MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 12

Ela chegou na casa da avó e foi direto para o quarto. Dona Iara estava na cozinha preparando o almoço e estranhou a neta ter entrado sem sequer parar para contar como havia sido na casa de Mariana.

– Clarinha? Deu tudo certo com os gatinhos?

Clarissa deixou a bolsa cair sobre a cama. Se sentia sem coragem de pegar a foto que estava lá dentro.

– Sim, vó – respondeu ela sabendo que Dona Iara estava do outro lado da porta. Deveria abrir antes que a avó desconfiasse de alguma coisa.

– Tudo bem? – perguntou a senhora quando ficaram frente a frente. – Você está pálida.

– Eu? Está tudo ótimo.

– Encheu bem os potinhos dos gatos?

A garota balançou a cabeça fazendo que sim.

– Eles não vão passar fome tão cedo.

– Então tá... – Dona Iara a encarou por mais um instante. – Estou fazendo macarronada para o almoço.

Clarissa não tinha a menor vontade de comer.

– Adoro.

– Que bom.

– Depois eu vou ajudar a senhora, vó.

Ela precisava urgentemente ficar sozinha.

– Certo – a avó resolveu não insistir mais, apesar de achar que a cada dia Clarissa ficava mais estranha e cheia de mistérios. – Descanse e depois conversamos.

Respirando fundo, Clarissa fechou a porta. Felipe Mateus. Pianista. Talvez houvesse alguma coisa no Google. Ela pegou a foto dentro da bolsa, mas não teve coragem de olhá-la quando sentou frente ao computador. O retrato queimava em suas mãos. Talvez se olhasse de novo chegasse à conclusão que se enganara. Felipe Mateus era somente parecido com Dani. Só isto.

Os dedos trêmulos digitaram os dados necessários para a busca. Quando os links para pesquisa surgiram na tela ela ficou um pouco decepcionada. Não havia muita coisa. Na certa Felipe Mateus não era tão conhecido assim há 30 anos. Nem nunca fora. Mas era estranho. Ela percorreu os olhos pela tela do computador. Foi para a segunda página sem muita esperança. Foi então que um dos resultados da pesquisa lhe chamou atenção:

“Pianista promissor é encontrado morto em lago em Santa Maria da Serra”.

De repente o chão pareceu sumir dos pés de Clarissa e ela sentiu o mundo rodar por alguns instantes. A jovem precisou esperar que o tudo parasse de girar até fixar os olhos na reportagem de trinta e um anos atrás. Leu uma vez, duas, três vezes.

“Felipe Mateus, a nova promessa da música clássica brasileira, foi encontrado morto no Lago da Neve, em Santa Maria da Serra. O jovem de apenas 19 anos estava boiando na água gelada quando foi avistado por pessoas que circulavam pelo local. A polícia acredita que a morte foi acidental.”

– Meu Deus, isto não pode estar acontecendo – gemeu ela apertando a foto com força.

O rapaz que aparecia sorridente na tela era igual ao da foto. O rapaz da tela e o da foto eram iguais a Dani. Clarissa deixou escapar um soluço. Dani nunca fora Dani. Dani era Felipe Mateus. Felipe Mateus havia morrido há 31 anos. Por algum motivo o jovem pianista ainda vagava pelas ruas da cidade.

Clarissa se sentia devastada. Dani, ou melhor, Felipe, estava morto. Era por isso que Mariana demonstrara tanto interesse em ir à hospedaria. Desde o início ela sabia que o rapaz que Clarissa estava vendo e se apaixonando era o namorado que havia morrido há três décadas.

O choque foi tão grande que Clarissa deitou na cama e puxou o travesseiro sobre a cabeça. Pobre Felipe, sua morte havia terrível. Sentia pena também de Mariana que deveria ter a sua idade quando o rapaz se afogou no lago. Isto explicava a tristeza nos olhos e o jeito calado que Mariana tinha. Ela nunca havia superado a ausência do namorado. Mesmo trinta anos passados, Mariana ainda trazia um buraco no seu coração.

Talvez o próprio Felipe estivesse ainda perdido no outro mundo, senão não estaria vagando pela cidade.

– Felipe, se eu puder fazer alguma coisa para ajudá-lo, por favor me mande um sinal.

Ela ficou de olhos fechados esperando que alguma coisa acontecesse. Um vento, uma folha caindo, uma chuvarada repentina. Mas a única coisa que escutou foi o telefone tocando e a avó, em seguida, batendo na porta.

– Clarinha, sua mãe no telefone.

– Droga – resmungou ela, ficando em pé e secando as lágrimas. Não queria que a avó percebesse o quanto estava triste. Quem acreditaria naquela história do outro mundo? Ninguém. – Já vou!

Depois que falou com a mãe Clarissa foi até a cozinha. Sentia um peso no coração e uma curiosidade imensa em tentar descobrir mais coisas sobre a vida de Felipe e Mariana.

– Você parece estar triste, Clarinha. O que houve?

– Nada demais, vó – ela tentou disfarçar. – Estou pensando em Mariana. Ela mora sozinha, com aqueles gatos... Agora a irmã está doente. A vida dela parece ser meio chata.

Dona Iara suspirou.

– Não vejo Mariana reclamar de nada. Acho que ela se acostumou com a vida que leva.

– Talvez se arrumasse um namorado – prosseguiu Clarissa, cautelosa, – ela conseguisse pôr um sorriso no rosto.

– Só ela sabe o que traz no coração, Clarissa. Quem sabe um dia aparece a pessoa certa? Eu oro por isto todas as noites.

– Você já ouviu falar em um pianista chamado Felipe Mateus?

– Felipe o quê? – Dona Iara perguntou mexendo a macarronada. – Pianista não tem nenhum nesta cidade.

– Mas teve um. Há trinta anos.

Dona Iara encarou a neta sem entender.

– Pianista? Bem, faz tanto tempo que não consigo lembrar. Isto é importante para você?

“Muito”.

– Descobri que ele morreu afogado no Lago da Neve. Você nunca escutou nada a respeito?

A senhora olhou para o teto tentando buscar nas suas lembranças a informação que a neta lhe passara. Não demorou muito ela comentou:

– Parece que ouvi alguma coisa, sim. Mas não tenho certeza. Faz muito tempo. Por que tanto interesse?

– Só fiquei curiosa. Imagine, morrer daquele jeito.

– Afogado no lago? Nossa, que horror. Era jovem?

– Uns 19, 20 anos, no máximo.

– Que tristeza – Dona Iara olhou para a neta e sorriu. – Mas já faz muito tempo, você não acha? Tudo passa.

Mas para Mariana não havia passado.

– Ela não ligou?

– Ela quem?

– A Mariana. Para saber como estão as coisas por aqui.

– Até agora não. Se ela não entrou em contato conosco é porque tem plena confiança em nós.

Clarinha chegou a sentir um calorão subir pelo rosto quando escutou a avó comentar aquilo. Que ela nunca soubesse que uma foto secreta de Mariana e do namorado havia sido roubada da sua casa.

A porta da casa se abriu dando um susto em Clarissa. O avô Ricardo entrou afobado, trazendo no rosto uma expressão de surpresa.

– Vocês nem sabem o que eu descobri agora. A cidade toda só fala nisto.

Clarissa chegou a sentir as pernas bambas. Podia ser nada que lhe dissesse respeito, mas todas as emoções daquele dia lhe deixaram um tanto sensível. Dona Iara tampou a panela e perguntou, curiosa:

– O que houve, homem? Alguém morreu?

– Não exatamente – ele respondeu com um sorriso enigmático querendo fazer mistério. – Você irá cair para trás. Talvez você também, Clarinha.

– Então fale de uma vez, Ricardo! O que está acontecendo nesta cidade que só eu não sei?

Ricardo fez uma pausa para dar mais suspense e, por fim, revelou:

– Venderam Castelo de Pedra. Vão construir um megaempreendimento no local. A promessa é revitalizar o bairro que está bem abandonado.

Clarissa ficou pálida de vez. Apesar das ruínas, nunca imaginou que a hospedaria pudesse ser destruída. O que Mariana iria dizer? O espírito de Felipe Mateus iria vagar por onde? Que os anjos o acolhessem logo!

– Nossa, que triste – murmurou Dona Iara. – Não vou lá há 30 anos e só tenho na lembrança a beleza que tudo aquilo era. Então os herdeiros conseguiram se acertar?

– Parece que sim. Dizem que daqui a quinze dias vão começar a demolir o que restou.

A garota sentiu um aperto no coração e na garganta. Precisou segurar a vontade de chorar para não dar mostras o quanto aquilo lhe emocionava. Tinha que ir lá uma última vez para se despedir.

O avô Ricardo prosseguiu:

– Antes que eles ponham tudo a abaixo vou passar lá para me despedir. Sempre terei as melhores lembranças daquele lugar.

– Posso ir junto, vô? – pediu Clarissa com a voz estrangulada.

– Você ainda está curiosa em conhecer a hospedaria, Clarinha? – perguntou o Ricardo, curioso. – Sim, vamos lá. Estou pensando em ir hoje à tarde. Quer vir, Iara?

– Não, obrigada. Não quero ver ruína de coisa nenhuma.

– Combinado, então, Clarinha?

– Sim, vô – respondeu ela, engolindo suas lágrimas a muito custo.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 02/05/2018
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