MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 19
Naquele dia Mariana não saiu. A tarde passou lentamente enquanto ela se preparava para o que ia fazer. Quando caiu a noite e quase não havia ninguém caminhando pelas ruas da cidade, Mariana abriu a porta de casa.
O tempo estava bom, bem diferente da noite gélida em que empurrara Felipe Mateus para dentro do Lago da Neve. Dentro do seu carro Mariana sentia o coração bater mais que o esperado. Precisava fazer aquilo. Algo lhe dizia que poderia dar certo. Não custava tentar.
Quando se aproximou das imediações de Castelo de Pedra, Mariana escutou uma doce música no ar. Naquela noite havia crianças brincando na rua e vizinhos conversando nos seus jardins. Ela se sentiu mais feliz, mais leve, mais animada. Sensações que há muito lhe eram desconhecidas. Segurou mais firme o volante e acelerou o carro. Não podia perder tempo.
O som do piano acompanhou Mariana enquanto ela subia com o carro o caminho de pedra que levava à hospedaria. Lá em cima o local estava iluminado. Havia uma festa.
Ela saiu do carro, encantada. Arrependeu–se de não ter colocado um vestido apropriado para a ocasião. Caminhando como se estivesse nas nuvens, a porta da hospedaria se abriu para Mariana entrar. Os olhos brilhantes de Mariana combinavam com o esplendor do lugar. O sorriso espontâneo chamou atenção dos convidados. Quem seria aquela mulher tão bela?
Mariana deslizou até a entrada do salão. Mais ao fundo um rapaz louro e compenetrado tocava uma bela música ao piano. Ela deixou–se ficar ali, extasiada, observando a cena. Havia luzes e alegria. Mariana não queria mais sair dali.
Então o homem que tocava piano olhou para trás e os olhos de ambos finalmente se encontraram. Ele sorriu quando viu Mariana tão próxima, e se levantou. A música continuou tocando enquanto Felipe Mateus se aproximava lentamente. A expressão do seu rosto era tão feliz quanto a dela.
Felipe pegou a mão de Mariana e a puxou para o meio do salão. Mariana encostou seu corpo no dele e ela sentiu todas as lindas emoções novamente. Trinta anos não haviam sido nada. Estavam juntos outra vez. O casal rodopiou pelo salão iluminado e não houve necessidades de palavras quando os olhos deles se encontraram.
“Vamos ficar juntos para sempre.”.
A voz de Felipe ecoou pelo espaço e Mariana apenas balançou a cabeça fazendo que sim. Juntos novamente. E em paz.
*
A tristeza de Clarissa foi substituída por certa tranquilidade no outro dia pela manhã. Abriu as janelas e se emocionou quando viu o sol brilhar forte. Havia contado para Dona Iara no dia anterior que Mariana havia voltado e a avó resolveu visitá–la com um doce de abóbora como presente de boas–vindas.
Por volta das 11 horas da manhã Clarissa e Dona Iara pararam frente à porta de Mariana. A garota tocou a campainha e ambas aguardaram. Ninguém atendeu. Dona Iara comentou:
– Acho que ela saiu.
Clarissa foi até a janela da casa e espiou para dentro. Alertou:
– Vó, a luz da sala está acesa. Acho que ela está em casa, sim.
Os gatos viram Clarissa na janela e se aproximaram da vidraça. Ela percebeu que os animais estavam esquisitos.
– Que coisa... – murmurou a garota. – Eles parecem estar com fome.
Os miados eram escutados do lado de fora e Dona Iara se aproximou da neta. Um dos bichanos chegou a arranhar o vidro.
– Mas o que está acontecendo com os gatinhos? – Dona Iara também achou esquisito. – Eles parecem estar nervosos.
– Será que é fome, vó? – Clarissa começou a sentir um aperto no peito.
– Fome? Mas Mariana chegou ontem. Ela deve ter alimentado os bichos.
Dona Iara bateu com força na vidraça. Ambas esperaram mais uns dois minutos e nada aconteceu. Os gatos não paravam de miar.
– E agora, vó? – Clarissa percebeu que sua respiração estava ofegante. – Talvez ela tenha saído.
Mas quando olhou para Dona Iara, Clarissa percebeu que o semblante da avó estava pesado. Isto assustou mais ainda a jovem.
– Force o vidro, Clarinha. Veja se ela está trancada.
Clarissa forçou a vidraça para cima e ela se moveu facilmente. Aparentando nervosismo, Dona Iara disse:
– Entre, Clarissa, e abra a porta para mim. Mariana não vai se importar.
A garota entrou com facilidade dentro da casa de Mariana. Lá dentro parecia tudo normal. Não havia nada fora do lugar. Os gatos rodearam Clarissa, miando, exatamente como faziam quando ela chegava para lhes dar comida. Tensa, ela foi até a porta e a abriu para a avó.
– A casa parece estar vazia, vó. Talvez tenha ocorrido alguma emergência e Mariana tenha saído com pressa. Não teve nem tempo de dar comida pros bichos.
Nem mesmo Clarissa se convenceu do que havia dito. Dona Iara e ela se encararam por alguns instantes pensando no que deveriam fazer.
– Fique aqui embaixo – disse Dona Iara, determinada, colocando o doce sobre uma mesa. – Vou lá em cima ver se está tudo bem.
Um arrepio percorreu a espinha de Clarissa. E se houvesse algum bandido mantendo Mariana refém, presa no quarto? Nossa, podia ser perigoso demais!
– Vó, não é melhor chamar a polícia?
– Para quê? Não descobrimos nada ainda! – Dona Iara tentou fazer graça, mas sem sucesso.
– Vou com você.
Dona Iara começou a subir as escadas com pressa, tendo Clarissa ao seu encalço. No corredor que levava aos quartos e outras peças estava tudo calmo, tanto quanto no piso inferior. A porta do quarto de Mariana estava fechada. O coração de Clarissa dava pulos.
– Você vai abrir a porta? – perguntou ela, baixinho.
– Claro – Dona Iara mostrava apreensão. – Talvez ela esteja doente, incapaz de se levantar.
A senhora aproximou–se da porta e antes de abrir respirou fundo. Clarissa chegou por trás da avó e olhou por cima do seu ombro. Mariana dormia calmamente na sua cama, de lado. A expressão serena dizia que estava tudo bem.
– Ufa! – suspirou Dona Iara. – Ela está só dormindo.
Clarissa, porém, não conseguia tirar os olhos de Mariana. Ela dormia abraçada com o diário junto ao peito. Havia algo estranho naquela cena.
– Vó – sussurrou Clarissa. – Ela não está se mexendo.
– Ela está dormindo.
– Acho que Mariana não está respirando.
Silêncio. Dona Iara engoliu em seco. Ainda parada na porta, ela subiu o tom da voz para chamar a amiga.
– Mariana! Mari, tudo bem?
Ninguém se mexia naquele quarto. Clarissa ficou desconfortável e sentiu o suor brotar na testa.
– E agora, vó?
– Mariana? – Dona Iara chamou mais uma vez e sua voz tremeu. – Seus gatinhos estão esperando você.
Clarissa se deu conta que lágrimas já escorriam pelo rosto de Dona Iara e ela própria teve que se apoiar no batente da porta. Lentamente, a senhora se aproximou da cama e a mão trêmula encostou no rosto da amiga. Ela ficou assim por alguns segundos até que Clarissa criou coragem e parou atrás da avó. Mariana parecia dormir suavemente, sem aquela expressão fechada que todos conheciam.
– Vó... Ela está...
Dona Iara puxou o lençol sobre a cabeça de Mariana com delicadeza.
– Vamos deixar que ela descanse em paz.