1050-O DINAMITADOR - FINAL.
O DINAMITADOR
2ª. PARTE
Seria Micha um retardado com a capacidade única de lidar com explosivos? Era a imagem que passava aos seus companheiros de crime, todos broncos como ele ou até mais. Não era uma atitude que tomava conscientemente e que enganava até mesmo o chefe da quadrilha.
Porém, era apenas uma faceta de sua personalidade. Tinha suas ideias próprias e queria sair daquela situação, desejava um dia ter seu dinheiro e sua independência, longe dos riscos da criminalidade. Pensamentos bem diferentes dos comparsas, que viviam sem saber mesmo qual a finalidade de suas atitudes, de suas vidas.
No seu barraco, na favela do Mato Seco, tinha roupas melhores, tênis de marca, e entre uma ação e outra da quadrilha, vivia uma vida quieta e simples. Mas pensava. Isto era o diferencial entre eles e o resto da quadrilha.
Pensava no dia em que faria um assalto sozinho, pegaria muito milhões e sairia da quadrilha.
E pensava:
Vou fazer como o Durango falou. Esfregar limão no corpo, ficar invisível e poderei entrar até no Banco Central, sem ser visto.
Talvez tivesse, sim, uma falha mental, pois acreditou piamente na história de ficar invisível quando passasse limão por todo o corpo.
Tinha um caso com Dininha e gostava de sair da favela e dar seus giros pela cidade. A posse do celular era normal, a fim de receber as ordens do chefe, para planejamentos e ataques.
Para quem o visse, era um pequeno homem que não incomodava ninguém e que passava sem ser notado por entre a multidão. Um homenzinho comum, sem importância.
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Como nem toda maldade é castigada neste mundo, tanto os três perdidos no mato quanto o resto da quadrilha saíram ilesos. Ninguém foi preso. O único que ficou com uma sequela foi Micha, com ma ferida na perna que teimava em não fechar.
— Dininha, vai comprar mais uma dúzia de limão. Durango disse que limão é que vai me curar.
— Ocê é mesmo maluco. Onde já se viu?
Mesmo reclamando ela ia e trazia os limões. Enquanto espremia o liomão na ferida, aguentando sem queixa o ardume que produzia Micha ia se lembrando do que Durango dissera lá no ermo da mata:
“ Meu avô Belarmino dizia que se arguem pegar o cardo do limão e passar no corpo fica invisível. O que o véio falava, era batata. Ele sabia de coisa de índio, de preto véio, essas coisa que ninguém exprica”.
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Quando Micha recebeu aviso do chefe para um novo serviço, haviam passado três semanas, a ferida ainda estava aberta e Micha manquitolava um pouco, ao andar.
Enquanto colocava suas coisas na sacola, pensava:
É nesse assalto que vou conferir o que Durango falou. Vou levar alguns limão e passá antes. Vou até faze graça pros policia, que eles não vão me vê de jeito nenhum
E colocou uma dúzia de limões na sacola.
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Foi numa cidade do interior do Paraná. Outros carros já haviam sido providenciados (isto é, roubados) para serem usados na noite do assalto.
Micha foi na SUV Toyota, com três outros companheiros, além do motorista, Serjão. Quando começou a cortar os limões e a passar as metades pelo rosto, cabelo, pescoço, braços e pernas, os outros estranharam e começaram debochar.
— Qui é isso, sô?
— Tá ficando doido?
— É mandinga?
E Micha, continuando o ritual, concordou:
— É mandinga, sim. Oceis num sabe de nada.
Mas completou a esfregação e não revelou nada aos outros gozadores.
Quando estavam chegando à cidade é que atinou com um detalhe:
Mas as roupas não vão ficar invisíveis!
Daí, já se ouvia o tiroteio que anunciava a chegada dos assaltantes, a fim de assustar todos os moradores do centro, e a Van parou defronte o prédio do Banco do Brasil. Arrebentaram as fechaduras da porta de entrada com tiros de fuzil AK-47.
— Via, vai!
Micha e Marreco correram para a porta, escancararam e foram logo para os fundos da agência, onde estava o cofre, como usualmente acontece. Nas sacolas de ambos, a dinamite e algumas ferramentas necessárias à afixação das bananas explosivas. Na sacola de Micha, ainda restavam alguns limões.
Ao encontrarem o cofre, Micha tirou a camisa, a calça e a cueca. Partiu os limões com os dedos e foi esfregando pelo corpo nu, sob o olhar assustado de Marreco.
— Qué isso, sô. Tá Louco?
— Vai pondo as ferramenta e a dinamite no chão. Depressa, sô.
Não demorou muito na esfregação. Agora completamente nu, Micha pegou alicates e arames e começou a prender a dinamite nos pontos em que o cobre resistiria menos às explosões.
Marreco o ajudava, suando de medo e de excitação. Micha estava calmo e arrumou com perfeição o pavio, que estendeu até à porta, onde o acendeu.
— Corre Marreco!
Marreco entrou de um pulo na SUV, enquanto Micha saiu correndo, nu, atravessando a praça, sem se preocupar com o tiroteio, pois a policia já tinha chegado e atirava com seus revólveres.
— O Micha endoidou! Vamo imbora, deixa ele, a policia taí!
Enquanto o veiculo dos assaltantes disparava rua afora, ouviu-se o estrondo das explosões dentro do banco, que ocasionou quebra dos vidros e uma fumaça quente que saiu pelos vãos livres.
Micha ouviu o barulho e continuou correndo, satisfeito em atravessar invisível por entre o tiroteio.
Foi quando uma bala certeira o atingiu na cabeça, fazendo seu corpo rodopiar e cair de lado, braços e mãos estendidos, numa posição grotesca.
Iluminado pela luz amarela de um poste.
Completamente nu.
Completamente morto.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 12 de Abril de 2018.
Conto # 1050 da Série INFINITAS MILISTÓRIAS