Há uma parede na vista da janela
Nostalgia for what I can't repair
When life didn't came this crude
I still homesick for nowhere
Condemned wanderer of solitude.
Transcending into the depths of mourn...
(Thy Light)
Sempre fixo meu olhar nessa parede branca, ela parece me acalmar e transmitir silêncio. Na verdade, me mantenho nesse quarto de vaga luz onde o mundo lá fora me parece desbotar rapidamente, com facilidade. Eu penso em usar o lençol como uma proteção para meu corpo como se ele pudesse realmente me aquecer, o frio que mora dentro de mim me habita turbulento. Aqui me permito deixar levar por essa sensação exalada da musica em baixo volume que me faz criar imagens do conforto mental, como se ele fosse vir a chegar.
Constantemente percebo que esse lugar já não faz parte do que eu realmente sou. Todos os dias quando acordo em volta das quatro e meia da manhã eu costumo me olhar no espelho. E observo os detalhes desse espelho, ele está rachado e a rachadura vai de uma borda a outra, uma queda agressiva o fez cair no chão. O prego que o segurava rompeu de alguma forma e agora ele está depositado na cerâmica do quarto de forma que não o deixa cair para o lado. Mesmo assim... Ainda é possível usá-lo!
Nele observo meus próprios traços, vejo o desenho de meu cabelo negro longo e delineado retamente sobre meu rosto. Observo meus olhos sem profundidade e vejo que eles, de cor clara tornam-se acinzentados de acordo com a luz ambiente. Nesse momento eu me analiso, e isso é sem dúvida um processo árduo a realizar, essa é uma sensação e um dever ambos inflexíveis não são estáveis. Observo minha real aparência e penso “Eu sou assim...” Vejo cada falha, cada minúsculo erro e busco precariamente que minha visão me mostre um detalhe assertivo sem me machucar. Pois, eu desejo sentir o sol nascer.
Sim, penso em senti-lo, pois não o vejo a tempos. Não há espaço em minha janela vidrada e gradeada para vê-lo, para que eu possa enxergar. Ela está em frente a essa parede, essa parede branca de outra realidade. Para que eu possa apenas me acomodar nesse lugar e continuar, a saber, que no momento em que eu abri-la a poeira daquela parede irá entrar, não irei respirar um limpo ar.
Dessa vil maneira eu respiro fundo com pesar reconhecendo o próximo amanhecer. Caminho então por esse longo corredor adornado por objetos que geralmente não recebem atenção e estão lá, as paredes brancas... Penso precisar sair simplesmente. Porém, o sol está quase a nascer e um homem que me lembra da aparência asquerosa de Bukowisk está na cozinha. Lá ele prepara o café, forte, mas sem gosto. Existe algo nauseante em sua presença. O físico defeituoso, a pele avermelhada e uma feição que carrega olhos tristes e penosos, mentirosos. Um sentimento de rancor me possui, retorno ao quarto e me olho novamente no espelho. É preciso sair e continuar, a rotina me faz agonizar. Desejos insanos passeiam em meus pensamentos, sonhos sobre montanhas altas avistar e a solidão, a forca dessa janela abandonar...
Observo-me desejando observar o céu e as estrelas que estão dando seu lugar a ainda bela manhã. Não posso ou não consigo sair? Sou como um verme no fim... Esse semblante no espelho faz calejar meu coração, uma figura que por vezes não reconheço e me perco tentando desvendar. Uma figura esguia e magra, um pouco pálida exibindo inconscientes pesares em si.
O que realmente vinga incomodo é o que está dentro dessa imagem, meu eu interno indeciso. Os pensamentos bruscos e as coisas mortas que não foram enterradas dentro de mim. Vertigens metódicas e alusões de medos, desculpas e sofridos sentimentos impregnados por um romantismo crítico, uma sombra que se deita... Suspiro com pesar enquanto linhas perambulam minha mente.
Ao redor do quarto está à prova, o silêncio... As roupas empilhadas com desleixo, livros abertos em páginas marcadas. São leituras incompletas e isso também me desgasta. Vejo um gato preto dormindo na cama, seu pelo brilha e por algum motivo isso me conforta.
Não são essas paredes brancas que me traem, são os passos que foram dados com tropeços e por tropeços alheios foram diminuídos. Não desejo passar por esta porta de madeira falsa, uma rotina me aguarda... Mas, meus sonhos parecem não mais me manterem de pé!
Canções não são mais como antes e os rostos mais doces ainda não me tiram o desejo de neste quarto ficar. Às vezes, gostaria de acreditar que o canto do rouxinol não era sobre a morte, dos vinhos eu desejei provar o mais doce que causa o sono mais profundo e calmo de Morpheu, eu desejei saber que Hypnos não vai me presentear com seu olhar.
Caminho em pensamentos almejando este momento da manhã congelar, prender neles meus anseios e com calma evitar os chamados desse sono tão abismal. Este lugar onde o ouro não possui real valor e a prata já passou a ser um mero requinte sem espaço. Temos riquezas que não são verdadeiras, veneramos deuses mortos e que de fato possuem seus domínios sobre nós. Essa sensibilidade retorcida me retrai, enxergo o mundo como ele é, e sem ilusões todos dispõem de um quarto com paredes brancas e nos olhos a cor falta.
Sento-me na cama e acaricio o gato, meus comprimidos usuais para dores neurais estão em cima do criado mudo. Porém, os que estão na gaveta me chamam mais atenção. É como se uma voz estivesse a falar, essa voz se parece com a minha e ela diz palavras que não entendo por completo.
Abro a gaveta e os pego, a caixa branca ainda está lacrada, após abrir por um instante medito. Pois, preciso muito dormir, estou cansada demais. Ainda me dói o corpo de tanto ter revirado ontem na cama com falta de sono. Respiro fundo... Preciso tomar o remédio, abro a caixa e após retirar da cartela engulo a seco, tomo o segundo, dessa vez mais devagar aproveitando o barulhinho craquelante da cartela. O engulo também a seco aproveitando a experiência sonora de ouvi-lo descer forçadamente pela minha garganta deixando um gosto amargo alucinante.
Suspiro um pouco enquanto ouço um miado agudo, está na hora do terceiro... O som de “crack” da cartela parece agora mais abafado e distante. Sempre achei interessante o significado do número três. Nascer, crescer e morrer. Meus olhos agora estão pesados por alguns instantes, desejo tomar um café enquanto ainda sinto o amargor amarelo que nem mesmo o beijo mais suave e ameno de um Heros me faria esquecer.
Uma sensação de náusea me toma e uma tosse seca e repulsiva se atrela a minha seca boca, e isso desperta uma desastrosa ânsia de vômito... Uma lágrima escorre em meu rosto que adormece o vômito felizmente não vem. Mas, o meu coração dispara como um tipo de despressurização e o som estranho de uma voz que recorda muito a minha própria voz eu ouço. Ao passar a mão pelo meu rosto quente percebo que um pouco de suor ultrapassa minhas têmporas, e aquela ânsia ondular e nodosa ainda me estremece e habita meu paladar.
Em meios a essas sensações que mais me causam um tipo de gastura olho para os lados, realmente achei que houvesse essa última porta. Agora certo desespero me toma ao correr olhares que se acalmam devagar pelas paredes brancas que me parecem mais alvas, elas ainda estão encobertas pela penumbra. Finalmente, um sentimento eloquente me deixa avisada de que o sol nasceu e o que restou da noite chegou ao seu fim. E no quarto, nas paredes eu me questiono. Ainda estou aqui?