Castigo invertido

A capela estava linda, as flores eram lindas, e a noiva era a mais linda; tudo estava perfeito, até o atraso natural em casamentos, naquela oportunidade havia sido ínfimo, quase que desprezível

A cerimônia transcorria sem surpresas, e é quase certo que nunca, em um outro casamento, uma surpresa como aquela teria surpreendido tanto os convidados do evento.

Dois intrusos, que não foram convidados, caso contrário não seriam intrusos, invadiram a capela, mascarados e armados, fortemente armados, e roubaram tudo, nem mesmo o Cálix Bento foi poupado.

Alguém diria: felizmente foram só danos matérias, ninguém saiu machucado, mas saiu sim, não machucado, saiu morto, num saco preto, um desses sacos que transportam o material de investigação dos médicos legistas. Quando todos pensavam que o assalto estava chegando ao fim sem vítimas, um dos assaltantes atirou no padre, aquele que havia acabado de sacramentar um redundante sacramento.

Além dos riscos naturais, que um disparo com arma de fogo pode oferecer a um grupo de pessoas, num ambiente tão pequeno como uma capela, nenhum convidado se viu ameaçado, nenhum outro foi molestado.

Naquele contexto, o padre era o pastor daquelas ovelhas reunidas para uma cerimônia religiosa, e logo o santo homem foi alvo da violência.

Um jargão na literatura policial, há algumas semanas atrás, aquele mesmo padre, agora o “de cujus”, recebia alguém buscando o perdão no confessionário, e o pretenso cristão revelou ao vigário, que praticava assaltos em casamentos de milionários, onde ninguém ia armado, onde as mulheres usavam suas melhores jóias; resumindo, um assalto onde os assaltantes nunca eram ameaçados, e a promessa de “lucros” era farta e rica.

Tomado por um súbito sentimento de conversão e desejo de ser perdoado, ele que buscava a remissão, também quis ser ungido, e o pároco o atendeu, foram até a sacristia, e uma empatia sacra se estabeleceu entre os dois, afinal até Barrabás foi perdoado, ou parcialmente perdoado, talvez.

Nunca a verdade viria a tona: pode ter sido a crise que o país atravessa; pode ter sido uma recaída moral do famigerado pretenso cristão, ou ainda pode ter sido um comportamento genético do caráter marginal, apanágio dos bandidos, o fato é que aquele padre o reconheceria, aquele padre o denunciaria, por um novo assalto, aquele padre o jogaria numa prisão, por tempo indeterminado. Nesta oportunidade, o crime não era o tema de uma confissão, que deveria ficar em absoluto sigilo entre os envolvidos, e se quisesse se safar...teria de matar o padre, e o padre que ouviu uma específica confissão, tempos atrás, estava pagando a penitência.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 31/03/2018
Reeditado em 06/04/2018
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