O grupo de Whatsapp
 

 
Cláudia era uma escritora sem muita projeção literária, mas com grande intuição e espírito coletivo, além de um forte poder de persuasão. Tinha  desejo de formar uma comunidade de escritores regionais, nos moldes dos grandes  movimentos literários ocorridos no passado como a Semana de arte moderna,  tropicália e tantos outros de "vanguarda". Com o diferencial, que em plena “era da internet”, seria um movimento coletivo, de um "fazer literário" em conjunto, sem uso do papel, tudo virtual.



Na busca pela realização desse sonho, conseguiu com muito esforço montar um grupo de escritores das mais diferentes matizes como poetas, contistas, cronistas, cordelistas e até novelistas. Algo até então impensável de se fazer diante da heterogeneidade daquelas pessoas, vindas de diferentes regiões do Estado.  Mas, de repente estavam ali com uma  bela coletânea em mãos. Às vezes, olhava incrédula para o grande feito daquele grupo, cuja virtude mais  empolgante era o carinho e a união de todos.


 
Pensando já na segunda coletânea, decidiram incluir outros membros com outras habilidades literárias. Assim, Douglas foi indicado passou a fazer parte do grupo por ser autor de contos policiais. Aparentemente,  era um cara “normal” - dentro dos padrões do grupo, em que ninguém era normal, ele era “normalíssimo”, pois poetas tendem a ter um pé no céu, o outro nas nuvens, tentando apoiar as mãos no chão.


 
Cláudia começou a ler contos do novo integrante. Percebeu que  algumas histórias eram muito reais - pareciam ter sido vivenciadas pelo autor, de tanta  riqueza em detalhes. Observou um comportamento estranho dele,  não identificado pelos demais.


 
Chegou a confidenciar com alguns colegas que o achava estranho. Sua intuição a fazia crer que tinha algo errado naquele olhar cabisbaixo e taciturno de Douglas. Mas, disseram-lhe que estava cismada por ciúmes, devido ao seu sucesso meteórico obtido junto ao grupo. 



Laila era uma das participantes mais atuantes. Diuturnamente, escrevia e postava algo. Escritora de grande talento a contrastar com sua baixa estatura e corpo franzino em harmonia com o semblante de menina a esconder sua verdadeira idade. Morava sozinha desde que se mudou para  Alemanha.


Cláudia notou que há dois dias Laila  não postava nada. Estranhou tal fato que nunca tinha acontecido. Talvez estivesse doente. Olhou que a última vez em que esteve “on line” tinha sido há mais de dois dias. Sem sucesso, tentou contato via telefone, pois encontrava-se sempre fora de área.


 
No dia seguinte, como continuava sem notícias de Laila,  resolveu falar com o filho dela. Após algum tempo insistindo, finalmente conseguiu localizá-lo em Londres, onde passava férias com o filho. Surpreendeu-se com sua atitude, diante do sumiço da mãe, ao não demonstrar preocupação com ela. Depois, contou-lhe que há anos não mantinha contato com a mãe.




Ao desligar o telefone, Cláudia sentia vertigem. Lembrava-se de ter visto Laila postando fotos para o filho, de contar histórias sobre passeios de férias com ele e o neto em Berlim, chegou até mesmo a mostra fotos do neto e dizia passar horas o ouvindo falar um “português” arrastado ao telefone. Toda essa história estava muito estranha.



Resolveu falar com Olga - uma colega do grupo muito próxima  à Laila. Como ela não atendia ao telefone foi até a escola onde era coordenadora pedagógica.
Ao chegar à escola, surpreendeu-se ao saber que ela tinha tirado uns dias de folga para visitar um tio, que morava  em São Luiz e faria uma cirurgia.


 
Cláudia sentia o mundo girar à sua volta. De repente percebeu que conhecia muito pouco sobre aquelas pessoas com quem convivia diariamente. Por que ela viajou sem dizer nada?  Olga era muito centrada e organizada. E Laila? Porque mentiu sobre a relação com o filho e, principalmente, sobre o neto, que segundo seu filho, ela  mal conhecia.

 

Observou que Olga  estava “on line”. - Ótimo!  Pensou Cláudia.  - Agora, iria  “tirar a limpo“ essa história. Provavelmente, tinha sido realmente um caso de saúde urgente o que fez com que Olga viajasse sem avisar e,  provavelmente,  Laila estivesse com ela.


 
 
Ricardo era o mais prestativo de todos. Tinha sido delegado na cidade de Floriano antes de se aposentar por causa de um acidente de trabalho,  que o deixou em cadeiras de rodas. Desde que se aposentou passou a dedicar-se à literatura.
Entrou em contato com ele solicitando sua ajuda. Após contar-lhe todo o acontecido, ele se comprometeu a investigar o caso, inclusive, com ajuda de alguns amigos na polícia.



 
Horas depois, Cláudia recebe uma ligação de Ricardo demonstrando grande aflição em sua voz.



- Cláudia! É melhor você vir até meu apartamento! Preciso te mostrar algo. Acredito que o grupo todo corre perigo.  Você tem razão, o novo integrante...  não é quem pensamos ser.


 
-  Homem! Conte logo o que você descobriu antes que eu morra! Sou hipertensa! Estou indo, mas vá falando logo.



 
Ricardo continuou:



 
- As histórias contadas nos seus livros são reais. São escritas à medida que acontecem. Encontramos no apartamento dele uma lista com os nomes dos participantes do grupo. O primeiro nome é o da Laila, em seguida,  vem Olga. Outra coisa, Laila fazia tratamento contra depressão. Ela sofreu um acidente de carro por ter dormido ao volante, no qual perdeu um neto e a nora. O tio de Olga está passando férias  com a família nos lençóis maranhenses e o celular dela  foi encontrado por uma criança próximo à escola em que trabalha.  Contudo, tem algo ainda mais grave... Conto  assim que chegar.


 
- Ricardo... Disse Cláudia com voz trêmula.  Quem é a próxima da lista? ... Ele não respondeu.
 
Entendeu seu silêncio como a confirmação que ela seria a próxima a desaparecer. Precisava fazer algo! Sem esperar pela resposta, Cláudia acelerou o carro em direção ao apartamento de Ricardo. Aquilo não podia ser real, duas participantes estavam desaparecidas e ela com certeza era a próxima.



 
Chegando à casa de Ricardo - como já conhecia o lugar, subiu apressadamente as escadas, sequer se identificou. Não se tocou do esforço que seria subir até o  vigésimo andar. Ao chegar, encontrou a porta entreaberta e sem pensar, adentrou bruscamente. Nesse instante, impulsionada por uma forte rajada de vento, a porta bateu  com força, fazendo com que Cláudia soltasse um terrível grito de susto!




- Pelo amor de Deus, Ricardo!  Conte—me o que está acontecendo. Disse Cláudia, ao passar o susto.  Só então, percebeu que o apartamento estava vazio e com forte  cheiro de mofo. O local parecia estar fechado há muito tempo. Onde estaria Ricardo? Acabara de falar com ele ao telefone. Observou  ainda, que na pia tinha restos de comida apodrecida sendo consumida por algumas baratas. A cama dava sinais de não ter sido utilizada ultimamente. Não conseguia entender porque ele mentiria para ela! 
   

Cláudia saiu o mais depressa possível daquele ambiente, sabia que sua vida corria perigo. Iria à polícia, contaria tudo que estava acontecendo desde que Douglas entrou para o grupo. Estava certa ao desconfiar dele, se tivesse seguido sua intuição! Ricardo devia ter descoberto algo muito grave e por isso ele tinha mudado a ordem da lista dando sumiço nele primeiro. Ela com certeza seria a próxima.



Desceu as escadas correndo.  Sentia as pernas bambas e falta de ar! Mas precisa chegar até o carro.  Tentou colocar as chaves na ignição, mas o nervosismo a atrapalhava. Quando finalmente conseguiu  e já dava a partida no motor, viu pelo retrovisor do carro alguém vindo em sua direção. Era Ricardo, mas como podia ser? Andava normalmente carregando um pacote em uma das mãos. Parecia ser um saco de pão. Naquele instante, seus olhos - ativados pelo reflexo do sol  de  mais de 40 graus de Teresina no B-R-O-BRÓ,  perceberam o brilho  de algo semelhante a um revólver escondido debaixo do saco de pão. Cláudia já não sentia mais as próprias pernas! Se deu conta que tinha subido e descido quarenta andares  de escada, não tinha mais forças pra correr. Só lhe restava encarar a triste realidade: morreria ali.



Como última tentativa  pegou o celular e viu no grupo de escritores do Whatsapp  que  Douglas estava on line, sua única chance era pedir ajuda. Digitou rapidamente  no celular:


Socorro! Me ajude! Eu não quero morrer.


 
******

Já estava no quinto café. Queria continuar a escrever, mas tinha que dormir um pouso. Estava no "ar "há mais de 24 horas. O raciocínio já estava lento, embora estivesse muito empolgado com a história. O sono era tanto que deixou o computador ligado. Enquanto isso, na tela aparecia a  seguinte frase: Socorro! Me ajude! Eu não quero morrer.


Continua


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