Método comprovado

Vender a ideia da fábrica de pranchas de surfe para a prefeitura de Petrópolis, e conseguir uma saudável isenção fiscal, não foi particularmente difícil. Afinal, a Surf Trip iria criar 30 empregos diretos no município, entre produção e administração, talvez mais uns 20 indiretos e - cereja do bolo - construir por nossa conta um heliponto, que poderia ser cedido sem ônus para a prefeitura (e alugado para terceiros, a preços módicos). Meus sócios ocultos no empreendimento questionaram esta aparente e arriscada liberalidade, e eu expliquei a lógica da coisa:

- Vamos poder justificar a movimentação do nosso heliporto, inclusive pelo fato de que a prefeitura, a polícia e os bombeiros também irão utilizá-lo. É a cobertura perfeita.

E foi, como a prática do dia a dia comprovou. A fábrica e seu heliponto ficavam próximos à BR-040, em Itaipava, com vários hotéis, pousadas e um parque florestal nas redondezas. Passamos a receber um fluxo constante de helicópteros, inclusive de outros estados, e a operação começou a tomar forma. Em 2005, após 12 meses sem incidentes e com os principais mercados consumidores devidamente estabelecidos na América do Norte, Europa e Austrália, iniciamos a fase 2: exportar pranchas de surfe contendo cocaína adicionada à matéria prima.

O método havia sido inventado por Eduardo Montoya, um químico colombiano mais conhecido como "El Cocinero". Consistia em transformar a droga em pó (que recebíamos de helicóptero, via Bolívia) em cocaína líquida. Esta era usada para impregnar o poliuretano, empregado na construção das pranchas. No destino, o processo era revertido e a cocaína voltava a ser pó, com perda mínima do produto. Naturalmente, nem todas as pranchas em cada carregamento continham a droga em sua composição, já que tínhamos um negócio legítimo em mãos, mas, apenas para que se tenha uma ideia, numa prancha pesando cerca de 12 kg, conseguíamos injetar cerca de um 1/3 (ou 4 kg) de cocaína líquida, indetectável por raios X ou cães farejadores. Considerando-se que na Europa, um kg da droga custava em torno de 50 mil euros, uma única prancha nos rendia a bagatela de 200 mil euros. Meus sócios ficaram impressionados, mas ao mesmo tempo, comecei a ser pressionado para aumentar a escala do negócio.

- Calma, - retruquei - não vamos dar um passo maior do que a perna. Estamos faturando em torno de 10 milhões de euros por mês, apenas com a operação na Europa, e não quero atrair atenções indesejadas para uma fábrica no meio do mato em Petrópolis.

Um dos meus sócios, que havia vindo ao meu escritório em Itaipava, lembrou-me então de que pranchas de surfe não eram exatamente um produto de consumo de massa, e perguntou-me como ia a linha de surfwear da empresa.

- Vai bem, - informei - mas nem pense em impregnar roupas esportivas com cocaína líquida. Não compensa o risco.

- Não era bem essa a minha ideia - admitiu. - Mas o que me diria de criar uma linha de calçados esportivos?

- Tênis? - Inquiri.

- Eles podem ser feitos com poliuretano, não é?

Compreendi de imediato a extensão da coisa.

- Sim.

- E o que mais você pode fabricar com poliuretano? - Insistiu ele.

- A lista é imensa... - avaliei. - Assim, de imediato, consigo pensar em isolante térmico para construção civil, estofamento de móveis...

- Creio que está na hora de aumentar o portfólio das empresas de Rico Portella - sugeriu meu sócio. - Afinal, um empresário de sucesso como você, não pode se contentar apenas com uma fábrica de pranchas de surfe... no meio do mato em Petrópolis. Reflita!

E, já saindo do escritório, deu-me um tapinha paternal nas costas.

- [12-06-2018]