O curso para obter licença de pilotar avião que concluiria na França, completava as horas mínimas de voos necessárias à conquista do seu  brevê. Ele não desejava apenas uma carta para voar. Queria ingressar na Esquadrilha da Fumaça, fazer acrobacias assustadoras diante do olhar  atônito  de Nathalie. Mais que isso: Sua coragem e habilidades em voos colocariam  Hemor na reles condição de um velho atobá com os pés presos na areia da praia. 

Quando Fernão entrou na aeronave, os demais passageiros já estavam sentados e os comissários de voo, preparavam-se para a demonstração de uso dos equipamentos de segurança. Abriu o livro com avidez; aguçou a imaginação e foi engolindo cada página como se nunca houvesse lido  Capelo Gaivota. Como Francisco, Fernão também queria ser diferente dos outros seres de sua espécie: superaria suas próprias forças, quebraria as barreiras e limites individuais, dominaria o céu. Sentiu-se uma gaivota nas mãos de Richard Bach: Não seria mais um ser qualquer à procura de ração. Executaria voos acrobáticos que por certo, iam deixar Nathalie  encantada e  arrependida de tê-lo trocado por Hemor. Aperfeiçoaria sua técnica de voo, de modo que nenhum piloto voasse tão bem quanto ele. Poderia até simular um acidente aéreo, destruir a Casa Rosada ou o Castelo Branco, e retirar sua amada dos braços do aviador Hemor. Enquanto divagava, um comissário apresentou os equipamentos de segurança, e uma voz suave descrevia o modo de usá-los. 

Sucessivas descargas elétricas dispararam flashes na janela,  o ribombar tardio do trovão fez tremer a fuselagem. Fernão já não tinha certeza se se tratava apenas de um vácuo ou de queda livre. Rostos nervosamente amedrontados trocavam olhares de espanto.

Ele lera Capelo Gaivota,  com a intenção de  aprender a superar  seu próprio limite. No entanto, sentia-se derrotado pelo ciúme, este mau sentimento era o  grande obstáculo a transpor. Precisava estar aberto de corpo, e de  mente, quando desembarcasse em Paris para conversar com Nathalie.  Sabia que o  desejo pela coisa proibida,  tinha-se tornado o vulcão aceso com a tocha do diabo, que induziu Siquém a sequestrar Dina, o mesmo sentimento que levara Páris a raptar Helena: o mesmo vulcão que ardeu na alma de Hemor quando tomou Nathalie  para si.  Fernão decolaria do porta-aviões Charles de Gaulle para pousar no coração da amada e nunca mais decolar. Queria superar os limites de suas forças; rasgar as páginas  que registram a vida de um homem traído e não esconder de si mesmo o segredo que muitos já sabiam: sua mulher o trocou por um piloto que voava sem licença para voar. Pobre diabo este Capelo. Não tinha boas lembranças de Paris: as tardes  frias tocavam folhas secas no outono de seu coração.
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Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."