O vermelho-azulado do séu assemelhava-se ao crepúsculo da última hora e à aurora do último dia. Um bando de pássaros voavam sobre a cabeça do visitante. Algumas espécies conhecidas. Outras, nunca vistas na Terra.
Ariano passou a mão em seu corpo. Não sangrava, não doía... Cenas do juízo particular desfilaram em sua mente:
Viu sete anjos e sete candelabros em volta de suntuoso trono. No meio dos candelabros, alguém semelhante ao Filho do homem, dizia: ‘Vai e toma o pequeno livro aberto da mão do anjo que está sobre o mar e profetiza de novo a numerosas nações, povos, línguas e reis.'
Olhou para baixo e viu traficantes disparem saraivada de tiros contra pessoas que bebiam numa barraca de esquina na rua Ceará em Vila Mimosa. A polícia conta os mortos: sete. Alguns sem documentos foram reconhecidos por prostitutas como sendo o índio Arualdo Tupixá. Turíbio Soberbo, e Capistrano. Também o coronel Hostilio Habran estava morto.
O índio Arualdo fugia da perseguição de um ajo torto, que queria arrastá-lo para as profundezas do abismo. Mas, em seu socorro, um homem chamado Juan, pegou-o pelo braço e o levou a uma mulher, com feições indígenas.
— Virgem de Guadalupe, este é teu filho, disse Juan.
— A Mulher colocou seu manto sobre a cabeça de Arualdo, e quando ele despertou, ouviu o som de música celestial. Anjos enfileirados formavam o corredor de entrada, e em coro, entoavam cânticos de louvor a Deus.
A porta era estreita, e ao lado dela, um ancião controlava o acesso, girando uma chave, ora para a esquerda, ora para a direita, de modo a abrir a porta ou fechá-la conforme o sentido que girava a chave. O homem grisalho perguntou:
—Quem é você?
— Caburé.
—Diga seu nome de batismo.
— Arualdo.
A porta se abriu.
— Entre. Disse São Pedro.
— Juan, quem é este outro?
— É o padre Davi. Ele tem proteção e recomendações expressas da Virgem Imaculada.
— Mande entrar.
Cavalgando um jumento, chega vindo das bandas da Paraíba, um homem magro, com ar de intelectual. Desce da montaria e se senta na pedra do reino.
— Levante daí.
— Oxente! Fui avisado de que minha festa dos noventa é aqui.
— O Senhor ficou três anos procurando o caminho. Foi chamado aos oitenta e sete. Está atrasado.
— Deus vos salve relógio que anda atrasado, no cumprimento do ofício, porque serviu de sinal ao Verbo Encarnado — disse Ariano.
São Pedro riu.
— Amarre esse jumento lá fora e pode entrar. A Compadecida já mandou preparar o banquete. São muitos convidados.
Ariano levou muito tempo cumprimentando um por um. Até o cangaceiro veio-lhe render homenagem. O padeiro fez questão de que o convidado experimentasse o pão do céu. João Grilo tocou gaita e Chicola dançou, fazendo graça. Padre Davi ficou calado. De longe, acenou com a mão. Estava acompanhado de muitos fiéis da Igreja, bem como de alunos e professores do Marista. Todos sentados em torno de uma enorme mesa, como se estivessem numa reunião do Conselho de Classe. Ao redor havia vinte e quatro tronos, e neles, sentados, vinte e quatro Anciãos vestidos de vestes brancas e com coroas de ouro na cabeça. Três homens que tinham uma só feição e um só rosto, aproximaram-se dos recém-chegados.
Terminada a ceia, Davi foi convidado por seu anjo da guarda a passear no jardim. Passou por um corredor estreito que dava acesso a uma grande sala, onde a assembleia dos justos, embora em outro lugar, participavam da mesma ceia.
A mesa assemelhava-se ao altar do grande sacrifício e dela saia um feixe de luz que iluminava toda a Terra. Depois disso, o padre viu uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se de pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão. Em seguida, ouviu-se um coro de anjos que dizia: ‘Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do universo. Os céus e a terra proclama vossa glória. Hosana nas alturas’.
***
Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."
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