A Alma de um Padre
A rua Padre Belchior em Pitangui é de uma centralidade emblemática, desde sua localização como cerne histórico aos ilustres moradores que a povoaram e povoam ao longo dos três séculos da vida dessa mais antiga urbe do Centro-Oeste das Minas Gerais.
Entre as muitas distinções literárias de que é objeto, evoco aqui a ode que lhe teceu um cronista-poeta que nela passou os primeiros anos de sua existência, Alyrio Mourão. Um primor de prosa poética. Que que não logro entender é que mesmo sendo exagerada a sua promessa de a ladrilhar com pedrinhas de brilhante, o caro concidadão permitiu - se é que foi consultado...! - que essa sagrada via fosse maculada com o insípido asfalto sobre o paraleleípedo, incongruente com a sua romântica vocação! Um despautério!
Reduzidos a uma meia-dúzia, os casarões coloniais que a orlam, resistem à onda de transformação e até se adaptam aos sabores e saberes da sociedade moderna. Mas não todos tem essa sorte. Justamente, e quiçá, o mais antigo deles, fechado, abandonado, padece de um processo destrutivo que não parece encontrar remédio.
Está à venda, anuncia-se, e já há bem tempo. Esse imóvel, assobradado, foi nada menos do que a morada terrestre do Padre Belchior, figura eminente no processo de libertação dos Brasil dos grilhões da madrasta metrópole. Belchior teve influência política no Primeiro Império, e a ele é historicamente atribuído o aconselhamento ao pusilânime Pedro Primeiro a cortar os laços nada umbelicais com a Metrópole.
A lambança visual com que hoje cidadãos e forâneos hoje podemos nos deparar, é no mínimo, deplorável. À esmaecida imponência das grades metálicas das sacadas de suas portas superiores, somam-se, agora, rachaduras e descascamentos que, expondo as amarras do trançamento da madeira à argamassa, ancestrais de suas paredes, evidencia nada mais do que, confidente, penitente, e estertoralmente, a alma de um Padre.