Imaginou-se conduzida por Robert a uma cabana nas margens do rio. Apanhou grossa mecha de cabelos que lhe cobria os seios, e jogou para traz. E naquele dia, Robert voltou pensativo: “Como seria a vida em família: casar, ter filhos... Nunca antes pensara nisso. Estaria seu  pai ainda vivo? Dona Leide falava vagamente de certo intelectual... E referia-se a ele como  o finado seu pai, sem citar o nome.

Robert aguardava ansioso o memento de retomarem o enxugamento do livro. E ao mesmo tempo, queria que cada etapa terminasse logo, para ter a oportunidade de abraçar Ravenala ao despedir-se dela. Nos primeiros encontros, apenas davam-se as mãos, suadas de desejo e paixão. Mas ao longo dos frequentes reencontros semanais, as despedidas evoluíram para ingênuos abraços e fraternal beijo no rosto.

Em cada despedida, Ravenala suava frio e um calafrio percorria todo o seu corpo.

— Se me julgas digna da tua amizade, almoça em minha casa no dia dos pais — disse ela imitando gestos de uma moça elitizada que viveu há séculos passados.
— Claro! Posso chegar ao meio-dia?
— Pode vir às onze horas. E pensou: “ Se viesses para o   café da manhã, já à noite, ao recolher-me no leito,  eu contaria as horas que faltam para o dia   amanhecer.”

Chegado o dia da homenagear os pais, dona Leide acompanhou o filho  de longe, até que a portinhola da mureta da Caras de Jeremias se abriu, e Robert entrou. Enquanto aguardavam a voz que anuncia:  “A mesa é  posta”, Ravenala estruturava frases como: Nunca me falaste de teu pai!... Não, esta não!... Melhor levá-lo a conhecer meu quarto. Mostrar-lhe  a Barbie que ganhei de presente, quando Emília morreu. Faz tanto tempo!... “E se Robert, admirado,   perguntar: Ainda brinca  de boneca?” Ravenala correria o risco  de passar por este  vexame,  contanto que tocasse o coração do  Bob, sem machucar.

— Olha como é linda!
— Quem são os pais da Barbie? Por certo a mãe é você. E o pai?
— Bem, no reino das bonecas...
— Também no reino das bonecas, deve haver uma família estruturada: pai, mãe e filhos.
Riu.

Com semblante sereno, Robert  deixa transparecer que o momento é propício para uma conversa sobre família. Mormente, porque, se ele se declarasse pai da Barbie e sendo Ravenala a mãe...

— Nunca me falaste de teu pai, disse ela.
— Não o conheci. Minha mãe diz que meu pai faleceu quando eu tinha poucos meses. Mas nunca me levou para ver o túmulo dele.  Vejo em tudo isso um grande mistério. Certa vez, minha mãe  confidenciou que há muitos anos, esteve no cemitério  e sentiu uma força que vinha das entranhas da terra, tentando puxá-la para dentro da tumba. Segundo ela, foi a última vez que visitou o finado.

 Faz tanto tempo!

Não saberia mais localizar o túmulo. ... “Não tem um epitáfio, uma lousa, alguma coisa que identifique o morto?”  Perguntei, naquela oportunidade. Mas dona Leide desconversava. ‘Talvez nem mais uma cruz!’ — E o nome dele  insisti. ‘Pode chamá-lo de Chiquinho ou Francisco, José Carlos Tucunaré, ou um cisco qualquer.  Chame-o como quiseres. Pai ausente  não tem nome.’ Ela  sequer ousava pronunciar o nome do pai de seu filho. E, depois  da conversa sobre uma força estranha que tentava sugá-la para as entranhas da terra, Robert, passou a imaginar o  cemitério como morada de fantasmas.

— Nunca o procuraste?
— Procuro meu pai entre os vivos. Se ele for morto, prefiro não encontrá-lo nunca.

***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."