MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 13

Avô e neta saíram em torno das cinco horas da tarde. Clarissa sentia uma bola no estômago. Mal tinha conseguido almoçar e o avô até brincara que devia ser a emoção pelo fim da hospedaria. À medida que se aproximavam, Clarissa ficava mais nervosa. Não sabia o que iria encontrar. Um bairro cheio de vida e a hospedaria no seu esplendor? Ou um lugar abandonado, deserto, caindo aos pedaços? Tinha curiosidade em saber a reação de Mariana quando soubesse daquela notícia bombástica. Pobrezinha, certamente ficaria bem triste.

Ricardo atravessou o bairro devagar como se fosse um guia turístico para a neta. Ele apontava para as casas sem parar de falar um segundo:

– Este lugar foi, por um tempo, um dos mais belos da nossa cidade. Eu vinha com sua avó para passearmos. Era de um astral bom, as pessoas eram simpáticas e pareciam gostar de visitantes. Depois que a hospedaria quebrou ficou deste jeito.

– Têm poucas pessoas aqui... – comentou Clarissa lembrando da senhora com quem conversara da última vez. Olhou para os lados, mas não viu ninguém parecido.

– Não ficou um lugar muito bom para se viver. A maioria das casas está vazia porque ninguém se interessou em comprar. Quando o novo empreendimento for inaugurado tenho certeza que novamente será um lugar muito bonito de ser ver e morar.

O carro foi se aproximando devagar da hospedaria e Clarissa sentiu o coração bater mais rápido. De repente uma música suave invadiu o espaço ao redor deles.

– Vô... – disse ela bem cautelosa. – Estou escutando um piano.

Ricardo aguçou os ouvidos enquanto mantinha a atenção na via pública.

– Piano? Ué, mas o rádio não está ligado.

– A música está no ar, vô. Preste atenção.

O homem conduziu o carro em silêncio tentando escutar a música que a neta dizia ouvir. Lá pelas tantas ele comentou:

– Sim, parece que estou realmente escutando alguma coisa.

Ricardo parou o carro na frente da hospedaria. Não havia nada ao redor deles. Era como se só os dois estivessem naquele lugar. Depois de alguns instantes em silêncio, Ricardo disse olhando para o alto das árvores onde a hospedaria se escondia:

– Vem lá de cima.

Clarissa engoliu em seco. O som da música aumentou.

– Vô – ela tinha até medo de fazer a pergunta, – será que é verdade?

Ele olhou para cima, intrigado.

– Parece que sim. Esquisito isto, não?

– Demais – respondeu Clarissa, a voz tão baixa que o avô mal ouviu.

Então Ricardo acelerou o carro e girou o volante para o seu lado esquerdo. Clarissa levou um susto.

– Vô, o que você vai fazer?

– Ir lá na hospedaria. Alguém está tocando piano em meio às ruínas.

Foi com o coração explodindo dentro do peito que Clarissa subiu com o avô o caminho de pedras. Medo e curiosidade se misturavam. Ele também parecia excitado com aquela perspectiva. Afinal, fazia uma eternidade que Ricardo não ia até a hospedaria.

– Não fique com medo – tranquilizou ele. – Não deve ter ninguém por lá.

Mas Clarissa sabia que tinha. As meninas brincando, a senhora sentada no banco, o pianista tocando sua música para o amor que deixara. Ela só não sabia se o avô seria capaz de ver todas estas pessoas.

Ou fantasmas.

O carro avançou com cuidado e logo parou frente à hospedaria. Quando Ricardo viu o estado em que se encontrava o lugar, chegou a suspirar de tristeza.

– Nossa, olha o estado que isto aqui ficou.

Clarissa ficou em silêncio. O som do piano continuava mais forte agora. Ricardo abriu a porta do carro. Os últimos raios do sol daquele dia começaram a passar entre as árvores, causando um belo efeito visual.

– Ainda existe alguma beleza aqui – disse ele, pensativo. – Antes que venha uma patrola e destrua com tudo, eu preciso me despedir e descobrir quem é o pianista.

O homem saiu do carro e Clarissa o imitou. Aos ouvidos de Clarissa chegavam também, além do lindo som do piano, ruídos de vozes das crianças. Seriam as menininhas? Ricardo avançou alguns passos sendo seguido pela neta.

– Uma pena terem deixado chegar a este ponto – concluiu ele para ninguém em especial.

Clarissa vinha logo atrás. O som do piano se mantinha firme.

– Vô, estou escutando vozes.

Ele se voltou para a neta, desconfiado.

– Não ouço nada, Clarinha.

A jovem apontou mais para frente.

– Acho que vem de lá.

Avô e neta caminharam mais um pouco. Clarissa espichou os olhos e teve a impressão de avistar um vestidinho rosa se movimentando entre as flores mais adiante. Uma risada cristalina e depois tudo silenciou. O coração de Clarissa batia cada vez mais forte.

– Vô, o senhor escutou?

– O quê?

– A risada. Parece que tem uma criança aqui por perto.

Ele não respondeu. O que lhe intrigava mesmo era o piano.

– Alguém está tocando piano por aqui – murmurou ele indo em direção ao salão.

As pernas de Clarissa estavam tão bambas que ela imaginou que não conseguiria acompanhar o avô. Então, subitamente, ele parou.

– Olhe – apontou ele para o salão. Havia um vão no lugar onde Clarissa havia tocado na madeira que desabara depois. – Acho que o som vem dali.

Além da janela só havia a escuridão. Era como se fosse um grande buraco negro pronto para engolir quem se aproximasse. Definitivamente, Clarissa não queria que o avô chegasse perto do salão.

– Vô, não se aproxime. Não sabemos o que tem lá dentro.

Ricardo pareceu considerar aquela questão, apesar do som do piano continuar cada vez mais forte. Outra risada infantil se fez ouvir novamente. O homem deu a volta em torno de si, assombrado.

– Clarinha, acho que não estamos sozinhos aqui em cima.

Clarissa se arrepiou. Quando olhou para o avô percebeu que ele estava um pouco nervoso.

– E agora?

– É melhor sairmos daqui.

Ricardo pegou a neta pelo cotovelo e ambos rumaram apressados para o carro. Clarissa sentia medo de verdade. Não era sua imaginação. O avô escutara as mesmas coisas que ela. Assim que deu a partida no motor, Ricardo comentou, tentando fazer graça para descontrair o ambiente pesado que se formara:

– Acho que os fantasmas irão ficar sem casa quando passarem as máquinas por cima das ruínas.

Mas Clarissa não teve vontade de rir. Quando ela olhou para frente teve a impressão de ver um movimento entre as árvores. Não era nenhuma das meninas. O vulto era maior e se movia com mais rapidez.

– Vô, tem alguém ali atrás!

Ricardo não se deu ao trabalho de olhar para ver o que era. Se fizesse isto talvez conseguisse visualizar Felipe Mateus encarando-os com seus belos olhos tristes. A música não tocava mais. Clarissa segurou um grito enquanto o avô descia em alta velocidade o caminho das pedras. Os dois mal respiravam. Quando chegaram lá embaixo, apesar de mais aliviados, Ricardo não pensou em desacelerar o carro. Foi com urgência que deixaram o bairro, mas, antes de sair de lá, Clarissa reparou que havia luzes brilhantes entre as árvores no alto da hospedaria.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 07/05/2018
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