A Vingança de Frederico
O que se escondia por trás do sorriso meigo de Elisa, Valter só viria a saber algum tempo depois. Ah, os dias vividos com intensidade libidinosa poderiam ter transcorrido de outro modo, não fosse Frederico. Ah, Frederico de olhos inquisidores!
Valter encontrava-se no Carmo, antigo cemitério da histórica São João del Rei, em busca do melhor ângulo, para registrar em fotos preto e branco as centenárias catacumbas, por encomenda da revista Mistérios, quando uma moça aproximou-se com um sorriso suave, espargindo um doce perfume, que se misturou ao das coroas de flores depositados nos túmulos.
Valter devolveu o sorriso, por gentileza. Continuou seu trabalho. A menina afastou-se delicadamente, enquanto lançava um olhar furtivo ao fotógrafo.
Em seguida abandonou o local com passos leves, para observar as sepulturas, situadas no adro da catedral. Valter, como se levado por uma força misteriosa, seguiu em sua direção, encontrando-a ajoelhada frente a uma catacumba... O fotógrafo da revista Mistérios permaneceu em silêncio respeitoso. Segundos depois, Elisa ergueu o rosto, enxugando tênues lágrimas.
- Tudo bem com você - perguntou, oferendo-lhe um lenço.
- Tudo bem. É o túmulo de meus avós paternos. Meu avô era uma pessoa maravilhosa. Muito importante em minha vida. Ah, como tenho saudades...
Depois das apresentações e um breve diálogo sobre lembranças recíprocas, atividades cotidianas, a conversa fluiu com empatia, embora Elisa se apresentasse tímida. Valter, experiente e talhado, conseguiu deixá-la relativamente à vontade. Ficou encantado com a beleza da garota.
Combinaram encontrar-se à noite no Teatro Municipal. Ao se despedir, Valter acariciou-lhe o rosto. A garota fechou os olhos, enquanto as mãos do fotógrafo se movimentavam suavemente sobre a tez macia. Reprimiu o desejo de abraçá-la, pois estava confiante que a teria sobre sua cama nesta noite, que chegou quando o sino da catedral badalou sete vezes.
Elisa calçou as luvas vermelhas; pintou-se, boca vermelha de batom, cor de sangue... Elisa rubra! Sorriso tímido, lábios carnudos, ingênuos... E um sorriso esplêndido. Valter desceu do carro, parou para contemplá-la, distraída olhando os cartazes. Postou-se atrás de uma pilastra, observando-a inteira, imaginando vê-la nua sobre lençóis macios.
- Olá, espera alguém? - disse antes de ela se virar.
- Ai, você me assustou, respondeu, coquete, exibindo a face corada.
Abraçaram-se ternamente. Valter sentiu o perfume inebriante.
- E então, encontrou a casa dos sonhos? - indagou Elisa.
- Obrigado, comprei, graças a você!
- Ah, fico feliz, seremos conterrâneos.
Esta era a quarta vez que Valter ia a São João del Rei, à procura de uma casa para comprar. Depois de visitar várias cidades e distritos da região, decidira por São João. Ao conhecer Elisa, no Cemitério do Carmo, contou-lhe o desejo de de deixar a capital. Depois de algumas informações, ela sugeriu o bairro. Encontrou a casa ideal. Pequena, aconchegante, com jardim e garagem. E uma edícula. Onde viveriam momentos de intensa volúpia.
- Vamos entrar, sugeriu Valter.
- Ah, sim, vamos! - concordou a menina, enlaçando a mão do fotógrafo da revista Mistérios.
Mas saíram do teatro antes de terminar o primeiro ato. Valter alegou que a peça era ruim, atores terríveis, para ficar a sós com Elisa, que aceitou os argumentos sem protestar. Ligou o carro. Instintivamente dirigiu-se ao motel, que mapeara ao andar pela cidade. A garota ficou com um misto de vergonha e surpresa.:
- Você é louco! Como ousa... Ah se Frederico souber! e sorriu, cobrindo a boca com ambas as mãos.
- Ah, desculpa, nada vai acontecer sem o seu consentimento...
Ela retrucou:
- Poderia ter me perguntado se...
O fotógrafo olhou-a, fingindo vergonha:
- Verdade, peço desculpas, vamos a outro lugar...
A garota colocou o indicador entre os lábios, mordendo-o com sensualidade:
- Se tivesse me convidado, como um gentleman, quem sabe...
E muito à vontade, por favor, traga-me um espumante, ordenou, deixando à mostra uma coxa bem torneada.
Foi uma noite alucinante. Tudo começou com suavidade, beijos, seguida, por favor, traga-me outro espumante, ordenou, erguendo ligeiramente o decote em carícias. Elisa tinha o frescor da juventude. Seios pequeninos, rosados. Beijou-a da cabeça aos pés, depois de despi-la demoradamente. Elisa correspondeu na mesma medida. Deixou-se despir languidamente, contorcendo-se, enquanto percorria a língua nos lábios, emitindo gemidos de prazer. A língua de Valter passou por todo corpo da moça, estacionando em cada curva, até ir de encontro ao pequeno orifício rosado, onde saboreou o precioso líquido com toques suaves de língua... Foram horas de prazer intenso.
Antes de entrar em sono profundo, ouviu o sussurro de Elisa:
- Durma querido, ficarei acordada velando seu sono... O amante não chegou a ouvir as últimas palavras: "Fre-de-ri-co, por favor, esconda suas garras de ciúmes...".
Acordou em estado letárgico, sob efeito do sono.
- Elisa, amor, cadê você?
Silêncio. Esfregou os olhos, chamou de novo. Nada. Levou um susto ao ver a imagem refletida no espelho: tinha arranhões nas costelas. As costas estavam lanhadas, pequenos coágulos. Quero mais arranhões, doce Elisa, pensava olhando as marcas, com um leve sorriso. Após um telefonema, tudo foi esclarecido. Elisa precisava trabalhar nesta segunda-feira de chuva fina. Valter aproveitou o dia, para legalizar o imóvel. Foi à imobiliária, ao cartório, assinou documentos. Providenciou a compra de alguns móveis e pediu urgência ao gerente: "principalmente a cama, preciso dela instalada antes do anoitecer."
Nas noites seguintes, amou como nunca amara na vida. Sentia-se incomodado pela diferença de idade. Trinta e três anos! Aplacou a consciência, pois a garota, além de maior de idade, entregava-se ardorosamente. Seis firmes, pele lisa, tênues fios de cabelos louros nas pernas delicadas. O corpo todo lanhado era prova de que estava dando-lhe prazeres. Elisa se recusou a dar satisfações sobre Frederico. "Frederico é assunto meu, por favor..." E se recusava ir além disto. O fotógrafo se conformou. Mas o ciúme o roía por dentro.
- Frederico é importante em minha vida, não o abandonarei por nada, por na-da, entendeu?
- Tudo bem, não toco mais nesse assunto, só queria entender porque você nunca está presente para tomarmos o café da manhã...
Em apenas uma semana, surgiram os primeiros conflitos. Mas o desejo de ambos era maior, camuflando a tensão. Elisa o levava às alturas.
- Elisa, Elisa! farei de tudo, para que seja só minha... Você revigorou minhas energias, menina, agora será minha...
- Sua? Está louco?
E saiu, deixando-o a sós, pensativo.
Em apenas três semanas de volúpia, Valter transformara-se em outra pessoa. Emagrecera, tinha os olhos roxos por conta das noites mal dormidas; raramente saía de casa e ao sair precisava cobrir-se todo, para esconder os arranhões, que atingiam o pescoço e o rosto. "Elisa, Elisa, venha, não espere a noite chegar."
Ao chegar, já noite, a moça fazia exigências e o fotógrafo, obediente, satisfazia os desejos libidinosos da mulher amada. E se entregavam ao coito de todas as formas, sem peias, sem freios. As unhas da mulher, cada dia mais afiadas, enterravam-se em sua pele, abrindo chagas.
Até que chegou a noite decisiva, que transformaria completamente a vida de Valter. Elisa entrou, salto alto, saia curta expondo as coxas grossas, linda e sedutora, acompanhada de Frederico...
- Não é possível, por quê isso agora, Elisa? perguntou Valter, com raiva. Engoliu a seco os argumentos da amada...
Sabe, amor, dizia acariciando o fiel companheiro, eu o trouxe para conhecer o Valter, o misterioso fotógrafo... Não vale uma unha sua. Jamais te trocarei por ele, ou outro homem qualquer.
Frederico estava irritado, disposto a atacar o rival, mas Elisa o acalmou, com meiguice. Valter recuou diante dos olhos esbugalhados de Frederico.
- Elisa, oh minha adorada Elisa, peça o que quiser... falou enquanto a mulher ordenava a Frederico que permanecesse quieto.
Devagar e sensual começou a se despir, diante do olhar apreensivo do amante.
- Veja Frederico, faço isso por você, pelo nosso amor, para que cumpra o seu instinto.
Foi se despindo lentamente, ao ritmo de bolero de Ravel. Valter não desviava os olhos e se despia no mesmo ritmo da amada. Frederico observava, com olhos injetados. Elisa, inteiramente nua, seios empinados, aproximou-se lentamente da cama... Deixou Valter beijar-lhe o sexo, os seios e se enroscaram na cama, lençol e travesseiros caíram, gritos de prazer ecoavam, enquanto Frederico observava. A música crescia...
- Elisaaaaaaaaaaa! Valver gritou como nunca gritara. Um grito pungente, que obrigou Elisa a cobrir-lhe a boca, com receios de ser ouvido pela vizinhança, enquanto Frederico arrancava-lhe os olhos, no exato momento em que o clássico de Ravel estava no ápice.
- Minha doce Elisa, urrou o amante com um misto de prazer e dor, tudo está escuro, não sinto meus olhos, o que aconteceu?
Elisa beijou-lhe a face carinhosamente:
- Ah meu amor, foi Frederico, louco de ciúmes, mas não se preocupe, cuidarei de você, não o abandonarei nunca.
- Não me abandone, querida, não viveria sem você, implorava Valter, enquanto Elisa estancava o sangue, fazia curativo e o acalmava, depositando os seios em suas mãos:
- Está tudo bem querido, serei sempre sua doce criança...
Durante o período em que Elisa cuidava de Valter, Frederico perseguia um rato, que tentava, desesperado, escapar das garras do felino.
Este conto integra a coletânea A Moça do Violoncelo - Edição do autor - 2015, que tem ainda Estrelas - poesias. Dois livros em um.
Outras Publicações do autor:
1 - Nas Águas do Arrudas - poesias - 1984
2 - As Três Estações - poesias - 1987
3 - O Comedor de Livros - poesias - 1991
4 - Crônicas do Cotidiano Popular - 2006
5 - Filhos da Terra - crônicas, contos com fechos poéticas - 2009
6 - Todos os Dias são Úteis - poesias - 2009
7 - Palavras de Amor - poesias - 2011
8 - Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros - 2012
9 - Prova de Vida - 2021