Flash...
Acenderam-se a luzes de alerta e uma voz feminina anunciou: Senhoras e senhores! Este é o voo AB 612, com destino a Paris. Nimbos se aproximam. Por favor, mantenham a poltrona em posição vertical e apertem os cintos. Obrigada!
A voz era de Nathalie .
Fernão fitou-a demoradamente e percebeu nela o rosto cheio, e o corpo mais gordinho. Sentiu Cezar Ubaldo sussurrar em seu ouvido: “Carregamos no ventre a hóstia consagrada em partos menores... No ventre carregamos vida, então!...Carregamos no ventre o sol da manhã, a manhã irmã...” Ele, Fernão, nunca desejara tanto ver o sol da manhã, da tarde..., ou mesmo ainda que apenas uma nesga de luz, um sinal qualquer de vida fora das paredes da aeronave... Queria contemplar o semblante de rostos amenos, diferentes daqueles espavoridos de seus companheiros de voo.
Embora tentasse acalmar os passageiros, logo que o sorriso fabricado se desfazia, Nathalie voltava a afundar-se em pensamentos pouco nobres. Pobre alma! Felizmente, com esforço sobrenatural, afastou sentimentos de rancor e ódio contra Fernão, afinal, eram eles passageiros da agonia. Ela sentiu tontura. Apoiou a mão na fuselagem da aeronave e impostou a voz: Senhoras e senhores, estamos sob forte turbulência, por favor, mantenham a calma. Preparem-se para um possível pouso de emergência. Utilizem os assentos flutuantes. Obrigada! Desligou os canais de comunicação e acenou para Fernão com gestos carregados de novos significados, como se lhe dissesse: Vamos morrer.
Ele compreendeu que estavam em situação de emergência. Ouviu o mar bramindo debaixo de seus pés, e se sentiu na pele da Gaivota de Bach, em choque contra o rochedo. Retirou o paletó, amarrou o salva-vidas ao tórax e vestiu por cima uma camisa branca. Afrouxou os sapatos.
Os passageiros estavam com a cabeça sobre os joelhos e os tripulantes, mostravam-se compenetrados, vasculhando procedimentos de segurança para uma situação de perigo. Levantou-se. Suas pernas tremiam e o coração queria saltar do peito. Assentou-se outra vez. Deixou que se passassem alguns segundos, minutos... Queria ser uma gaivota voando a 1200 quilômetros por hora. Repreendeu seu pensamento: Gaivotas não voam a mil e duzentos quilômetros. A essa velocidade, seu corpo seria arrastado como uma folha seca tocada pelo vento.
— Folha seca?... “Sim, Fernão. Se tiveres a ousadia de dar um salto para o infinito, poderás salvar tua alma. Coragem! Se não tens asas para voar; contenta-te em dar passos largos.” — O vento rasgará meus olhos e arrancará minha pele. “Role como uma folha seca.” Disse a voz de seu interlocutor invisível.
Talvez pudesse laçar-se de paraquedas, mas as cordas não suportariam a tensão. Desejou ser uma gaivota. Ainda assim, com certeza, àquela altitude, desceria a uma velocidade meteórica, e em pouco tempo, se esborracharia contra o chão ou o espelho das águas. Sentia-se como que acorrentado no porão de um navio negreiro. Se fosse uma gaivota, superaria seus limites voando a uma velocidade nunca atingida por sua espécie e se chocaria no paredão das águas, duras como pedra do mesmo modo. Não tinha jeito. Cenas do Armagedom desfilaram em sua mente.
Viu sete anjos e sete candelabros em volta de suntuoso trono. No meio dos candelabros, alguém semelhante ao Filho do homem, dizia: ‘É chegada a hora! Escreve, pois, o que viste, tanto as coisas atuais como as futuras’.
O anjo abriu o sétimo selo e em vez de silêncio, ouviam-se gritos, alaridos e pedido de socorro. Muitos fizeram o que não podia ser feito: levantaram-se, tentaram arrumar a bagagem que caia sobre suas cabeças e foram atirados contra a fuselagem. O primeiro anjo apocalíptico tocou a trombeta. Saraivada de fogo percorreu o interior da nave. Em êxtase, Fernão viu-se sentado a uma mesa no panteão da memória com o livro da vida aberto no colo. Diante de seus olhos páginas amarrotadas e o rascunho de sua vida que esperava ser reescrita. Pesava-lhe a dor de ver tantas páginas em branco... Quantas vezes virara o rosto para esposa e maculara a pureza dela com infâmias e desdéns!... Quantas vezes teve a oportunidade de refazer a própria história, e não o fez... Desejou abraçar Nathalie e sentiu-se na pele de Melenau viajando no mesmo barco com Páris.
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."
Acenderam-se a luzes de alerta e uma voz feminina anunciou: Senhoras e senhores! Este é o voo AB 612, com destino a Paris. Nimbos se aproximam. Por favor, mantenham a poltrona em posição vertical e apertem os cintos. Obrigada!
A voz era de Nathalie .
Fernão fitou-a demoradamente e percebeu nela o rosto cheio, e o corpo mais gordinho. Sentiu Cezar Ubaldo sussurrar em seu ouvido: “Carregamos no ventre a hóstia consagrada em partos menores... No ventre carregamos vida, então!...Carregamos no ventre o sol da manhã, a manhã irmã...” Ele, Fernão, nunca desejara tanto ver o sol da manhã, da tarde..., ou mesmo ainda que apenas uma nesga de luz, um sinal qualquer de vida fora das paredes da aeronave... Queria contemplar o semblante de rostos amenos, diferentes daqueles espavoridos de seus companheiros de voo.
Embora tentasse acalmar os passageiros, logo que o sorriso fabricado se desfazia, Nathalie voltava a afundar-se em pensamentos pouco nobres. Pobre alma! Felizmente, com esforço sobrenatural, afastou sentimentos de rancor e ódio contra Fernão, afinal, eram eles passageiros da agonia. Ela sentiu tontura. Apoiou a mão na fuselagem da aeronave e impostou a voz: Senhoras e senhores, estamos sob forte turbulência, por favor, mantenham a calma. Preparem-se para um possível pouso de emergência. Utilizem os assentos flutuantes. Obrigada! Desligou os canais de comunicação e acenou para Fernão com gestos carregados de novos significados, como se lhe dissesse: Vamos morrer.
Ele compreendeu que estavam em situação de emergência. Ouviu o mar bramindo debaixo de seus pés, e se sentiu na pele da Gaivota de Bach, em choque contra o rochedo. Retirou o paletó, amarrou o salva-vidas ao tórax e vestiu por cima uma camisa branca. Afrouxou os sapatos.
Os passageiros estavam com a cabeça sobre os joelhos e os tripulantes, mostravam-se compenetrados, vasculhando procedimentos de segurança para uma situação de perigo. Levantou-se. Suas pernas tremiam e o coração queria saltar do peito. Assentou-se outra vez. Deixou que se passassem alguns segundos, minutos... Queria ser uma gaivota voando a 1200 quilômetros por hora. Repreendeu seu pensamento: Gaivotas não voam a mil e duzentos quilômetros. A essa velocidade, seu corpo seria arrastado como uma folha seca tocada pelo vento.
— Folha seca?... “Sim, Fernão. Se tiveres a ousadia de dar um salto para o infinito, poderás salvar tua alma. Coragem! Se não tens asas para voar; contenta-te em dar passos largos.” — O vento rasgará meus olhos e arrancará minha pele. “Role como uma folha seca.” Disse a voz de seu interlocutor invisível.
Talvez pudesse laçar-se de paraquedas, mas as cordas não suportariam a tensão. Desejou ser uma gaivota. Ainda assim, com certeza, àquela altitude, desceria a uma velocidade meteórica, e em pouco tempo, se esborracharia contra o chão ou o espelho das águas. Sentia-se como que acorrentado no porão de um navio negreiro. Se fosse uma gaivota, superaria seus limites voando a uma velocidade nunca atingida por sua espécie e se chocaria no paredão das águas, duras como pedra do mesmo modo. Não tinha jeito. Cenas do Armagedom desfilaram em sua mente.
Viu sete anjos e sete candelabros em volta de suntuoso trono. No meio dos candelabros, alguém semelhante ao Filho do homem, dizia: ‘É chegada a hora! Escreve, pois, o que viste, tanto as coisas atuais como as futuras’.
O anjo abriu o sétimo selo e em vez de silêncio, ouviam-se gritos, alaridos e pedido de socorro. Muitos fizeram o que não podia ser feito: levantaram-se, tentaram arrumar a bagagem que caia sobre suas cabeças e foram atirados contra a fuselagem. O primeiro anjo apocalíptico tocou a trombeta. Saraivada de fogo percorreu o interior da nave. Em êxtase, Fernão viu-se sentado a uma mesa no panteão da memória com o livro da vida aberto no colo. Diante de seus olhos páginas amarrotadas e o rascunho de sua vida que esperava ser reescrita. Pesava-lhe a dor de ver tantas páginas em branco... Quantas vezes virara o rosto para esposa e maculara a pureza dela com infâmias e desdéns!... Quantas vezes teve a oportunidade de refazer a própria história, e não o fez... Desejou abraçar Nathalie e sentiu-se na pele de Melenau viajando no mesmo barco com Páris.
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Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."