Já dizia Exupéry
O homicida, com uma só ação, desfere dois golpes, com resultados irreparáveis, subtrai uma vida, e apaga a última imagem registrada com o olhar, pela vítima. A assertiva parece tão óbvia, mas não seria tão redundante se os olhos fotografassem a última visão de quem recebeu o golpe, seria sim conturbador, uma celeuma.
Se concreta fosse, a pretensão proposta, o agressor deixaria uma testemunha irrefutável, seria um axioma, não haveria contestação: foi ele o assassino, e fim.
A certeza de que praticou tudo sem assistência dá ao homicida a sensação de poderio, a de um avatar, de alguém que transcende o natural, que caminha pelas trilhas prioritárias do extra sensorial.
Velhos ditados, jargões, velhas máximas não surgem do nada, não brotam do além, não são fogo-fátuo, assentam-se na rotina, em fatos concretos, e sedimentam-se numa realidade: não existe crime perfeito.
Vítimas não são lambe-lambes, não gravam a ação criminosa, o próprio criminoso se incumbe de deixar evidências, de contar a “traquinagem” que fez, e como um ventríloquo alcagüeta a si próprio.
Seria um furto seguido de morte, um latrocínio, que está se transformando em algo quase que corriqueiro em grandes centros, mais um crime arquivado em pastas de “não solucionados”, a esperar pela incineração, depois de decorrido o prazo da prescrição, isto se a vítima não fosse um profeta, um visionário afeito à violência do dia-a-dia. Como um sentinela de sua própria integridade, ele carregava sempre consigo, não um cão-guarda, mas um dedo delator, em forma não de dedo, mas de coração. Um pingente, um pequeno coração de ouro levava em seu interior, oco, um chip de GPS, que dava, com muita precisão a localização do seu portador.
A pequena jóia de ouro contava à esposa da vítima por onde andava o marido, que sempre perambulava, a serviço, pelo centro da cidade, e, por isso, um alvo em potencial de assaltantes; assaltante que mudou a corrente de pescoços, passando ele a usar o penduricalho, que revelaria, permanentemente sua posição... ao mundo e à viúva.
Uma vida foi tomada, e os olhos sem vida não registraram a última visão, que seria a do homicida, mas, enfim, e isso ficou confirmado, só se vê bem com o coração