Anoiteceu
Seu Nelson deu ordem pra recolher boi, tralha, tudo; visto que a noite não demorava a chegar. Penso que a causa da escuridão robusta que engolia o dia mais cedo, se devia ao lugar. Uma cadeia de serra e mata virgem cercando o acampamento. As barracas erguidas bem no meio, com pouca distância de um braço de rio.
Em tempo, as coisas se ajeitaram. Os homens juntaram umas toras e acenderam a fogueira. Seu Nelson, o chefe, permitiu bebida e cantoria. Consentiu até conversa maliciosa.
Olhei de canto de olho, procurando por Otacílio. Como eu, ele também tinha preferido apartar do bando. O que não era nenhuma novidade. Agora eu entendia o motivo daquele afastamento constante. A companhia dos peões sempre trocada por ocupação. O riso amarelado quando o assunto era rabicho e safadeza. Sentado numa pedra lá longe, ele fazia a guarda.
Enrolei outro cigarro, com a cabeça naquele segredo que ia comigo pelo resto da vida. Diacho, como podia uma coisa daquela? Um sujeito de quase dois metros de altura, o homem de confiança do chefe. Só podia ser praga, castigo, não sei.
Vi o coitado levantar num repente. Tomou o rumo da vereda que ia dar na parte baixa do acampamento, mais pra dentro da mata. Recordei, mesmo sem querer, a noite passada. A lamparina alumiando a barraca com nós dois. Um roçar de mão só, sem nenhuma intenção, que tinha dito tanta coisa.
Juro que se tivesse pra onde ir, eu abandonava a comitiva e acabava de vez com aquele desconforto. Acontece que nem eu, nem Otacílio tinha pra onde voltar. Nossa casa era o lombo dos cavalos. Os homens tinham virado nossos irmãos. Eu ainda tinha uma esperança. Quem sabe, um dia, arrumar uma mulher e formar minha própria família? E Otacílio?
Gritaram meu nome, chamando pra cantar e beber. Enjeitei o convite e fiquei pensando na noite que parecia não ter fim.
O baque do tiro seco encerrou a risada e a cantoria. Todo mundo correu na direção da boca da mata. Fiquei no mesmo lugar, pra Otacílio a noite tinha acabado.