O angu do Jesuíno

Curioso: passei anos matutando como seria aquela iguaria que o Jesuíno vendia pelo centro de Beagá naquele finzim da década dos sessenta e primeira metade da dos setenta e, o mais curioso ainda é que nunca cheguei mais pirtim daquele carrim puxado à mão, só pra dar uma espiada e esparramar depois.

Estudante universitário, aspirando e até arremedando no exercício do magistério eu andava de olhos compridos nas cousas e coxas da cidade, mas curto de grana como soía com a nossa mais vasta maioria. Sorte tivera de haver conseguido uma bolsa de alimentação e poder frequentar os restaurantes da Universidade Federal pela cidade. Ração substanciosa, balanceada e de hora marcada, auto-servida no bandejão que ainda incluía o copo de leite e algum doce ou fruta, das quais, a mais frequente era a banana caturra.

Já o Jesuíno, atendia os menos afortunados com o seu angu. Não sei se servido em prato descartável, que era incomum à época em que o plástico apenas ensaiava o domínio absoluto da poluição visual, ambiental et coetera e tal. Mais provavelmente seria em pratos de folha, ou esmaltados que, num balde d´água mergulhados, sairiam com a impressão de higienizados - operação discreta, distantes olhos da freguesia, com certeza, e inda maior esperteza.

E o angu - do que eu conhecia da casa de meus pais - era atraente na cor, mas sem algo mais, afora o insosso sabor? Vai ver que o Jesuíno colocava uns adereços na sua especialidade, tipo frango desfiado, uma carninha seca, pra assegurar a sustança, ao menos a da esperança.

Dia desses, e já pela enésima vez, já distante do clamor vocal do Jesuíno, ao ouvir o tango Bien Bohemio, voltou-me a aflorar a evocação do angu do Jesuíno, na passagem que diz, na interpretação romântica e quase rompântica de Julio Sosa:

...con diez guitas en el bolsillo, cuántas veces he cenado con un verso de Carriego...e, àquela fome antológica, própria da juventude sonhadora, juntava-se, ou melhor, a saciava, a magia da poesia...sem a qual tampouco se sobrevivia...pois, vazia, a alma não vivia.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 25/07/2018
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