A Moça do Violoncelo

Os acontecimentos daquela noite premonitória mudariam completamente os rumos da vida de William Schlesinger. Sua adorável mãe tentou dissuadi-lo enquanto vestia o terno novo e se perfumava. Meu filho, fique em minha companhia, não saia, pressinto algo ruim, disse alisando carinhosamente os cabelos do filho. Ah mamãe, não perderei o espetáculo dessa noite, talvez seja o último! Trata-se David Gilmour in Concert, comprei o ingresso, respondeu sem esconder o enfado. Deixou-a sozinha com lágrimas nos olhos e partiu. A pobre senhora, desde o suicídio do marido, tornara-se uma pessoa amarga, na visão do filho único. Agarrava-se a ele como tábua de salvação.

O teatro estava lotado. Como de hábito, Schlesingir encontrava-se na primeira fila, próximo ao palco. Só ia a espetáculos se encontrasse bilhete na primeira fila, no máximo na segunda. Nessa noite sentia-se personagem especial. E de fato seria. Nesse exato momento a mãe chorava de solidão. William ficava irritado com os clamores da mãe. Não foram poucas as vezes em que disse a ela palavras ríspidas: tenha paciência mãe, me deixe em paz, que merda!

Tivesse atendido aos seus apelos, não viveria esse inferno hoje...
David Gilmour iniciou os famosos acordes dissonantes de Shine On You Crazy Diamond, seguidas de Terrapin, Fat Old Sun… Sentiu um arrepio. Mas foi quando a moça do violoncelo entrou, que seu sangue circulou desordenadamente nas veias. Entrou como uma poderosa deusa, vestido longo, cor de vinho tinto com listas negras, negras rubras em forma de arabescos, cabelos ruivos batendo nos quadris, tendo algumas mechas cobrindo ligeiramente seus olhos castanhos claros. Sentou-se consciente de seu poder. Abriu as pernas com elegância suave, levantou o vestido até a altura dos joelhos e encaixou o instrumento entre as pernas... Nosso personagem não tirava os olhos da moça do violoncelo. Os fantásticos acordes de David pareciam sair de dentro dela. O mundo girava em torno da moça. Seus movimentos concatenados foram se apossando do íntimo de sua alma. Olhar sedutor, cabelos balançando, doces lábios. O desejo de acariciar sua pele o levaria ao delírio.

Quando os primeiros acordes Je Crois Entendre Encore soaram, seu coração descontrolou-se. E chorou, chorou... Chorou como criança.

E soluçou. Soluços que sulcaram fundas fendas. Precisava falar com ela. Mais que falar, ouvir. Aproveitou o momento em que ela se dirigia ao camarim, pois a música seguinte não exigia a sua participação, e a seguiu discretamente. Teve sorte ao driblar a vigilância. Ela encontrava-se sentada de frente ao espelho, reparando a maquiagem. Meu Deus, dai-me força! As pernas tremiam; o coração saía pela boca. Ela o olhou de viés, com ar de desdém. Foi como uma facada no peito. Ao se aproximar, ela ergueu o revólver em sua direção. Trêmulo, disse que só queria admirar sua beleza. Ela o obrigou a ficar de joelhos. Depois ordenou que lhe beijasse os pés. Beijou-os com sofreguidão. Em êxtase. Em seguida puxou-o pelos cabelos e disse saia daqui antes que eu o mate. William não se moveu. Desafiou-a: mate-me se for capaz. De fato preferia morrer, se ela não o ouvisse ao menos. Ela aquiesceu. Eu te amo. A moça deu um riso de escárnio. Imbecil, não sou mulher para o seu bico, disse dando-lhe as costas, após colocar o revólver sobre o birô. Schlesinger entendeu o gesto como um convite. Alguém bateu à porta com os nós dos dedos e perguntou: está tudo bem? Ela respondeu, tudo bem. Não teve dúvidas, ela também o desejava. Aproximou-se e abraçou-a por de trás. Em seguida conduziu a mão trêmula entre suas coxas macias. Serpenteou os dedos sob a calcinha e tocou o clitóris úmido. Mas foi interrompido, pois a moça do violoncelo precisava retornar ao palco. Após se recompor retirou-se, lançando-lhe um olhar sensual, eu voltarei para te enlouquecer de prazer, disse fechando a porta.

De Comfortably Numb William Schlesinger só ouvia os acordes do violoncelo enlouquecido. Última canção, que ficaria gravada em seu conturbado sentimento.

Ela voltou ao camarim e puxou-o pelo braço, conduzindo-o ao seu quarto privativo. William a seguiu como cão fiel. Fique deitado aí, quieto – ordenou-lhe. Em seguida a moça foi tirando peça por peça de seus trajes, sob o olhar indescritível do rapaz. A sua beleza escultural o atordoava. Inteiramente nua, ela apanhou o violoncelo, que se encontrava sobre a cama, ao lado de William. Sentou-se e o encaixou entre as pernas. Suavemente fez um solo de Ne Me Quitte Pas. Ao final, levantou e se vestiu. Schlesinger, depois de ir ao orgasmo, caiu em prantos. Está satisfeito? Agora, retire-se – ordenou. William continuava chorando e dizendo frases, que escapavam ao entendimento da moça do violoncelo. Minha querida mãezinha, o que será de você? Minha vida acaba aqui... Sou seu filhinho querido, mamãe, não a abandonarei... A moça ameaçou: saia imediatamente daqui, maluco, antes que eu chame os seguranças.

Em seguida um tiro ecoou no recinto. William tirou o revólver que trazia escondido no cós da calça e atirou. A moça tombou sobre o violoncelo e o sangue se espalhou. Depois de alguns minutos os seguranças arrombaram a porta e se depararam com a cena: William Schlesinger, filho único de Margareth Blair dedilhando o violoncelo ensanguentado, ao lado do corpo inerte. O que se seguiu está registrado nas reportagens do tabloide sensacionalista The Sun.

William encontra-se na prisão e recebe semanalmente a visita da mãe, mas ele parece não vê-la. Passa o tempo todo com o fone no ouvido, escutando Je Crois Entendre Encore.

 


Imagem: capa do livro elaborada por Fernando Estanislau