O tiro do Zé Martins
Jair Messias não passava de um peralvilho de calças curtas e pernas longas quando o Zé Martins se apresentou para dar um jeito na nossa tumultuada rua, conhecida então não mais do que beco-sem-saída, agora com saída.
A vinda do José, que era Martinho, mas chamado por todos de Martins foi cercada da maior expectativa e curiosidade. E foi papai que nos trouxe essa novidade que, se me escapa à memória, reconstitui-se agora graças à minuciosa narrativa de mano Beu, testemunha ocular daquele relevante acontecimento, sobretudo pela imposição da ordem final em tanta especulação, tanta ansiedade, espera e até desacorçôo ante a autoridade pública.
E ajaezado de seus petrechos do ofício José Martinho partiu da Prefeitura Municipal de Pitangui, nossa cidade, para cumprir seu dever de ofício. O tiro poria fim a qualquer pendenga. Era o salvador de nossas aflições, aquela quase quarentena de moradores do dito beco-sem-saída, que papai debalde tentara apodar de Segunda Travessa São José, e que passara a ser, também na informalidade, o beco com saída em seus quase duzentos metros de extensão, e largura variável entre seis e oito metros, plano e ligeiramente empenado na sua pretensa retidão.
E já havia um grupelho formado para saudar o atirador, insistindo em manter-se a seu lado e à retaguarda. À frente, qualquer moleque ousado seria imediatamente admoestado do risco que estava correndo.
Armado e assestado o tripé, bem na quina da origem da ruela, olho cuidadosamente postado na mira, em meio àquele átimo de silêncio sepulcral, e todos os olhos voltados para a sua parafernália definidora final de dúvidas e conflitos, o Zé Martins atirou... E sem um espouco que fosse, só não levou uma vaia da turbamalta por ser homem de respeito.
E ficamos todos nivelados - por baixo - desde então.
A continuação da obra de Zé Martins não demorou, e segue até hoje sendo objeto de contestação e penar, com a chegada, dias depois, da moto-niveladora que no afã de corrigir o gradiente da rua, que tinha nossa casa do lado de onde a água corria, inverteu-se...e tudo graças
à ojeriza do sucessor e rival de Zé Martins, um outro Messias, que como arauto da maldição dos vices, era também Ulisses...