Quando apenas a morte é a solução!
Nunca imaginara odiar minha situação. Repudio. Odeio com as mais tenras forças que um humano, se é que posso me chamar de humano, possa ter. Desejei este momento como o mais violento dos pesadelos. Sim, foi isso que me tornei, em um pesadelo.
Tudo começou em uma noite nebulosa, fria e congelante. Não tinha mais forças para prosseguir vivendo daquele jeito. Não queria mais, não tinha mais animo para continuar minha vida nesse mundo do jeito que estava. Então, saí de casa rumo ao desconhecido, porém decidida ao que fazer. Era chegada a hora. Não tinha mais como voltar atrás. Estava tudo acabado em minha vida.
Saí correndo. Chorando. Chorava muito, não via nada em minha frente. O mundo girava contra mim. Nada do que tinha tentado até ali, havia dado certo. Minha vida se tornara um erro. Respirava, mas não vivia.
Há mais de dez anos perdi meus pais em um acidente terrível de carro. Estava naquele carro, contudo, para minha infelicidade, sobrevivi. Sobrevivi aos mais terríveis anos que alguém possa ter vivido. O carro incendiou. Foram gritos terríveis. Meus pais, ali do meu lado, gritando por socorro, por ajuda e ninguém podia fazer nada. Nem eu. O fogo queimando forte feito um caldeirão. Era como se fosse um forno e nós estávamos sendo queimados vivos.
Estava sem sinto no banco traseiro. O impulso me fez tentar sair daquela terrível agonia. O fogo queimando minha pele, minha face, meus cabelos. Era uma dor indescritível. Como num passe de mágica, caí para fora. A janela se rompeu. Meu instinto de fuga me fez pular. Entretanto, meus pais não. Eles não conseguiram. Os gritos foram se acalmando e eu ficando cada vez mais desesperada. Fora uma cena que jamais saíra de minha memória.
Escutei sirenes ao meu redor. Desmaiei. Acordei sem saber ao certo onde estava e como havia chegado até ali. Era um lugar frio, almas tristes e em busca de alegria. Muitas pessoas ao meu redor me olhando e dizendo como eu poderia ter sobrevivido a todo aquele horror. Estava toda enfaixada. Meu corpo já não era mais um corpo. Foram meses até sair dali. Muito sofrimento, dores, e o pior: aquela não era mais eu. Não podia mais me reconhecer. Tinha me transformado em um monstro. Era assim que me via, um monstro. Olhava no espelho e não me via mais. Via um emaranhado de pele enrugada, olhar triste e sem vida. Que vida podia ter aquele monstro?
Naquela noite fria e nebulosa, saí correndo de casa decidida a acabar com todo aquele sofrimento. Com aquela miserável vida. Vida? Não, não vivia. Existia um ser, uma casca que por dentro era uma escuridão, fria e sombria. Por que havia ficado aqui sozinha mesmo com tanta gente ao meu redor? Por que não pude ir para o mesmo lugar que meus pais foram? Fui fraca, fraca ao sair daquela janela no momento de dor. Agora essa dor não para, não cessa e por isso preciso acabar com todo esse sofrimento.
Corri para um desfiladeiro. Um desfiladeiro profundo e assustador. Porém, não para mim. Assustadora era minha situação, era minha imagem. Ao chegar nele, olhei para o céu e rezei. Rezei muito. Pedi perdão para Deus, pois estava prestes a fazer o que deveria ter acontecido há dez anos. Estava pronta para reencontrar meus pais, abraça-los, pedir perdão por tê-los abandonado naquele momento de dor.
Não olhei pra trás, o que havia ficado não valia mais nada pra mim. Minha mente só tinha um pensamento. Acabar com todo aquele sofrimento. Pulei. O vento em meu corpo era suave, me acalmava. Sentia um alívio como há anos não sentia. Estava serena. Estava feliz. Percebi então naquele instante que meu desejo já não era mais um desejo, era realidade. Joguei-me em busca de paz sem ao menos olhar para trás.