Cuore ingrato...

Sua fidelidade, nunca questionei. Era sincera, e sempre presente, indiferente aos meus momentos aflitivos, ou d´alguma fugaz alegria. E na minha viuvez foi que mais ela viu vez. No fundo, no fundo, queria estar a meu lado, mas pode ser que não fosse só isso. De companhia, também carecia. Até e mais quando o dia se ensombrecia.

Mas no meu mais recôndito âmago, eu buscava me distanciar dela. Inventava mil desculpas mas se meu intento lograva era tênue, quase diáfano, e logo se dissipava. O silêncio dela, contudo, é que mais me encabulava. Ou encaburlava...?

E no entanto, eu não me dava à pachorra de a questionar, querer em seu espírito adentrar e desvendar-lhe os medos, os segredos, por certo azedos, e até sem enredos.

Não sei porque cargas d´água, passei a nutrir por ela um certo asco, que foi crescendo, crescendo, como naquela bela ária do Barbeiro de Sevilha, ...La calunnia è un venticello... que, na impossibilidade de soltar minha voz, passei a solfejar, atroz...andando cada vez mais veloz, e aí me veio a idéia, torpe, reconheço, de a eliminar e aí era a vez de recorrer a um Sparafucile, de Rigoletto, para consumar minha sordidez...

E ele o fez. Mediante pagamento antecipado, àquele borghignone desalmado. E quando num saco a levei para me desfazer do inerte corpo, ahimé, ouvi sua voz, renascendo, pulsando, como o Materno Coração...era ela sim, de volta, a Solidão...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 30/06/2018
Reeditado em 30/06/2018
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