ELE SABE 1

Alessia está mais calma esta noite. Agora que enfim em casa, acenderá a sala e abrirá as cortinas. Sem o celular por perto, ela consegue planejar três tarefas para o fim do dia. Meia garrafa de whisky ainda resta no bar, recorda. Nada mais a impede de separar os pés dos sapatos, reflete. Ninguém também a ouviria se decidisse por gritar agora, e então decide por fazê-lo. Causa nela uma emoção sem sentido a forma como a luz amarela no teto ilumina a cozinha. São só cinco passos até lá; uma insignificância incomum para o seu estilo de vida. Do lado da pia está um copo vazio com vestígios de uso e, nele, nem um gole – talvez – daquele mesmo whisky. Os pés deveriam estar no sapato. Ela não deveria ter gritado, ou já deveria tê-lo bebido. Não era para ela estar ali, alguém mais a acompanha na casa.

Pouco está ao seu alcance. As facas foram guardadas todas na mesma gaveta, do lado oposto do balcão onde ela se encontra. A abertura vertical das portas dos armários de louça faz inútil a vantagem de estarem exatamente sobre a sua cabeça, já que o movimento amplo demais faria daquela uma escolha estúpida. Direção alguma parece segura. Virar-se é impossível. Avançar é arriscado. De repente, soa-lhe místico o ribombar estridente do silêncio contra os tímpanos, mas desvia sua atenção por um segundo a inesperada presença de uma respiração inconstante.

Poderia ser qualquer um. Melhor se fosse, na verdade.

Contorna o seu próprio eixo sem medir exatamente o ângulo mais oportuno para a fuga mais rápida. Depara-se consigo mesma no reflexo de um vidro enublado. O mesmo armário que há pouco prostrava imóvel e indiferente ao seu lado, agora participa da trama tomando partido contra aquela a quem deve seus serviços. Enquanto também se instala em sua mente a imagem do telefone que mais cedo descartara, ela aguarda que os próprios olhos desvendem com clareza a imagem que guarda ambas identidades. Antes que pudesse considerar alternativas improváveis, às anula todas a constatação a que chegam os seus olhos. A figura se aproxima e, sem deixar mais qualquer dúvida, revela-se de imediato na nítida visão do seu rosto.

Seria perigoso demais arriscar um diálogo. É tarde demais para elaborar discursos. Não há no mundo quem possa ajudá-la, nem mesmo aqueles que testemunharam e foram cúmplices dos seus atos. Todas as suas escolhas culminaram neste encontro. Talvez ela seja a primeira pessoa a quem ele revela a verdade, e morrerá em poucos instantes sem que possa avisá-los. Os outros terão que antever por si mesmos. De agora em diante ela não estará mais em campo.

Ante a faca erguida na mira das suas costas, ela encara o início do que todos eles terão de encarar mais tarde. Em seu último pensamento, ela se pergunta se a cada um está reservada a mesma sorte. Arrependimento, enfim. Dúvida, como sempre. Uma certeza, no entanto. Nos olhos do homem, o anúncio que proclamava sua morte iminente: ele sabe.