A Casa

Muitas vezes transferimos as cenas de terror que assistimos nos filmes para a vida real. Na verdade não é trazer o medo fictício para a realidade, mas pensamos nas mais variadas possibilidades de algo semelhante acontecer.

Não digo que “Alien” ou mesmo o “Predador” irão aparecer na nossa frente como nos filmes, não é desse tipo de medo que falo, mas sim aquele que muitas vezes não podemos ver, ou se vemos preferimos fingir não ter visto.

O Bairro onde Amanda mora é um lugar bem tranquilo, bastante residencial com poucos prédios e mesmo assim a maioria não passa de três andares, com um número muito maior de casas, sua rua é um ambiente muito propício para se crescer.

Amanda é uma jovem de vinte e um anos, estudante de direito, mora com os pais, católica, bonita, faz coisas de gente jovem, tem uma irmã, mais nova, o convívio familiar é o melhor possível.

Depois que conheceu seu namorado começou a ter a ideia de invadir uma casa em frente ao prédio dela, abandonada há três anos, a casa está se deteriorando aos poucos, sendo consumida pelo tempo, ficando de certo modo assustadora.

Ambos passaram vários dias analisando as possibilidades da invasão para configurar o usucapião do imóvel. Arthur tirou inúmeras fotos, vídeos, nenhum movimento detectado na casa a não ser pelo inúmeros gatos que ali moram, comprou corda, fez inúmeros planos mirabolantes para entrar.

Algumas coisas devem ser deixadas do jeito que estão, pois há algum motivo para ninguém querer mexer. A casa tem três andares, muro alto, piscina, churrasqueira, era a residência de um casal de velhos, que dizem já ter morrido há algum tempo.

Arthur quando vai deixar Amanda em casa, a noite após se encontrarem, olha para a casa ainda na esperança de entrar, porém sempre tem a impressão de que alguém o observa da janela esquerda do segundo andar, como se soubesse de seus planos e o esperasse. Com duas amplas janelas para a frente, ambas se encontram sempre semi abertas.

A fachada do portão pichada, as visíveis folhas que se acumulam do lado de dentro na altura da garagem já passam por baixo do portão. Dizem haver um carro abandonado lá dentro, não há como saber o estado, mas pelo período que a casa está sem morador, deve estar deteriorado.

Mais uma vez a vontade de tomarem a casa para si faz a cabeça do jovem casal, ambos do ramo do direito, buscam amparo legal para caso necessário no futuro poderem preparar suas defesas. Amanda ainda sonha com o dia em que entrarão.

Ambos sabem do ar tenebroso que a casa tem, das luzes que parecem ficar acesas a noite, mas tudo não passa de reflexos do prédio vizinho, imaginação de quem já viu muito filme na vida. De novo os medos fictícios tomam conta da realidade.

Sua irmã diz apoiar a causa, querendo estar junto no dia da invasão, que já foi planejada para altas horas da madrugada, para a tarde de um fim de semana qualquer, mas na verdade o que acontece é que ninguém tem coragem de pular o alto muro da casa.

Certa madrugada de sexta-feira para sábado, por volta das três horas da manhã, Arthur foi deixar Amanda em casa, moram perto, um na rua atrás do outro, após deixá-la andou pelo meio da rua, em frente a casa, para atravessar e mudar de calçada, sentiu que alguém o olhava costumeiramente, quando olhou para uma janela, a de sempre, não havia ninguém, mas teve a impressão que o olhavam da janela ao lado, ali, em pé, sem movimento algum apenas o olhando enquanto atravessava a rua, teria que seguir, um carro entrara na curva e teria que sair da frente, sentiu um peso sobre suas pernas, algo o deixava mais lento como se o segurasse, olhou para a janela, não havia ninguém, o carro mais perto já piscava o farol para chamar-lhe a atenção, mal conseguia se mover, estava mais difícil, até que o carro teve que buzinar, estava solto, conseguiu sair do meio da rua, o veículo passou buzinando.

Estava estático, parado na calçada, olhou para a varanda da namorada, ninguém, estava tudo apagado, olhou para as janelas da casa, ninguém, estava cansado, aquilo era resultado do sono, de um dia longo, de uma semana de muito trabalho.

Conversou com Amanda sobre o ocorrido na noite anterior que disse para ele não se preocupar que não era nada do que estava pensando, era apenas cansaço, que deveria descansar mais e parar de ver filmes antes de dormir, estavam fazendo-o ficar paranoico.

A invasão estava combinada. Não iriam pular nenhum muro, passar por baixo de portão nenhum. Iriam simplesmente trocar a chave da entrada. Chamaram um chaveiro no fim de semana seguinte, sábado por volta das quatro da tarde, o chaveiro não fez perguntas, trocou o miolo da fechadura do portão, abriu, trocou o miolo da fechadura da porta da frente, cobrou duzentos e cinquenta reais pelo serviço, pago, foi embora.

Arthur tinha agora duas chaves da casa, do portão e da fechadura, não entrariam naquela tarde, nem naquele fim de semana, iam esperar uma semana para ver se alguém reclamava da troca das chaves, caso não, o próximo sábado seria o dia em que finalmente saberiam o que habita a velha casa abandonada.

Amanda estava animada, passaram a semana todo falando sobre o assunto, ela pegava o binóculo quase todo dia na esperança de confirmar não ver ninguém na casa. Era tarde, quase na hora que ela ia dormir, quando resolveu fazer a última checagem do dia, foi até a varanda, onde seu pai estava sentado olhando para dentro da sala vendo televisão, pegou seu binóculo, se curvou no parapeito e começou a olhar a casa, como sempre ela parecia acesa devido as amplas janelas que tinha que permitia que as luzes dos prédios vizinhos passassem por dentro. Estava olhando cada canto que podia, até mesmo uma ponta do carro conseguia enxergar, voltou para o andar de cima.

Olhando pelas janelas, o susto, viu alguém andando na casa, levantou o corpo rapidamente dando um leve grito, batendo a cabeça no toldo que estava pouco acima por causa da chuva que havia caído no dia anterior, seu pai se assustou perguntando o que havia acontecido, ela relatou e o mesmo a mandou dormir dizendo que estava vendo coisas, que ninguém estrava na casa há pelos menos quatro anos.

Amanda foi para o quarto, contou para sua irmã o que havia acontecido que ficou excitada com a história reiterando o fato de que queria ir junto no dia. Dormindo mal, na manhã seguinte contou para Arthur o que havia acontecido que riu dela, dizendo que estava igual a ele.

Era sábado. Arthur arrumava uma mochila com uma corda de trinta metros, uma lanterna militar, um canivete, uma faca militar, uma pistola de airsofty (sem nem saber para que), vestia bota tipo coturno, calça jeans e camiseta, não sabendo para que tudo isso nem o que iria encontrar numa casa abandonada, só faltando chamar os “ghostbusters”. Amanda vestia bota também, calça jeans e camiseta, enquanto sua irmã apenas um tênis e short jeans com uma camiseta leve, talvez fosse a mais sensata e realista.

Os três estão parados de frente para o portão. Se entre olham, ainda dá tempo de desistir. Arthur pega seu chaveiro, escolhe a chave, coloca na fechadura, gira, empurra, aberto. Aquele é o momento que mais esperavam desde que começaram a falar disso. Entram em fila indiana, Arthur, Amanda e Rafaela. A casa está completamente abandonada, o carro cheio de ferrugem, as folhas da amendoeira tomaram conta do quintal, de modo que não dá nem para ver o chão, acertaram ao irem de bota e calça jeans. Fecham o portão, para chamar o mínimo de atenção possível, andam até a porta de madeira da casa, Arthur novamente pega as chaves, Amanda pergunta porque ele está com uma faca militar na cintura, alega ser para segurança.

Coloca a chave na fechadura, olha para trás, as duas estão com o rosto tenso, girá, um estalo, empurra, está aberta, empurra até o final para que entre luz pela porta, para que possam ver algo, saber onde pisar, está relativamente claro, ficam ali parados na dúvida se entram ou não, ele entra, dá dois passos, Amanda quer que fiquem juntos, medo? Talvez não, apenas para qualquer coisa.

A sala é ampla, com suas paredes amareladas pelo tempo, com alguns móveis abandonados, nos cantos, muita poeira. Um barulho veio de outro cômodo do andar de baixo, parece ter vindo de algo que pode ter sido uma cozinha algum dia, pois parece com uma panela caindo. Os três gelam, se entre olham pela milionésima vez, Rafaela pergunta se já podem voltar, Amanda dá um passo a frente, quando do nada aparece um gato cinza, o mesmo que por inúmeras vezes andou ao lado deles na rua, a que chamam de “Judith” mas que recentemente descobriu-se que é macho, por ainda ão terem achado um nome masculino bom continuam chamando pelo nome feminino e a tratando como fêmea.

O sentimento de alívio não tem preço, andaram até a cozinha e de fato era uma velha panela que estava no chão, a gata deve ter derrubado quando andou. Na cozinha ainda tinha uns armários na parede, uma frigideira velha, a panela caída e um prato quebrado em cima da pia. Arthur abriu a torneira, ainda havia água nos canos, devia estar podre por estar na caixa d’água há tanto tempo parada.

Na sala de jantar não tinha nada além de umas paredes verdes clara tomada nos cantos por teias de aranha, muita poeira e uma cadeira de madeira, com um dos pés quebrados, nitidamente consumida pelo tempo.

O que mais chamava a atenção era o forte cheiro de urina de gato, por estar a tanto tempo fechada os felinos a noite faziam do local sua moradia. Do lado de fora a piscina estava verde escura com água até pouco menos da metade, a churrasqueira não era mais uma churrasqueira, estava muito acabada, Arthur olhou para seu prédio que dava para ver da li, e chamou por sua cachorra “Lua” que apareceu na varanda e começou a dar uns latidos, burrice, chamou a atenção. Havia ainda um chuveiro, um quartinho para guardar trecos. O andar de baixo estava visto, faltavam dois.

Com muita atenção aos degraus que poderiam estar podres, começaram a subir, “Judith” os acompanhava enquanto dava alguns miados querendo atenção. Não queriam ficar até tarde lá, então resolveram agilizar a visita, como estava tudo muito calmo, resolveram se dividir para ganharem tempo.

No segundo andar havia uma anti sala que acabava em um corredor com duas portas para a direita e uma para a esquerda, além de conter a escada que dava acesso ao terceiro andar. Eram três para três quartos, cada um escolheu um, Rafaela escolheu o primeiro por estar mais próximo a escada, daria para correr mais facilmente, Amanda pegou o quarto ao lado e Arthur com o que havia sobrado, único que não dava frente para a rua e sim para seu prédio.

Rafaela entrou num quarto com paredes decoradas com flores, aquele tipo de papel decorativo que se cola nas paredes em vez de pintar, ainda tinha um tapete surrado enrolado embaixo da janela, andou até a janela, olhou para sua casa, seus pais estavam limpando a varanda da Meg, olhou em volta, com certeza aquele era um quarto de vó, o teto amarelado, um ventilador ainda estava pendurado, apertou o interruptor, não havia luz, já sabia, o chão de madeira fazia barulho quando andava, a janela com um palmo aberta deixava entrar um vento, no banheiro do quarto um cheiro horrível, mas não havia nada aparente, um grito.

Amanda estava no quarto ao lado, gritara pela irmã e o namorado, Rafaela saiu correndo, entrou no quarto, Amanda estava em pé, olhando para uma cômoda de madeira, cheia de gavetas, em cima havia um porta retrato, nele uma foto dela com Arthur. Era pegadinha, por falar nisso ele não foi ao quarto quando ela gritou, as duas olharam em volta, nada dele, foram ao corredor, a porta do quarto que ele ia ver estava fechada, giraram a fechadura, emperrada, fizeram uma forcinha, o quarto estava vazio, a não ser pela parede que continha inúmeras fotos.

“Amanda o que está acontecendo” perguntou Rafaela ao ver que as fotos na parede eram tiradas da varanda de Arthur enquanto ele dava banho na Lua, no Bola ou simplesmente ia na varanda, fotos de Amanda com Arthur andando na rua dela, na varanda, em pé no portão enquanto de despediam diariamente ou se encontrando, fotos dos dois saindo de carro pelo portão do prédio dela. Como? Quem?

“Arthur! Amor!” Amanda começou a gritar, abriu a porta do banheiro, ninguém naquele quarto, não havia mais quartos nem portas naquele andar, as duas correndo pelo corredor, decidiram que subiriam para ver se o mesmo estava lá em cima, subiram, o espaço vazio, como um terraço coberto, uma mesa de plástico tombada, mais nada, mais ninguém.

“É brincadeira dele Rafa, ele tem mania de filmar essa casa, tirar fotos, ele já estava com a chave há uma semana, aposto que colocou as câmeras e depois tirou foto dos vídeos só para assustar a gente, você sabe como ele é”.

Desceram correndo, Amanda quase escorregou na escada, no primeiro andar, na sala ele não estava, foram a cozinha, havia um copo em cima da pia. “Amanda este copo já estava aqui?” Amanda nervosa, com cara de choro responde que não lembra, mas que não faz diferença, precisam achar seu namorado para irem embora. “Se for brincadeira juro que termino com ele só pelo susto”.

“Amanda, cadê a Judith? ela subiu com a gente”, olham em volta, a gata sumiu também. “Deve estar com Arthur, ela sempre deixa ele coçar a barriga dela, Rafaela agora não é hora para se preocupar com a gata e sim com ele que não estamos achando” já com tom de desespero engasgado com vontade de chorar.

Do lado de fora não tem ninguém, a piscina continua verde, as coisas no mesmo local de antes, olham pra varanda dele, Lua não está lá, chamam por ela, nada. No quartinho nos fundos a porta está aberta, mas não há ninguém lá dentro.

Amanda novamente grita pelo namorado, pensa em ligar para os pais, Rafaela faz o mesmo, em vão, ambos estão sem sinal, já está escurecendo, voltam para a sala, tem um banheiro que elas não haviam entrado ainda, no chão perto da pia a mochila que Arthur carregava está lá, dentro ainda tem a lanterna, o canivete e a pistola junto com a corda, apenas a faca está faltando, Amanda olha para trás, Rafaela está chorando baixo resmungando que nunca deveriam ter feito aquilo.

Vão para o quintal, tudo do mesmo modo, tentam olhar por cima do muro, seus pais ainda estão lá na varanda, Rafaela tenta gritar para eles, mas parece que seus gritos não saem alto o suficiente. As irmãs não sabem mais o que fazer, a noite está caindo, pegam a lanterna, começam apontar para tudo quanto é direção, Amanda vai até o portão na esperança de achar Arthur sentado do lado de fora chorando de tanto rir do pânico das duas.

O portão está trancado, o ferrolho não anda, ambas estão ali dentro sem ter como sair. Os gritos agora desesperados não surtem efeito, não parecem transpassar o muro, dão as mãos na esperança de algo bom acontecer, Arthur aparecer, portão abrir, o que for, já é um começo.

Um barulho vem do segundo andar, parece algum objeto caindo, saem correndo porta a dentro, escada acima, nada no primeiro quarto, nada no segundo, nada no terceiro, será no andar de cima? No meio do corredor Rafaela fica parada, olha para a irmã “Tem foto lá que não estava antes”, voltam para o ambiente, devagar.

Na parede, além das fotos que já haviam visto agora tem três novas fotos, uma das meninas no quintal, em pé, olhando em volta de costas para o muro, de frente para a casa ao lado do carro. A outra ambas estão no quintal, Rafaela de frente para a casa, Amanda de costas olhando em direção a churrasqueira, a terceira ambas no quarto das fotos, olhando para as mesmas. Como seria possível?

Ficam chocadas, como Rafaela percebeu as fotos, é uma parede cheia, quase um mural, voltam ao corredor, Amanda olha para sua irmã mais nova “Sabe o que percebi? em todas as imagens o Arthur está presente, nestas três não, por que?”

No quarto do mural, as duas estão olhando novamente as fotos após Amanda falar o que havia percebido. Sentem o gelo subir pela espinha, novamente dão as mãos, Arthur está nas três fotos adicionadas recentemente ao mural.

Na primeira a imagem dele aparece ao lado de Amanda, o mesmo está dentro do velho carro, seu rosto está no vidro do passageiro, com tom de dor, pânico e medo. Na segunda, ambas no quintal dos fundos, ele aparece no vidro da porta que dá acesso ao mesmo, com sua blusa branca suja, meio rasgada, com o mesmo semblante da foto anterior, a terceira foto foi a mais difícil de ver, mas a mais fácil, elas estão em pé olhando as fotos, as mesmas na disposição em que estão formam o rosto do namorado, se afastam da parede até encostarem na de trás, olham para o painel, Arthur está ali, como era possível?

Saem correndo para a sala, a lanterna acesa, está muito escuro já, como da rua parecia que as luzes estavam acesas se não dava para ver a um palmo lá dentro, não sabiam o que fazer, novamente tentavam chamar aos gritos quem quer que fosse, nada de respostas, o portão ainda trancado, o carro não tinha ninguém, será que teriam que passar a noite ali.

Depois de muitas horas a fome começava a bater, se perguntavam se seus pais não estavam preocupados, se não iriam procurar por eles, sabiam onde estavam. Resolvem parar de procurar, está tarde, apenas um milagre agora, se sentam no chão na frente da casa encostando na parede ao lado da portão, estão de frente para o portão. Não podem dormir, precisam estar atentas, alguns gatos passam por baixo da entrada da garagem, deve ser costumeiro para eles dormir ali, se assustam com elas e vice e versa, correm para o fundo da casa, dá para ouvir os miados deles se acomodando, nenhum é a Judith.

A luz da varanda de sua casa está apagada, seus celulares ainda sem sinal e com a bateria quase no fim, seus gritos sem efeito, elas se abraçam, está uma noite fria, os gatos parecem estar se divertindo, rezam para a pilha da lanterna durar até o dia seguinte.

Precisam descansar, o medo, o choro, a correria, as deixou exaustas, resolvem revezar o sono, Rafaela irá dormir primeiro, quando for três da manhã será a vez de Amanda dormir e a irmã tomar conta. A caçula deita no chão com a cabeça apoiada no colo da mais velha, que evita colocar a luz da lanterna em sua direção para não acordá-la. Já fazem uns quarenta minutos que a menor adormeceu, Amanda pensa em Arthur, em o que estaria fazendo, como aquilo aconteceu, algo toca seu braço de forma leve dando-lhe um susto imenso, a luz mostra apenas um gato querendo se aquecer do frio.

Naquela noite não deu para ouvir a Lua latindo como sempre faz, estão num mundo externo. Está na hora de acordar sua irmã e tentar descansar, trocam de posição, Rafa está com medo, ainda é jovem com apenas dezessete anos. A noite esta se arrastando, assim como alguém ao mesmo tempo arrastava algum móvel no segundo andar, não iria subir, não no escuro, a essa hora, se fosse o Arthur, ele iria descer, os felinos estavam agora mais barulhentos, Alguns corriam, miando mais alto, o que estava antes com Amanda já não estava mais ali com elas.

Um estrondo, barulho de vidro quebrado, estilhaços caindo do segundo andar, Amanda acorda assustada, uma cadeira é jogada em cima do veículo, quebrando sua janela, no mesmo local onde apareceu o rosto do namorado sumido.

De um alto estão em pé, com a lanterna girando de um lado para o outro, nada vendo, não querem entrar, o barulho de móveis sendo arrastado aumenta, mas não tinha móveis lá em cima além do gaveteiro com o porta retrato achado. Rafaela jura estar ouvindo gritos, não entendíveis, mas que parecem reclamações, iriam morrer ali, ou seguir o mesmo fim do namorado de sua irmã, desconhecido.

Estava amanhecendo e junto os barulhos iam diminuindo, a voz sumindo, talvez o portão estivesse aberto, não. Os gatos iam saindo pouco a pouco pelo mesmo lugar por onde entraram, em pé de frente para a entrada Amanda saiu correndo lá para dentro, sua irmã num ímpeto saiu atrás sem saber o que havia acontecido, nos fundos a encontra caída no chão chorando, está abraçada numa camisa branca, a mesma que Arthur usava quando entraram na casa na tarde anterior, está suja de sangue e rasgada.

Se agacha, abraça a irmã por cima “Vamos achar ele, verá que está bem”, ela realmente quer acreditar nisso, quer que Amanda acredite também, mas na realidade as esperanças são as menores possíveis, já procuraram em todos os lugares, passaram a noite ali, nada, agora a camisa dele aparece suja de sangue, rasgada e jogada no chão.

O copo visto no dia anterior em cima da pia ainda está lá, agora cheio de um líquido vermelho, não poderia ser o que estavam pensando, saíram correndo até o portão aos gritos, choravam, batiam no portão, olharam para trás, para a casa, a fachada era toda de fotos, não tinham como ver todas, mas ainda assim viam nas mais baixas elas na noite anterior, deitam no chão, e de algum modo Arthur estava lá, com o mesmo olhar morto.

Andaram beirando a parede da frente olhando as imagens, até o começo da lateral da casa, mais e mais colagens, quando iam começar a andar em direção aos fundos, algo caiu do segundo andar.

A Faca militar preta do garoto estava fincada no chão, do jeito que caiu lá de cima, ou jogada, preso na janela dava para ver o cinto onde ela estava presa na cintura de Arthur. O choro foi múltiplo, estavam achando tudo aos poucos, não demoraria para acharem o corpo, correram ainda pela lateral.

Fotos de textos escritos com sangue “Minha Casa, saiam antes que mais alguém fique preso nos reflexos”, o dizer se repetia por toda a parede até os fundos, no muro de trás não havia fotografias, estava escrito direto na parede com uma tinta vermelha assemelhada a sangue, gritos, repetidos por diversas vezes, saíram correndo.

O portão estava escancarado, Judith sentada de frente para ele, Amanda ainda carregava a camisa ensanguentada, teriam de escolher, sair e sobreviver ou ficar e tentar achar o namorado. O coração apertava, era uma escolha complicada, Rafaela a puxou para fora da casa, quando o portão estava quase fechando Amanda saiu correndo para dentro, sua irmã não poderia deixá-la sozinha, entraram o portão bateu, Judith não havia voltado.

As janelas do segundo andar estavam abrindo e fechando sozinhas, eram de correr, nem com vento isso seria possível, estavam novamente em pé de frente para a residência, mãos dadas, medo compartilhado, as irmãs se olham como se aquela fosse uma última vez, um adeus, se abraçam, as lágrimas estão escorrendo em ambas, começam a andar juntas em direção a porta.

No reflexo da janela de baixo Arthur, sem camisa, sujo de sangue, acena com a mão em sinal de tchau, nada além de um reflexo, andando de vidro em vidro para poder se manter vivo, insinuam uma corrida para dentro da casa quando um corpo cai a frente delas.

Arthur está morto, jogado do segundo andar, seu reflexo está sumindo da vidraça, seu tronco cortado de cima abaixo, Amanda se desespera aos prantos, gritos, soluços, está sem chão, Rafaela tenta confortá-la mas não conseguem conter os gritos.

Amanda desmaia. De longe escuta a voz de sua irmã chamando-a, ainda muito sonolenta, sem saber o que está acontecendo, abre os olhos, está em seu quarto, sua irmã olhando para ela em pé ao lado dela, no beliche, seus pais vieram correndo, Amanda estava gritando, havia tido um pesadelo.

Contou o que havia sonhado, seus pais riram dela assim como sua irmã, ligou para Arthur, estava em casa, bem, vendo televisão ou algo do tipo, queria vê-lo, ter certeza, parecia muito real.

Ele foi a casa dela, estava de calça e blusa branca, fez de propósito apenas para implicar com a namorada, estão na sala conversando, Rafaela aparece em pé com o celular na mão, sem palavras, apenas chocada, estende o aparelho.

Uma foto das duas no quarto das imagens formando o rosto de Arthur ao fundo. A mesma que estava presa na parede.

J A Grushazen
Enviado por J A Grushazen em 18/09/2018
Código do texto: T6452670
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