MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 7
Era cerca de onze horas da noite e vô Ricardo fumava cachimbo na varanda. Dona Iara já tinha ido para a cama e Clarissa, inquieta, não tinha sono nenhum. Precisava falar com alguém sobre a hospedaria. Aquelas informações do site não podiam estar certas. Estivera há poucas horas no local e não havia ruínas de nada.
– Oi, vô.
Ricardo levantou os olhos das palavras cruzadas que estava fazendo.
– Achei que você já tivesse dormindo.
– Estou sem sono, por enquanto – ela puxou uma cadeira e sentou frente a ele. Pretendia ir direto ao assunto, sem enrolação. – Eu estive fazendo umas pesquisas agora sobre a cidade.
– Ah, isto é ótimo. Temos muitos lugares bonitos aqui para ver.
– Entrei em um site que falava sobre vários lugares, inclusive sobre uma hospedaria antiga.
O homem levantou os olhos, intrigado.
– Castelo de Pedra?
Os olhos dela brilharam.
– Você conhece?
– Claro que sim. Era o local mais chique da cidade. Fui a várias festas lá quando era solteiro. E depois de casado também.
– “Era” o local mais chique?
– Sim, ela está fechada há quase trinta anos. Isto não está no site também?
Clarissa sentiu o coração acelerar.
– Sim, está... Mas é que... as fotos são tão bonitas que eu não acreditei.
– Infelizmente, é verdade. O proprietário morreu, já era velho e estava doente. Depois os herdeiros começaram a brigar entre si. Ninguém nunca se entendeu. Não sei como está a questão hoje. O certo é que hoje Castelo de Pedra são só ruínas.
– Ruínas, vô? – Clarissa chegou a se sentir enjoada. – Mas como?
– Não tem explicação, Clarissa. São coisas que acontecem. Parece que tentaram revitalizar a hospedaria, mas a briga na justiça desestimulou todos investidores que apareceram.
“Eu não estou louca. Eu vi aquelas crianças. Sentei ao lado de uma hóspede. Eu assisti Dani tocando piano. Nada estava caindo aos pedaços.”
– Onde ela fica, vô?
Ricardo deu uma risada.
– Não me diga que você pretende fazer uma visita? Sua vó vai enlouquecer. De qualquer forma, é longe. Talvez de bicicleta você não se canse tanto. A hospedaria fica quase na saída da cidade, em um bairro que foi planejado justamente em torno dela. Depois que Castelo de Pedra fechou as portas, o lugar ficou quase abandonado. Antes era um bairro lindo, muito arborizado, muitas flores. Parece que ainda mora gente, mas são poucas pessoas. Eu passei uma vez por lá. Chegou a bater uma certa tristeza, até.
Ele fez uma pausa.
– Você pretende visitar o lugar? Sua curiosidade é tão grande assim?
Clarissa fez força para manter a voz normal.
– Eu achei as fotos muito bonitas, vô. Estou meio… chocada em descobrir que não existe mais nada lá.
– A cidade ficou pasma como você está agora quando a hospedaria fechou. Foi um baque. Parecia que tínhamos perdido alguém da família.
Um vazio no peito, inexplicável, fazia com que a respiração de Clarissa ficasse entrecortada. Ela ficou em silêncio por alguns instantes tentando pôr os pensamentos no lugar. Não conseguiu.
– Passaram alguns anos até todos nós nos acostumarmos com a situação – prosseguiu Ricardo dando uma longa tragada no cachimbo. – Preferia que tivesse passado um trator por cima do Castelo a saber que está naquele estado. Você não tem ideia do quanto aquele lugar era lindo, Clarinha. Uma pena que você não pôde conhecer.
Como explicar ao avô que havia conhecido a hospedaria e um pouco das suas belezas? Precisava voltar para conferir tudo outra vez. Aquilo a perturbava de tal maneira que uma dor de cabeça forte começou a incomodá-la.
– Estou impressionada com tudo o que você me contou, vô. Talvez eu até sonhe com a hospedaria! – Clarissa tentou fazer graça em cima do assunto que a deixava tão desnorteada. – Bem, eu preciso ir dormir. Já é tarde.
Ricardo consultou o relógio e se espreguiçou.
– Daqui a pouco eu irei também. Boa noite, Clarinha.
Clarissa beijou a bochecha do avô e foi para o quarto. A garota ficou cerca de uns cinco minutos parada em pé no meio do aposento respirando fundo. Não havia imaginado coisas. Castelo de Pedra estava em pleno funcionamento, com hóspedes, com vida! Aquilo tudo não passava de uma piada.
Ela foi até a gaveta e pegou uma folha de papel. Apesar da dor de cabeça, ainda não pensava em ir para cama. Com uma caneta azul levou cerca de vinte minutos para desenhar o rosto de Dani. Os professores a consideravam uma boa desenhista, mas Clarissa nunca levara muito sério. Mas naquela noite ela precisava demais usar os seus dotes. Quando terminou suspendeu a folha a sua frente e suspirou. Sim, havia ficado bem parecido.
Apesar de nunca ter ficado cara a cara com Dani, Clarissa tinha certeza que conseguira passar seus traços principais para o papel. O rapaz do desenho a encarava com seus olhos doces e curiosos e a boca de lábios finos estavam em um meio sorriso, exatamente como no momento em que ele tocava piano. Era tão bonito que Clarissa fechou os olhos sentindo o coração se partir de dor. Sofrer por um desconhecido não estava nos seus planos. Quando o encontrasse iria perguntar a ele porque escolhera tocar piano em um lugar virado em ruínas.
“Eu vou voltar a vê-lo, Dani, ou seja lá qual for seu nome. E, por favor, quando este momento chegar, olhe para mim.”
*
Quando finalmente dormiu, com o desenho ao lado na cabeceira, Clarissa teve vários sonhos estranhos com Dani e com a hospedaria. Acordou às nove horas da manhã com a impressão que as garotinhas que encontrara no jardim da hospedaria faziam algazarra aos pés da sua cama. No entanto, era a avó que conversava com o marido na cozinha, dando risadas de vez em quando.
– Finalmente você acordou! – saudou Dona Iara esquentando o leite no fogão. – Esqueci de lhe dizer que hoje temos compromisso na hora do almoço.
A primeira coisa que veio à mente de Clarissa foi a hospedaria. Por alguns instantes achou que alguma coisa estaria acontecendo por lá.
– Que compromisso, vó? – ela sentou à mesa e pegou um pedaço de bolo.
– Um encontro de famílias na igreja. Será servido galeto. Assado pelo seu avô!
A avó parecia bem empolgada contrastando com o humor sombrio da neta. Seu Ricardo apareceu na cozinha vindo do quintal e exclamou:
– Nem coma muito. Hoje você experimentará o melhor galeto que comeu na sua vida!
Clarissa tentou sorrir ainda mastigando um pedaço de bolo.
– Que legal. Estou ansiosa.
No fundo o que mais Clarissa queria era voltar à hospedaria e conferir como estavam as coisas. Mas, pelo visto, naquele domingo seria bem complicado. Ela tomou o desjejum quase que em silêncio, somente escutando a conversa animada dos avós. Percebeu que o encontro das famílias da comunidade era um evento festivo e muito esperado. Será que Dani não iria aparecer por lá também, mesmo aparentemente sendo um turista?
Clarissa não sabia mais quando havia sido a última vez que seu coração tinha batido de uma forma normal. Dentro do carro do avô, indo para a igreja, o desenho de Dani estava bem guardado dentro da bolsa. Fazia bem para ela olhar para aquela imagem que conseguira construir dele. Durante o trajeto manteve os olhos nas calçadas, rezando para que pudesse enxergá-lo em alguma esquina. Foram várias vezes que seu coração saltara ao visualizar algum rapaz com as mesmas características de Dani. Porém, ao se aproximar, tinha a infeliz surpresa de perceber que a pessoa em questão era bem diferente.