OS DEZENOVE DO FORTE DE COPACABANA

O senhor Camargo nasceu e viveu no Rio de Janeiro. Já aposentado, adquiriu o hábito de sempre às quartas-feiras frequentar sozinho a Confeitaria Colombo do Forte de Copacabana. Ele gostava do café, gostava dos doces, da vista do mar e, principalmente, lembrava da sua infância no Forte. Sua mente alcançava uma distância maior do que um possível disparo dos canhões Krupp ali instalados, cujas balas podem atingir vinte e três quilômetros... e lembrava do seu pai narrar o episódio da história do Brasil que chamaram de “ Os dezoito do forte de Copacabana”. Dezoito militares que, em 1922, saíram daquela confeitaria, para enfrentar um exército de oito mil homens. Enfrentaram e foram mortos. “Assassinados sem jamais se renderem. Permaneceram até o fim com o seu ideal democrático” – repetia o pai.

O menino Camargo sempre se impressionou com a história e sobretudo com o civil Octávio Correia: “Ele não tinha nenhuma relação com a causa... apenas viu o ato heroico dos dezoito militares, aderiu a rebelião, ganhou um fuzil Mauser e foi um dos primeiros a ser atingido pelo exército com um tiro no coração. Aliás, foi o único a receber o tiro no coração. Sua imagem está na foto histórica”.

O senhor Camargo cogitava: “Quais as ideias passaram na cabeça daquele civil e porque caminhou rumo ao fuzilamento? Brigara com a noiva e quis provar quando o amor pode vencer todas as guerras ou saiu bêbado de um cabaré, deslumbrou-se, passou por uma ressaca oceânica até chegar aquela refrega em frente ao mar. Estando a refrega a sua disposição porque não pedir um fuzil ?”

Na confeitaria era bom delirar.

Talvez por causa destas dúvidas, vindas da infância, no último domingo, dia 10 de abril, o senhor Camargo sentiu-se mal na Confeitaria e saiu dali com dores no peito. Caminhou devagar pelo mesmo calçadão da batalha, a mesma praia do início do século passado e as coincidências fizeram ainda mais sentido quando ele projetou estar na condição do segundo civil da revolta, o desconhecido vigésimo combatente. Sentiu isto e, muito mais decepcionado ficou porque não fora agraciado com o indispensável fuzil Mauser. O sr. Camargo caminhou duas quadras e, sem registros fotográficos, morreu na altura do Posto Três, atingido pelo projétil certeiro de um infarto.

O senhor Camargo tinha setenta anos. Deixa mulher e três sobrinhos. Seu primeiro nome era Otávio. O primeiro nome era outra coincidência. Uma estranha coincidência com o civil famoso que, em 1922, concluiu algo fácil de notar naquela altura da história do mundo: a vida se concentrara em filmes e fotografias.

DO LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 15/05/2018
Reeditado em 21/05/2022
Código do texto: T6337527
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