Tchau, Elisa

Ruas asfaltadas em perfeito estado, e nas laterais, o mato verde e molhado davam aquele perfume característico do lugar. O céu estava claro e bem azul, e poucas árvores se revelavam à beira da estrada, mexendo suas folhas e provocando um aconchegante frescor. No horizonte, poucas casas, quase nenhuma, porém, pouco adiante, um sobrado amarelo com detalhes em madeira parecia gritar a sua presença e era justamente ela que tirava o conforto do jovem Eduardo, fazendo-o esquecer toda a beleza ao redor. "Por quê quis vir para cá?" - questionava a si mesmo - compensa esse último adeus?".

O clima tranquilo daquele lugar nem revelava o caos que estava todo o centro urbano logo atrás. Na verdade, o mundo parecia ter entrado num estado desesperador. Tantos problemas, tantas perguntas e tão poucas respostas. Alguns, como Eduardo, estavam saindo de suas casas seguras e buscando socorro nos "Portos". Mas o futuro era incerto, e quem pudesse, estava aproveitando os últimos momentos para dar alguns "adeus". O pregador na televisão dizia que a confusão era desnecessária, pois Jesus com certeza levaria os seus e estes estariam em um lugar melhor. Já o repórter do canal 4 tentava trazer uma segurança mais generalizada dizendo que, logo aquilo acabaria e todos ficariam bem.

Por algum motivo secreto, Eduardo não acreditava na "grande resolução", ele havia realmente acreditado ter chegado o tempo, e foi por pensar assim que decidiu rever seu antigo amor, porém nunca esquecido. Namoraram ainda muito jovens, totalmente imaturos, ela tinha um coração dividido entre ele e um "ex", que lhe era próximo. O pobre Eduardo detestava viver diante de tamanha indecisão, mas a amava muito e não conseguia nem sequer julgar seu coração. Certo dia, o jovem apaixonado teve de partir daquele lugar onde morava por conta dos estudos e voltar para a cidade natal por causa da mãe que estava doente. Passou-se pouco tempo e ele descobriu que a amada em sua ausência havia optado pelo "ex", e novamente estavam namorando. "Talvez - pensava - ela nunca me amou de fato. Talvez, eu só servisse para preencher o espaço vago do outro". Uma montanha colorida de promessas e sonhos tinha sido destruída pelo rancor e pela distância.

Diante da porta de madeira maciça com detalhes entalhados, o agora "rapaz-homem", lembrou dos vários momentos que passou naquele lugar, na amizade que nutriu com a família, nas festas de aniversário, natal e ano novo celebradas com tanto amor. Se aquietou por um instante, tinha medo do que lhe esperava, do que iria dizer, do que iria escutar. Não sabia realmente o que lhe aguardava, mesmo assim temia. "Por quê eu voltei? Por quê estou aqui?".

Bateu. E após bater, eis que surge a mãe da moça, um pouco mais velha, com ar de cansaço, porém feliz por vê-lo. "Oh, Eduardo meu filho, quanto tempo! Entre, entre!". A casa permanecia a mesma coisa, repleta de enfeites, mas muito bem organizada. A "ex-sogra" tinha feito bolo e lhe serviu, sorridente, enquanto aproveitava para perguntar questões frívolas como por exemplo: "como ele estava?", e para contar da dor de perder o marido depois de anos de enfermidade. O jovem então se lembrou de como cuidava do "ex-sogro" na cama como se fosse seu pai, e por mais perverso que fosse isso, sentiu ódio de sua dedicação. Ao fundo da sala, outro fato lhe enfureceu, um retrato de sua "ex" com o "ex-atual" dela numa festa de formatura, aparentemente ele tinha concluído a faculdade, enquanto que Eduardo precisou frear os estudos.

"Dona Nô, eu vim ver Elisa" - disse indo direto ao ponto, ao que a senhora se encolheu. Era claro que ela estava evitando o assunto e se sentia constrangida demais para chamar a filha. Mas ao ver que era um desejo forte do rapaz, ela subiu as escadas do sobrado, quieta e a passos lentos, sem pressa alguma, no intuito de anunciar a moça que dormia sobre sua visita. Nos instantes que lhe faltavam, Eduardo questionou seu ato, tremeu de pensar em rever a "ex" tão amada. Não tinha certeza se queria aquilo, e sem pensar mais, antes que Dona Nô descesse, ele saiu da casa de forma apressada. Se conteve enquanto pôde, mas foi pisar no asfalto da rua, que como a mulher de Ló, voltou-se para trás e o que viu lhe fez se afogar num "mar de sal". Com as janelas do quarto abertas, no andar de cima, ele viu Elisa, e esta viu ele com um olhar de indiferença, como quem acorda irritada por receber uma visita indesejada, o qual pensou que nunca mais veria.

Eduardo chorou amargamente enquanto andava, sentindo o coração comprimir de tal maneira como se fosse romper. Depois de ter andado muito, pôde enxergar a cidade com seus altos prédios no horizonte, e se lembrou dos "Portos". Limpou as lágrimas e desejou profundamente que o mundo de fato acabasse e que ele enfim morresse. Sem céu e nem inferno para lhe suceder, pois não queria correr o risco de rever ente queridos.

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Recomendo também meus contos "O fim" e "Jeh e Ju, ou Rebeldia indomável", ambos parte de um mesmo "universo" de contos apocalípticos.

E Rodrigues
Enviado por E Rodrigues em 28/02/2018
Código do texto: T6266703
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