MEU AMOR MISTERIOSO - Parte 3

Ela o viu assim que dobrou a esquina. Cansada, cada pedalada era um esforço extra quando subitamente ela enxergou Dani do outro lado da rua, um pouco distante. As pernas faltaram de vez e apesar de não poder enxergar o rosto de Dani, os cabelos louros inconfundíveis enchiam Clarissa de certeza que sim, era ele. Se acelerasse, era bem possível que pudesse alcançá–lo.

Clarissa esqueceu o cansaço e tentou pedalar o mais rápido que podia, ansiosa. Um friozinho na barriga tornava aquela perseguição muito mais empolgante. O que dizer quando finalmente estivessem frente a frente? Deveria ter ensaiado alguma coisa antes.

Quanto mais pedalava, mais distante Dani ficava. Não era possível, pensou ela, já outra vez cansada e ofegante. Se ao menos soubesse o nome verdadeiro dele, poderia chamá–lo ainda que fosse muito ousado da sua parte. Mas o que importava? Não havia tempo para se sentir envergonhada.

Foi tão rápido que Clarissa nem se deu conta. Em meio a sua afobada perseguição, a bicicleta passou por cima de uma pedra e ela se desequilibrou totalmente. Sem controle, Clarissa foi parar sobre vários sacos de lixo que se acumulavam na calçada esperando o caminhão que os recolheria.

– Ui, que nojo – gemeu ela olhando imediatamente na direção que Dani seguia. Implorou aos céus que ele não tivesse visto o tombo idiota que acabara de levar. As mãos estavam sujas e pegajosas de algo gosmento. O saco sobre o qual caíra em cima se rasgara exalando um cheiro de comida passada. – Não acredito que isto tenha acontecido comigo... – a única boa notícia é que Dani novamente havia tomado chá de sumiço e saído completamente do campo de visão de Clarissa.

– Puxa, Clarissa. Que lugar horrível para cair.

A garota olhou para cima. Mariana lhe estendia a mão, penalizada. Clarissa recusou a ajuda disfarçando o constrangimento.

– Obrigada, Mariana, mas... – ela mostrou as mãos sujas. – Não acho que seja uma boa ideia você chegar muito perto de mim.

Prontamente Mariana pegou a bicicleta do monte de lixo enquanto Clarissa se levantava com alguma dificuldade. Fora o vexame e a sujeira, não estava machucada.

– Como você foi parar em cima do lixo?

– Não sei – respondeu Clarissa afastando uma casca de banana alojada sobre o tênis. – Passei por cima de alguma coisa, uma pedra, acho...

– Está machucada? Posso acompanhar você.

Clarissa não esperava que Mariana fosse tão solícita. Porém, a última coisa que queria naquele momento era companhia.

– Não precisa, obrigada, Mariana. Eu consigo chegar em casa.

Mariana apertou a bolsa contra o corpo.

– Se você diz que está tudo bem...

– Ah, estou ótima. Na verdade, só preciso de um banho de duas horas de duração para tirar este fedor de cima de mim. Obrigada de novo – disse Clarissa dando meia volta, ansiosa em sair dali.

Clarissa voltou para casa à pé, conduzindo a bicicleta. Naquele momento desejou não encontrar Dani. Se ele a visse naquele estado, todas suas chances iriam por água abaixo.

*

Dona Iara estendeu a toalha rosa e felpuda para a neta se enxugar. Depois de um banho de 45 minutos Clarissa se sentia mais limpa. Pelo menos o fedor de azedo tinha dado lugar ao do sabonete floral da avó.

– Você não deve andar correndo, Clarinha. Senão fossem as latas de lixo você poderia ter quebrado algum osso.

Clarissa também não contara a avó o motivo da queda e tratou de desviar o assunto.

– Mariana foi bem legal em me oferecer ajuda. Porém, se eu aceitasse, ela ficaria tão imunda quanto eu.

– A Mari é uma ótima pessoa. Um pouco estranha, é verdade, mas eu gosto muito dela.

Depois de alguns segundos de silêncio, Clarissa perguntou:

– Por que Mariana é assim?

– Assim como?

– Estranha como você disse. Triste. Ela é uma mulher triste.

Dona Iara pensou um pouco antes de dizer:

– Acho que ela teve alguma desilusão na vida. Amorosa, por assim dizer.

Clarissa se interessou.

– Sério? O que você sabe?

– Não sei nada. Mas é o que dizem. Eu a conheço faz uns dez anos e ela sempre foi assim. Então eu presumo que se alguma coisa aconteceu na vida dela já faz um bom tempo.

– Então ela é solteira?

– Sim – Dona Iara pegou uma segunda toalha e começou a enxugar os cabelos da neta. – Ela mora sozinha em uma casa próxima daqui com os gatos. Devem ser uns seis.

– Nossa, mas para que tanto gato?

– Ah, ela é uma mulher muito sozinha. São para fazer companhia, coitada.

– E… bem, a senhora já a visitou alguma vez? – Clarissa estava muito curiosa.

– Duas ou três vezes. A casa é toda ajeitadinha, sabe? Até os bichanos são obedientes.

– Talvez ela tenha perdido o namorado para a melhor amiga e nunca mais se recuperou depois disso.

Dona Iara riu.

– Teve uma época que a vida de Mariana me intrigava. Eu também tinha muita vontade de saber por que ela é assim tão... tão misteriosa. Quase não conta nada sobre a vida, do que gosta de fazer, nem sei se tem família. Depois me acostumei com o jeitinho dela. Mariana é uma ótima pessoa.

– Imagino que sim... – Clarissa deixou a mente divagar enquanto se secava. – Fico com pena dela. Ela parece ser tão triste, tão solitária...

– Foi a vida que Mariana escolheu, Clarinha. Talvez ela seja feliz assim.

Será? Clarissa tinha certeza que não.

... Continua...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 16/03/2018
Reeditado em 11/04/2018
Código do texto: T6281242
Classificação de conteúdo: seguro