MULHER DE AREIA

Já era tarde, muito tarde, retornava de um costumeiro bate papo com os amigos, seguia pelas ruas mal iluminadas e desertas do subúrbio ferroviário. Seus habitantes, já dormiam há muito tempo. Os ponteiros do Orient azul no meu pulso, apontavam para o número doze. A lua se arrastava por trás das densas nuvens, na penumbra, mal podia ver meu caminho. As casas acanhadas e seus muros inacabados, completavam o cenário de abandono. As silhuetas escuras das árvores se movimentavam lentamente para um lado e outro, como fantasmas mudando de forma. Os cães latiam ao perceber o farfalhar dos meus empoeirados sapatos espalhando a areia.

Os músculos contraídos e os sentidos se aguçados de tal forma, que mesmo na penumbra, podia ver, sentir, e ouvir o menor ruído ao meu redor.

A rua que levava até minha casa, era de terra como todas as outras do subúrbio, as lâmpadas dos postes, quase não clareavam o chão sob elas, na verdade pareciam mais brasas amareladas. De qualquer forma, serviam para mostrar o que era caminho, e o que não era. O meu nervoso e insistente assobio me dava uma falsa sensação de segurança, e disfarçava o temor.

Já estava quase chegando ao casarão abandonado, o ponto mais ermo entre mim e a minha casa, sempre o observei com reservas.

De repente, surge um vulto a poucos metros a minha frente. De inicio meu coração disparou, a boca ficou seca como o Saara. Em seguida fui relaxando e consegui visualizar a minha inesperada companhia; uma figura feminina.

Usava um vestido longo e justo impecavelmente branco denunciando suas curvas sensuais e perfeitas. Seus cabelos ruivos chegavam até sua perfeita cintura. Não conseguia ver seu rosto completamente, mas, sentia que era angelical. Pensei... será magia? Uma mistura de medo e êxtase me envolveram. Com a voz tremula perguntei-lhe o nome, mas, ela não disse uma palavra, apenas sorriu virou-se e seguiu em direção ao casarão.

Então virou o rosto em minha direção, seus olhos cor de mel se encontraram com os meus. Senti-me como um peixe fisgado pelo seu faminto pescador. Meus pêlos arrepiaram as mãos e testa suavam exageradamente, era uma estranha sensação de dominação. Fiquei levitando por alguns segundos, e antes que eu conseguisse respirar, ela me acenou a segui-la, mas, no meu estado de torpor, apenas a observei.

Então, ali a minha frente ocorreu algo inimaginável.

Repentinamente um vento forte açoitou a rua levantando poeira, folhas, restos de lixo e papéis que rodopiavam velozmente para cima levados pelos endiabrados redemoinhos. Em meio a este cenário ilógico, ela parada sem desviar o olhar do meu, começou a esmaecer, como uma pintura a óleo escorrendo pela tela, desmanchou-se como se fosse parte da areia da rua, e desapareceu completamente entre as grades do bueiro.

Demorei alguns minutos para voltar daquele transe surreal. Jamais entendi o que realmente aconteceu. Depois disso, mudei meu caminho, e o casarão passou a ter outro significado para mim. A lembrança dessa mulher me persegue até hoje.