O Relógio

O Relógio

Parei numa conversa do dia-a-dia com um senhor de certa idade que eu tinha acabado de conhecer. Pessoa vivida, sabe? Daquelas cheias de experiência. Gosto de conversar com pessoas assim e parei para ouvi-lo contar a seguinte história:

Algum tempo atrás, eu trabalhava de porteiro no centro de São Paulo. Eu deixava meu turno pelo horário das 23:00h e na ocasião já estava no ponto de ônibus próximo a São João. Vi um “nóia” vindo em minha direção e fiquei preparado. O centro da cidade por esses horários é muito perigoso, mais do que durante o dia. Mesmo assim fiquei na minha, quietinho. Ele começou a vir em minha direção, então guardei bem meu celular na mochila, já estava ficando assustado. Ele se aproximou.

- E aê campeão! Está a fim de comprar um relógio?

- Não, não. Tô sem dinheiro. - Eu disse.

- Dá uma olhada, veja bem... É de marca e tudo mais. - Gostei do relógio, mas não a ponto de crescer o olho e comprar. Queria me desvencilhar daquele homem. Aí peguei o relógio e dei uma boa olhada. “É réplica”, pensei.

- Quanto você quer?

- Me dá uns R$300 reais e é seu.

- Você está louco! Não tenho isso e mesmo se tivesse não daria. Deixa quieto, amigo...

Ele pegou o relógio da minha mão e começou aquele negócio de abaixar e subir o preço. Por fim acabei comprando por R$5,00 reais e ele voltou para o local de onde havia saído. Cheguei em casa, joguei o relógio na gaveta, tomei um banho, jantei e fui dormir, pois o dia seguinte seria cheio de muito trabalho.

Passaram-se uns três anos e meu relógio de pulso, aquele que eu sempre usava, quebrou. Eu sempre gostei de usar um relógio de pulso, mesmo podendo contar com o celular. Foi quando me lembrei do relógio que tinha comprado com aquele sujeito. Ele estava parado, mas valeria mais a pena pagar o conserto dele do que do meu antigo.

Fui até um relojoeiro, que arregalou os olhos quando pegou o relógio da minha mão. Inspecionou-o completamente com uma lupa. Deitou-o sobre sua mesa e o abriu com todo cuidado e novamente com a lupa o conferiu por dentro. Por fim disse:

- Uma verdadeira relíquia esse relógio! Nem vale a pena mexer muito. Aconselho procurar um bom leiloeiro, você pode ganhar uma fortuna! Trata-se do Rolex 6100 “Caravelle”. E é original! Onde conseguiu isso? - Eu nem respondi, fiquei pasmo. Mal conseguia proferir algumas palavras, mas por fim acabei falando:

- Pode consertar, sim. Eu quero esse e não pretendo vender. E por favor, faça seu serviço na minha frente.

- Isso pode levar um tempo e...

- Então eu levo a outro relojoeiro! - Ele me olhou por de cima dos óculos.

- Ok, vamos lá! Pegue aquele banco e se sente aí. Vamos trabalhar! - Deu um sorriso sacana.

- Você ainda precisa falar quanto vai custar o conser...

- R$2.000,00. - Disse sério.

Eu parcelei no cartão de crédito, minha única opção, mas fiquei com aquela relíquia maravilhosa. Agora me parecia ser ouro legítimo mesmo, e realmente era. A todo lugar que eu frequentava, o relógio era umas das primeiras coisas que notavam em mim.

Durante quatro anos eu ouvi elogios. Algumas pessoas me ofereciam altos valores por aquela relíquia, um sujeito num carro chegou a R$30.000,00. E mesmo assim eu não vendi, afinal um homem precisa de algo para se orgulhar.

Existem algumas mulheres interesseiras e, talvez, por causa do relógio muitas delas se aproximavam para tomar um café comigo, conversar e tal... Certa vez parei numa padaria para tomar uma cerveja. Uma loira linda e de olhos verdes se aproximou de mim, na verdade a mulher mais bonita que o relógio atraíra. Eu percebi seu olhar de relance para a joia. Aproximou-se e perguntou se poderíamos tomar uma cerveja juntos. Várias vezes isso já tinha acontecido. Eu não sou rico, se elas pensam assim a culpa não é minha, mas pedimos algumas cervejas. E ela era muito agradável! Tomamos quase 5 litros e eu já tinha anotado seu telefone e estava indo embora.

- Ei! Vamos para a saideira? Quem sabe amanhã você não passa no meu apartamento?! - Ela me olhou com um olhar malicioso.

O meu copo já estava cheio, ela mesma o encheu para mim. Eu dei dois ou três goles, estávamos conversando e tudo mais. Comecei a olhar bem em seu rosto, por alguns momentos pensei estar embriagado, um sono estranho caiu sobre mim e comecei a ficar zonzo. Eu balançava minha cabeça numa tentativa de me manter acordado, mas de repente tudo se apagou.

- Senhor... Senhor acorda... - disse um garçom da padaria balançando meu ombro.

Acordei meio atordoado, nem mesmo sabia onde estava. Aos poucos fui me lembrando e de sobre salto olhei para o meu pulso e o relógio tinha sido roubado.

- Cadê a loira? Cadê a loira? - Gritei para o garçom.

- Ela já se foi, senhor, faz algum tempo. Disse que era sua namorada, que o senhor não sabia beber e, se não parasse, iria embora e deixá-lo aí. Foi isso que aconteceu. Ela veio até o caixa, disse que quando o senhor acordasse pagaria a conta. E aqui está a conta. - Conferi todas as cervejas e ainda a cara de pau da golpista que me deu um “boa noite cinderela”. Tinha comprado um maço de Marlboro.

A Brancato
Enviado por A Brancato em 30/03/2018
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