MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 8

O salão onde se realizava o encontro estava cheio de gente simpática e ávida por uma conversa. Dona Iara fez questão de apresentar a neta para as pessoas, fato que não deixou Clarissa muito contente. Não naquele dia, pelo menos, quando seu humor não estava dos melhores. Ela não se desgrudava da bolsa de jeito nenhum. E não era por causa dos seus pertences. O desenho de Dani se tornara algo precioso demais. De jeito nenhum podia perdê-lo ou amassá-lo.

Meia hora depois de terem chegado ao salão Mariana surgiu com suas roupas sóbrias e o cabelo preso em um coque. Ela pareceu um pouco tímida enquanto vasculhava o ambiente procurando algum lugar para sentar. Todas as mesas já estavam ocupadas. Dona Iara, assim que a viu, fez um amplo gesto com a mão chamando-lhe para ficar com eles. Clarissa percebeu o sorriso aliviado insinuando-se entre os lábios dela quando se aproximou da mesa. Dona Iara já tinha providenciado uma cadeira extra e todo mundo se apertou um pouco para Mariana poder sentar.

– Muito obrigada, Dona Iara. Achei que não encontraria lugar para mim – agradeceu ela.

– Você sempre terá lugar conosco, Mari. Pensei que você não viria.

Clarissa prestava bastante atenção nas coisas que Mariana falava. Sentia certa curiosidade sobre a vida dela.

– Meus gatinhos sempre me prendem na hora de sair – respondeu, sorrindo, como se tivesse falando de algum filho. – Acho que eles não gostam de ficar sozinhos.

A jovem resolveu se intrometer na conversa.

– Adoro gatos. Se um dia eu morar sozinha também vou querer ter vários para me fazer companhia.

Assim que falou Clarissa se deu conta que havia sido um pouco inconveniente. Mariana disfarçou olhando as unhas e Dona Iara fuzilou a neta com os olhos. Ela tentou ajeitar:

– Gatos são excelentes companhias para qualquer pessoa.

– Tem razão – Mariana concordou disposta a quebrar o clima estranho que se formou. – Me divirto muito com eles.

Dona Iara elogiou:

– Está muito bonito o seu penteado, Mariana.

Clarissa quase engasgou com o refrigerante. Para variar, o coque de Mariana a envelhecia uns cinco anos. Além do mais, um batom vermelho teria dado mais vivacidade ao seu rosto. De qualquer forma Mariana gostou do elogio.

– Ah, muito obrigada, amiga. Hoje eu não estava com muito tempo para me arrumar. Então fiz um penteado básico.

As duas começaram uma conversa que não interessou nem um pouco Clarissa. Um garçom trouxe os galetos para a mesa e o almoço oficialmente teve início. A comida estava ótima, mas Clarissa mal sentia o gosto. Embora fosse improvável que Dani estivesse no salão, sempre havia alguma esperança de isto acontecer. Os olhos dela eram como um radar esmiuçando cada canto do salão. Havia vários jovens, mas nenhum com as características de Dani para pelo menos ter alguma ilusão de que algo diferente estava para acontecer. Algumas pessoas se aproximavam da mesa para cumprimentar Dona Iara e o vô Ricardo e, algumas vezes, Clarissa percebeu que Mariana a encarava como se quisesse perguntar alguma coisa. Esta situação a deixava um pouco constrangida e intrigada. Afinal, se Mariana queria saber algo, que perguntasse de uma vez.

– Vó, preciso ir ao banheiro. Onde é?

Antes que Dona Iara respondesse, Mariana se adiantou:

– Eu também estou precisando usar, Clarissa. Posso lhe levar.

– Ah… que ótimo – murmurou ela levantando-se devagar. Quem sabe agora Mariana desembuchasse de vez?

As duas caminharam em silêncio até o banheiro do outro lado do salão. Clarissa simplesmente não sabia o que dizer e não tinha coragem de encará-la. O banheiro era grande e com um enorme espelho. Naquele exato momento estava vazio. Quando Clarissa saiu da sua cabina pensou seriamente na hipótese de voltar para o salão e deixar Mariana sozinha. Contudo, antes que tomasse qualquer atitude, a mulher saiu da sua própria cabina e deu mais um daqueles sorrisinhos estranhos.

– Como foi sua primeira semana na cidade, Clarissa?

Finalmente Mariana falara alguma coisa. Enquanto lavava as mãos, a jovem respondeu:

– Interessante. Passeei algumas vezes de bicicleta.

– Quando eu tinha sua idade adorava andar de bicicleta também.

– Ah…

– Não viu mais o menino bonito da feira?

Clarissa a encarou. Seria isto que desde o início ela queria saber? Qual o interesse nela por Dani?

– Eu… não exatamente. Bem, eu… eu o segui um dia destes.

Mariana se empertigou.

– Sério? Conseguiu falar com ele?

Por algum motivo Clarissa sentiu vontade de contar sua história estranha para Mariana. Ela não fazia o tipo que iria pegar um megafone e contar para a cidade inteira.

– Não. Mas eu descobri onde ele está hospedado.

– Onde?

O banheiro continuava vazio, propício para a grande revelação.

– Na hospedaria.

Mariana fez uma expressão de incompreensão.

– Que hospedaria?

– Castelo de Pedra.

Ela empalideceu e colocou a mão no coração.

– Como assim? Castelo de Pedra? Mas esta hospedaria não existe!

Um rubor subiu ao rosto de Clarissa. Ao contar a história percebia o quanto aquilo era ridículo.

– Mas eu o segui até lá. Atravessei o bairro arborizado, subi o caminho de pedras que leva até a hospedaria e encontrei duas meninas brincando no jardim bonito. Havia uma senhora sentada em um banco fazendo crochê, mas ninguém me deu bola. Então escutei o som de um piano.

– Piano?

Mariana se mostrava cada vez mais surpresa. Toda a cor desaparecera do seu rosto.

– Exatamente, um piano. Caminhei até um salão cujas janelas davam para o jardim. Ele tocava piano lá dentro.

– Ele… viu você? – a voz de Mariana saiu sombria.

– Que nada! Nem olhou para o lado!

– Então vocês não se falaram?

– Não. Quando me dei conta já estava anoitecendo e eu estava longe de casa. Tive que voltar.

– Que pena... vocês não terem se falado.

Clarissa olhou para Mariana.

– Você está se sentindo bem?

– Eu? Claro! Acho que minha pressão caiu um pouco.

– Eu desenhei o rapaz. Na verdade, eu o chamo de Dani para ficar mais fácil. Quer ver?

– O quê?

– Meu desenho. Acho que está bem fiel.

Mariana balançou a cabeça dizendo que sim. Clarissa abriu a bolsa e pegou o desenho guardado dentro de um envelope cor-de-rosa.

– Veja. Ele é assim.

Clarissa ficou surpresa ao ver a fisionomia de Mariana se alterar mais ainda.

– É este o rapaz que você… se apaixonou?

Mariana pegou o desenho das mãos de Clarissa para olhar mais de perto. Intrigada, a jovem perguntou:

– Você o conhece?

– Não – disse ela, rapidamente, devolvendo o pedaço de papel para Clarissa. – Ele é um rapaz muito bonito.

Mariana respirou fundo e se recompôs logo.

– E então? Você pretende voltar à hospedaria?

– Sim – Clarissa estava muito determinada. – Acho que hoje não poderei ir por causa deste encontro. Além do mais, é domingo e deve estar mais deserto por aquelas bandas. Mas amanhã é certo que eu vou. Mariana, não encontrei ruína nenhuma por lá. Preciso ver tudo outra vez.

– Eu posso levar você hoje, se quiser.

Clarissa pensou ter escutado mal.

– Onde? Na hospedaria?

– Por que não? – Mariana parecia ansiosa para que Clarissa aceitasse o convite. – Eu estou com a tarde livre. E você também, pelo visto. É melhor ir de carro do que de bicicleta.

– Eu acho ótimo! – a garota ficou empolgada. – Mas eu prefiro não comentar nada com meus avós. Eles vão achar estranho.

– Não há problema. Eu posso dizer que vou levar você para dar uma volta pela cidade para conhecer alguns pontos turísticos. O que você acha?

– Formidável.

... continua...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 12/04/2018
Reeditado em 12/04/2018
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