a nos consolarmos mutuamente.
Minha história não é diferente das histórias de vocês. Sempre fui um homem denodado. Dediquei-me inteiramente a minha incorporadora, trabalhando, desde cedo da manhã, até a noite, e em muitos dias, até altas horas da madrugada, o que me fez com que negligenciasse os cuidados com o meu único filho.
O homem fez uma pausa, pois não conseguiu conter o choro. Tirou um lenço do bolso, enxugou as lágrimas e continuou:
- De repente, não mais que de repente, tudo o que eu tinha construído havia desabado, nada mais fazia sentido, havia perdido o meu único filho. Um rapaz de vinte e dois anos, estudante dedicado, filho amoroso e obediente, morre sorrateiramente, vítima de uma overdose de cocaína.
O falante dá uma demorada pausa, as lágrimas corriam-lhe pela face, mais uma vez retira o lenço do bolso e as enxuga, para logo após continuar:
- Um jovem que sai para uma festa, uma noitada de alegria e retorna a sua casa dentro de um saco plástico, para ser velado pelo seu pai. Mas podemos fazer a seguinte interrogação: quais os motivos que levam alguém ao uso de drogas? Pesquisas recentes apontam que os principais motivos que levam um indivíduo a utilizar drogas são curiosidade, influência de amigos (que é o mais comum), vontade, desejo de fuga (principalmente de problemas familiares), coragem (para tomar uma atitude que sem o uso de tais substâncias não tomaria), dificuldade em enfrentar e/ou aguentar situações difíceis, hábito, dependência (comum), rituais, busca por sensações de prazer, tornar-se calmo, servir de estimulantes, facilidades de acesso e obtenção e etc. As drogas podem ser classificadas em três tipos: depressoras, alucinógenas e estimulantes. As depressoras alteram o processamento de captação das informações pelo cérebro, dificultando e atrasando esse mecanismo. Temos como exemplo o álcool, ópio, morfina. As alucinógenas tendem a despersonalizar os usuários, como a maconha, LSD, heroína, etc. As estimulantes provocam o aumento do processamento cerebral, resultando em situações de êxtase e grande agitação, como a cocaína, crack, ecstasy, anfetaminas, cafeína, etc. Embora algumas drogas sejam lícitas, tais como as bebidas alcoólicas e o cigarro, sendo aceitas no âmbito da lei, provocam os mesmos danos na saúde das pessoas, além de gerarem o vício de seus usuários, agindo da mesma forma que as drogas ilícitas. Mas falemos sobre a droga mais distribuída na nossa cidade, a cocaína: A cocaína é uma das drogas ilegais mais consumidas, fortes e perigosas do mundo. Essa droga é produzida em laboratório, a partir da folha de coca, e também é considerada psicotrópica, já que atua no sistema nervoso central do indivíduo, que é responsável pelo comando dos pensamentos e ações das pessoas.
O palestrante fez uma pequena pausa, retirou o lenço do bolso, e desta feita, apenas passou-o sobre a testa, olhou para todos, mais demoradamente para o visitante, e disse:
- Hoje temos a subida honra de ter entre nós um representante da Polícia Judiciária e eu pergunto com o mais profundo respeito: o que a polícia fez para achar os responsáveis pela morte de meu filho?
Eu mesmo respondo. As investigações apenas concluíram que a morte ocorreu devido a uma overdose de cocaína. Nada mais. E o caso foi encerrado, como também todos os demais, que aqui estão e perderam um ente querido. Muito obrigado.
Outras intervenções da mesma ordem foram feitas. O mestre de cerimônias lembrou a todos que, na próxima semana, estarão realizando uma panfletagem sobre os malefícios das drogas e, na seguinte, será levada a efeito uma passeata contra o tráfico de drogas. Lembrou ainda que os membros encarregados de palestras sobre drogas nas escolas estarão, na semana seguinte, palestrando nas escolas municipais e nas estaduais.
Às vinte e uma horas foi concluída, a sessão. O investigador se despediu dos partícipes e se recolheu ao hotel onde estava hospedado.
No dia seguinte, na delegacia, comentou com o delegado:
- A reunião é no estilo dos Alcoólicos Anônimos. Eles se consolam mutuamente, contando as suas histórias.
- Eu também já me fiz presente há mais de uma reunião, choros e lágrimas. Parece-me que eles se acostumaram a chorar ao contarem as suas histórias. Mas tem muitas ações positivas, nas escolas e na comunidade, com o fim de combater as drogas. Pareceu-me que eles são bem ativos e buscam seus objetivos com garra.
- Para mim, delegado, eles são um grupo de ajuda mútua, uns consolando os outros, mas no fundo não passam de uma patacoada.
A propósito, estou concluindo o meu relatório para a promotoria pública. Vou confirmar o que o senhor concluiu que não há evidências de crime premeditado e sim, de abuso de drogas por usuários contumazes. Mas uma última coisa eu devo fazer antes de encerrar o meu relatório. É falar com todos os policiais envolvidos com os casos, ou seja, os que investigaram os casos de overdose.
- Como queira inspetor, eu os reunirei hoje mesmo, pode ser na primeira hora da tarde?
- Sim, para mim está bom.
Na reunião:
- Senhores inspetores, meus colegas, permitam que me apresente. Sou o inspetor Rodrigues, da Polícia Judiciária, fui enviado pela promotoria para investigar os casos de overdose. E solicitei uma reunião com os senhores, antes de finalizar o meu relatório, simplesmente para perguntar aos senhores se, durante as investigações, tiveram conhecimento de algum fato que lhes tivesse chamado a atenção, mas que por falta de evidência não tenha sido mencionado em seus relatórios.
Todos os presentes se olharam uns para os outros.
- Eu me explico melhor. Algum indício de queima de arquivo, ou disputa de território de distribuição de drogas. Senhores, isso é muito comum acontecer. Uma facção tenta assumir o controle do tráfico e terminam se matando.
UB tomando a palavra, pergunta:
- Por acaso, o senhor acha que os que morreram de overdose eram traficantes?
- É uma possibilidade. - respondeu o inspetor Rodrigues.
UB responde:
- Os últimos a morrerem por overdose eram pessoas respeitadas na sociedade. Gente de negócio, apenas o motorista de táxi e o barbeiro poderiam ser considerados de menor destaque social. Jamais poderiam ser traficantes de drogas.
- Não foi minha intenção ofender os mortos, apenas fiz uma conjectura.
Fora UB, ninguém mais se pronunciou e a reunião foi encerrada.
No relatório do inspetor Rodrigues, constou uma observação, que achava interessante que a promotoria enviasse um corregedor para investigar o Inspetor Ubirajara. O UB.
CAPITULO IV - A REUNIÃO
Os seis membros operantes no extermínio de traficantes se encontram reunidos e com a palavra o Senhor Marconde:
- Meus caros! Finda está a missão a qual nos propusemos levar a cabo. A rede de tráfico da nossa cidade está extinta. Todos os seus membros pereceram pelo seu próprio instrumento.
Mas o mal continuará a germinar, a ganância de alguns homens é imensurável. Nós, os humanos, somos o predador de nós mesmos. Existe em nossa espécie a presa e o predador no mesmo ser. No reino animal, presa e predador estão bem definidos pelas espécies. A presa, em momento algum de sua existência, espera encontrar com o predador. E, em muitos casos, nem sabe quem é predador. Somente percebe sua existência e suas intenções, muitas vezes, quando já é tarde e não tem mais como escapar.
O predador, pelo contrário, já nasce com o extinto de predador, necessita da presa para a sua alimentação. Em toda a sua vida ele passará, procurando a presa para abatê-la e assim se alimentar.
Nós humanos somos a espécie mais heterogênea do reino animal. Procuramos o nosso bem-estar, de qualquer forma, quer ele, ou não, venha a prejudicar o nosso semelhante. Os ricos explorando os pobres ficam mais ricos. Assim como os traficantes de drogas, nossos desafetos, se tornam ricos, às custas da desgraça de seus semelhantes, sem que isso lhes afete a consciência. Por isso, nós, os exterminadores de traficantes, não devemos ter nenhuma consideração para com eles. Nossas consciências ficam entorpecidas, tal qual efeito de suas próprias drogas.
Mas pensar que a nossa missão está terminada é um ledo engano. A sociedade “Os Filhos Perdidos”, a qual usamos como pano de fundo, para as nossas atividades de extermínio de traficantes, deve proliferar e ser estendida a outros centros. O nosso grupo, hoje com apenas seis participantes ativos, deve aumentar na mesma proporção em que aumenta o tráfico. Por isso vou propor que seja criada, nas cidades vizinhas, associações “Os Filhos Perdidos”, para que, no final tenhamos em cada cidade onde possa haver tráfico de drogas, também uma associação “Os Filhos Perdidos”. Todas com um pequeno grupo dentro da principal, que servirá de fachada, como nós, e utilizando a nossa experiência, exterminem todos e quaisquer traficantes. Assim, com o passar dos tempos, se não conseguirmos exterminar todo o tráfico de drogas, ao menos o aniquilaremos aos poucos, salvando inúmeras vidas inocentes.
A reunião foi encerrada Marconde Marcelo Medeiros sai se despedindo de seus comparsas, e se dirigiu ao cemitério local. Na lápide se lia “Milso Saloon Medeiros”. Nascido a 14 de março de 1982. Falecido em 07 de junho de 2004. Saudades de seu pai, Marconde Marcelo Medeiros. O homem solitário ajoelhou-se diante da lápide, baixou a cabeça e em pensamentos disse:
“ Neste cemitério, hoje, estão todos os que de uma maneira ou outra contribuíram para a sua perda. A humanidade está mais pura agora que tais seres humanos não existem mais. Com toda a certeza, muitos dos que, como eles, contribuem para a desgraça da humanidade, terão igual fim. Levarei a cabo a missão a que me propus cumprir até o último dos meus dias. Aí, se Deus permitir, estarei junto a ti e a tua mãe, achando que minha vida não foi tão inútil assim, pois tenho a consciência de que contribuí para a depuração da raça humana.
Fez o sinal da cruz, levantou e seguiu com passos firmes.
Enquanto Marconde rezava, uma figura vestida com uma gabardini cinza o espreitava de longe. No momento em que ele se afastava, o homem lhe disse:
- Senhor Marconde! Um momento.
Marconde parou e olhou o homem que se aproximava.
- Senhor Marconde, está se lembrando de mim?
Marconde olhou o homem e com toda a naturalidade disse:
- Sim, me lembro! É o inspetor da Polícia Judiciária, só o seu nome não me lembro agora, esteve assistindo a uma reunião dos “Filhos Perdidos”.
- Exatamente. Está visitando o túmulo de seu filho?
- Sim, eu venho aqui sempre que estou triste. Mas a que devo a sua presença?
- Quando estive investigando as mortes por overdose, nesta cidade, no final do meu relatório, eu sugeri que a promotoria enviasse um corregedor para investigar o inspetor UB. E eu estava certo. Precisa ver quantos bens ele possuía, todos adquiridos com o salário de inspetor de polícia. Imagine mais de cinco milhões de reais em bens, tudo adquirido nos últimos cinco anos. Ao passo que, com o salário de inspetor, levaria mais de cem anos para ganhar essa quantia.
- Interessante! - arguiu o interlocutor. - E de onde vinha todo esse dinheiro que ele ganhou?
- Imaginemos que tenha sido do tráfico de drogas. Aí, nós demos uma prensa nele e descobrimos que o barbeiro, o farmacêutico, o dono do posto de combustível, os dois lojistas, o vendedor de brindes e o motorista de táxi, todos faziam parte de uma rede de traficantes. Todos mortos por overdose de cocaína.
- Muito interessante senhor inspetor. Eles foram vítimas de suas próprias drogas.
- Sim, mas nenhum deles era viciado ou usava drogas, apenas as traficavam. Eu fico pensando como é que eles foram morrer de overdose? A única resposta que eu tenho para essa pergunta é que eles foram assassinados.
- Muito interessante a sua tese.
- E aí eu fico pensando quem teria tal ousadia e tamanho ódio. E, para isso e eu acho apenas uma resposta. Alguém que teve um ente querido morto por overdose. E não sei por que é que eu me lembrei do seu caso e da associação os “Filhos Perdidos”.
- O senhor está me acusando de assassinato?
- Não! Absolutamente não! Eu não tenho provas contra o senhor, por enquanto. Mas o promotor quer uma audiência de esclarecimento com o senhor, na segunda-feira, às quatorze horas. O senhor pode comparecer?
- Com toda a certeza, nada tenho a temer, minha consciência está tranquila.
Na segunda, no horário marcado, Marconde chega ao gabinete de promotor.
- Entre, senhor Marconde.
- Em que lhe posso ajudar, Senhor promotor?
O promotor inicialmente falou amenidades, procurou saber como foi a morte do filho de Marconde, que lhe contou em detalhes toda a sua desgraça. Perguntou sobre a associação os “Filhos Perdidos”. Marconde explicou como funciona a associação, quem são os seus membros, quantos sócios tem e etc. Já estavam reunidos há mais de meia hora, quando o promotor se jogou para trás na cadeira e disse:
- Nós sabemos que o senhor foi o responsável pelas mortes de um grupo de traficantes de cocaína, mas não temos provas suficientes para indiciá-lo. O que me diz a respeito?
- Senhor Promotor. Minha consciência não me acusa de nada. Também nada tenho a declarar.
- Mais uma última pergunta: como soube quem eram os traficantes, se a polícia nunca os descobriu.
- Para lhe responder isso eu teria de ser o que o senhor disse que eu era. Mas como eu não sou o responsável pelas mortes, não lhe posso responder a pergunta.
- Nós vamos continuar a investigar até consigamos provas contra o senhor e aí o senhor irá me dizer como foi que fez a descoberta.
- Até mais ver, Senhor Promotor. Passar bem.
Amigo leitor, tudo que aqui está escrito é fictício, qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais terá sido coincidência. Você, caro leitor, com sua imaginação, poderá dar um outro fim a esta estória.
FIM