Vítimas de Si - 2ª parte

Continuação da primeira parte já publicada neste site...

Será que ele chorara pelo que exatamente ela pensava? Não seria apenas parecido com aquele? Não, era o próprio, imensa coincidência.

Valquíria estava completamente linda, era bela naturalmente, com toda aquela produção típica de noiva a graça multiplicara.

- Eu estou morta Valquíria? – meia igreja caiu em gargalhadas.

- Infelizmente não! – esbravejou a sobrinha sem qualquer alteração na expressão, como se tivesse acabado de ver a tia. – Padre acabe de uma vez com essa cerimônia, porque ela não vai nos deixar em paz.

O padre, pasmo, consentiu com o pedido inusitado. uma criança chorava ao fundo do templo, as mulheres em seus vestidos brilhantes estavam já cansadas de tanta pompa. Enfim acabara a cerimônia com um beijo insosso, curto, sem intensidade... Não houve chuva de arroz, cumprimentos mortos a Selina, pessoas do passado, como algumas estavam bem, outras velhas, outras tão bonitas, doentias, apáticas, o bebê chorão de igreja passou no colo da mãe dando-lhe um tapa no topo da cabeça, continuou a sorrir e a retribuir os cumprimentos, em marcha a sombra da sobrinha. Não fora um tradicional casamento, sim! Não! Não fora, a tia indesejada não deixara ser.

Mesmo assim, tudo estava comprado, as contas estavam pagas, a decoração impecável, os empregados em seus postos para servir, a festa haveria ainda que em pensamentos, e não seria, na mentalidade de Valquíria, sua tia recém chegada dos Estados Unidos que estragaria tudo, Oh bobagem! Quem era ela para fazer isso? Ninguém, apenas sua odiada tia.

Selina chegou primeiro do que todos os convidados, roubou alguns salgadinhos e virou refrigerante na toalha, propositadamente, os cridos loucos de raiva, num último gesto passou o dedo na cobertura do bolo... Unnn, baunilha, que delícia!

Preparou um banho com tudo que havia direito, da ducha generosa era possível ouvir o barulho lá embaixo da gente agitada curtindo a festa.Desfez as malas, na sua bolsa de mão havia ainda um frasco de descongestionante nasal, dois envelopes de efervescente anti-ácido, e algo que não usava há tempos: seu estilete cor-de-rosa, simpático, harmonioso e discreto. Jogou tudo no criado mudo. Quando pronta, desceu e degustou mais os quitutes da comemoração, cínica cumprimentou a noiva de beijo nas maçãs do rosto. Algumas pessoas da igreja ainda a temiam com olhares, como se fosse um animal selvagem solto naquele salão, a estes ela sorria, quase rindo num gesto absurdo e louco. Era louca, a louca mais consciente dos próprios atos.

O noivo era tão bonito, tão simpático, ‘envelopado’ naquele terno italiano que provavelmente Valquíria mandara fazer em algum estilista após visita ao ateliê, era chata pra este tipo de coisa, era igual a tia neste aspecto.. pensando bem, em muitos aspectos, se identificavam em muitas coisas, em quase tudo tinham as mesmas opiniões, os mesmos gostos, eram fortes, as personalidades gêmeas, talvez por isso que não de davam muito bem, porque se os opostos que se atraíam, elas seriam distantes para o resto da vida, porque eram muito parecidas! Ela deu uma volta pela ampla residência, seus saltos ecoavam nos salões de mármore vazio, olhara-se no espelho de um dos vários em um corredor: estava bonita ainda, a juventude fora boa com ela, a vida em suma é que não fora, precisava retocar a maquiagem, mas estava tudo lá embaixo no quarto, longe, ninguém a estava vendo, não precisava realmente. Estava na verdade era com saudades da irmã, aquela casa não tinha a mesma vida sem ela, sua vida não era a mesma sem ela. Amavam-se divinamente, as melhores irmãs do mundo, uma era tudo que a outra poderia desejar, e desde que começara a viajar mundo afora, passara a temer com que a irmã morresse e não estivesse por perto para fazer a última despedida... E tudo isso que mais temia aconteceu, ela morreu longe de uma doença que já há tempos a acometia, morreu longe da saudosa irmã. Esta foi apenas avisada por um telefonema ruim, palavras ofuscadas por ruídos maiores, apenas quatro palavras “Sua irmã Jucélia faleceu.” ... SUA IRMÃ JUCÉLIA FALECEU... S-U-A-I-R-M-Ã-J-U-C-É-L-I-A-F-A-L-E-C-E-U... Era isso, não sabia quem havia ligado, sabia somente que era um homem, seria verdade? E estava tão longe, na Europa, e não havia nem sequer uma remota possibilidade de viajar imediatamente para o Brasil e vê-la; vê-la morta!

Perturbou-se com o telefonema, os nervos explodindo em todo ser, processava as informações, repetias as palavras baixinho focando o nada, sentiu o gosto salgado das lágrimas invadindo o paladar. Uma garrafa lá embaixo se espatifava ao chão, foi surpreendida chorando em frente ao espelho... Lágrimas. O que eram lágrimas? Apenas gotas de sal, e só.

Mas algo de bom acontecera antes que a irmã partisse. Numa tarde de domingo, no jardim daquela mesma mansão onde estava agora, a irmã falara á ela e a sobrinha:- Eu quero que vocês sejam unidas caso algo aconteça comigo no futuro, pois existe um tesouro que é das duas, uma herança muito grande, e vocês necessitam cultivar, está nesta casa esta herança, é de vocês, basta que sejam unidas!

E era esse o motivo principal de sua volta ao lugar, precisava achar o tesouro, longe da sobrinha. Porém uma parte tinha de cumprir, de ser unida com a sobrinha, e estava ali pra isso, para cumprir a sua parte, e faria o necessário (e desnecessário também) para que Valquíria cumprisse a sua.

Era hora de curtir a festa, antes de pensar em tesouro, de procurá-lo, de batalhar nesta guerra de feras loucas e selvagens deveria curtir a festa. Desceu calmamente, apenas ela, os intermináveis corredores, as cortinas limpas e pesadas, os saltos gritando no mármore, e o noivo da sobrinha com outra mulher... O noivo da sobrinha com outra mulher? Ei, isto não era normal, Selina deu uma risada perdida quando viu ele, e aquela mulher, a filha de uma amiga sua ali entre beijos encostados na parede. Nem havia se casado, já estava chorando em um café de luxo, mal havia se casado e já estava de casinhos embaixo do nariz da esposa. Era demais, além de ficar rico, moraria em uma mansão de época maravilhosa, e já estava, na noite do casamento, ao qual mal saíra da igreja, aos beijos com outra mulher. Era uma bela mulher, filha de Henrietta, amiga da família, vagabunda! Vagabundo! Ele definitivamente não sabia quem realmente era a mulher com quem recém casara, Selina imaginou o que aconteceria se ela visse, riu novamente, e mais uma vez o casal ‘muito ocupado’ não escutou. Selina esqueceu a graça e magoou-se, extremamente ferida ficou, sua família não era digna daquele tipo de coisa, Val estava feliz por haver se casado, nem desconfiava do que estava acontecendo neste momento, e ele já sendo infiel! Imagine no futuro o que será então, haverá um arem de prostitutas na suíte dos cônjuges? A raiva falou mais alto, e o nome sujou cutucou sua alma, tomou a ação, porque agia diretamente na sua corrente sanguínea, era o momento de colocar á ativa o estilete rosa choque.

- Assim seu terno vai ficar amarrotado meu querido.

Quase caíram ao ouvir o “inocente” estampido da senhora. No fremente beijo, saliva pingou ao chão. Porque não falavam nada, apenas fitavam a intrusa como se fosse um fantasma, uma aparição horrenda?

- Você volta para a festa. – Disse ao novo ‘sobrinho’. – e Você, sua vagabundinha barata, vai para casa, ou eu coloco no ouvido de todos, inclusive da sua mãe, o que acabou de fazer.

Como a ordem de um general em tempos de guerra, obedeceram, mas o que interessava era o noivo, ele quem sofreria, ele morreria! Seu passo de voltar a festa era apenas para Selina alcançar no quarto a arma do crime. E ele nem alcançara o salão principal, a mulher, que agora era seu pesadelo, estava as suas costas, o ordenando para segui-la.

Como um mapa na sua mente, foi diretamente a um dos escritórios, o que costumava usar quando estava hospedada, e tudo continuava lá, até a agenda telefônica aberta empoeirada. O assento macio da poltrona, e seu porta canetas de coruja, que ganhou de amigo secreto do cunhado há muitos anos.

Ele sentou na cadeira, num sinônimo de professora o aniquilou, atrofiou todos os músculos com seu olhar imponente. Era hora de castigar o aluno!

Explicitou o estilete e seu fio e corte ofuscante.

- O que você pretende fazer? – O medo visível na verbalização.

- O que você pretende fazer meu caro? Está se dando conta que casou-se com uma mulher maravilhosa, rica, de bom nome, e que vai morar nesta mansão, que vai ser praticamente um lorde, e ter toda mordomia que quiser?

- Sim, e exatamente por isso eu me casei.

Pronto! Era o que precisava ouvir para ter certeza de que estava fazendo a coisa certa, sentia o sangue dele quente escorrendo em suas mãos. Como Valquíria se deixara enganar por aquele traste? Logo ela!!!

- Seu gigolô! Mesmo morrendo de medo, você se atreve! Qual seu nome?

- Ricardo.

- Unn, o Ricardão! Ele fez menção de se levantar, ela evitou. - Fique parado, Não mova nada. E porque estava chorando na lanchonete? Arrependimento?

- Sim. Vi que não estava fazendo a coisa certa, mas depois me arrependi de me arrepender.

- E você tem motivos especiais para querer dinheiro fácil? Precisa realmente?

- Não, é apenas luxo!

É, ele estava pedindo o óbito. No silêncio e aconchego do ambiente ela respirou fundo, segurou firme o estilete, há um bom tempo não fazia aquilo, mas não perdera a mão certeira, precisava enganá-lo.

Ali sozinhos, a ocasião necessitava de uma morte, de mais agito. Ela deu as costas, ele levantou-se num pulo, de súbito ela virou-se e enterrou a lâmina no peito dele, acertara no coração, mas para fazer sem erros, retirou e acertou novamente, no pescoço... Estava lavado em sangue, seu terno tão bonito sujo do rubro fluído. Era uma pena. Ele não fizera nenhum burburinho, apenas suspirou e de olhos grudados nos olhos de Selina, ele morreu, caindo sobre a cadeira, quase quebrando, devia estar doendo, o sangue continuava a escorrer, Selina foi ao banheiro do escritório e lavou as mãos.

Quando retornou, de porta ainda trancada, maquinando o que faria com o corpo, alguém bateu a porta.

- Ricardo? – Valquíria queria o marido. – Ricardo se você está aí abra a porta meu bem, precisamos cortar o bolo. Os convidados estão esperando.

... CONTINUA...

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 31/08/2007
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