O Vidente (Parte 1/3) - A Caça

ATENÇÃO: O conto a seguir é um texto essencial de uma história muito maior intitulada "512". Logo chegará a hora de conta-la. Por enquanto, lembre-se apenas que a história já começou.

Muitos metros abaixo do prédio sede da Polícia Federal em Brasília, conhecido como "Máscara Negra", um homem apertou um botão e, então, todo o painel ligou. O homem já tinha seus sessenta e cinco anos, magro, calvo e um pouco corcunda. Sentiu satisfação ao ver todo o equipamento iniciando.

Luzes, leitores, botões, displays...

O Dr. Miguel iniciou toda a operação apenas apertando aquele botão.

- Estaremos prontos em cinco minutos. E o rapaz? – Disse ele.

O Diretor Geral, pela primeira vez desde que o conheceu, parecia estar algo parecido com nervoso. Isso aos olhos do doutor, é claro. Diante da pergunta desviou os olhos e falou:

- Ele já está pronto. Vou busca-lo.

O Diretor Geral da Polícia Federal sempre se vestia muito bem. Naquela manhã (não que eles pudessem ver o dia de onde estavam) vestia um terno feito sob encomenda, azul escuro, sem gravata e com abotoaduras de prata. Depois de responder, saiu da sala que estavam - um cubículo climatizado de mais ou menos quinze por quinze, repleto de mesas com computadores com os assentos voltados contra a porta de entrada e saída. No lado oposto a essa porta também havia um enorme painel com vários monitores, botões e outros equipamentos rentes a uma parede de vidro blindado. Além dessa parede, outra sala, também de quinze metros por quinze, porém Miguel sabia que suas paredes podiam se mover de maneira que ela ficaria muito maior. Porém ela estava em seu menor tamanho, suficiente para acomodar o equipamento de ressonância magnética ligado por grossos fios de várias cores ao controlador de pulsos. Esse era também ligado por vários cabos que iam até sumir numa reentrância na parede. O Dr. Miguel sabia para onde eles iam... o trabalho da vida dele. Magnífico, magnífico, magnífico, ficava dizendo para si mesmo algumas vezes à noite antes de dormir.

Era no painel principal que o Dr. Miguel se encontrava. Olhava para um descanso ao seu lado que continha uma estrutura metálica repleta de fios que se assemelhava com um capacete. Olhava-o pensando que tipo de coisas ele revelaria à humanidade.

Coisas maravilhosas ou terríveis?

...

O Diretor Geral chegou acompanhando o rapaz escoltado por dois daqueles soldados de elite com máscaras de gás que tinham nascido de seu trabalho e realizavam as diversas ordens dele, entre elas a guarda pessoal do rapaz.

Nesse momento, todos os outros cientistas já tinham chegado e tomado seus postos. Eram cerca de vinte.

O rapaz foi passando por eles guiado pelo Diretor Geral que tinha a mão em seu ombro. Já tinha seus dezenove anos, era magro porem saudável. Devia ter um metro e sessenta e dois, negro e de cabelo ralo.

Como pedia o processo, estava de roupa hospitalar. Chamava-se João e parecia estar um pouco assustado.

O Diretor Geral o levou até a porta de vidro com trava elétrica que era a única passagem por meio da parede de vidro. Pediu para que Miguel a destravasse e ele o fez ao digitar uma senha no painel. Os guardas ficaram fora e quando eles dois entraram, foram seguidos por alguns dos cientistas.

Chegando ao centro da sala de experimentos, os homens colocaram o menino na cama-suporte do aparelho de ressonância magnética enquanto ligavam e ajustavam os equipamentos. O Diretor Geral permaneceu ao lado do garoto o tempo inteiro, tranquilizando-o com sua presença e sem falar nada.

Quando os equipamentos estavam ligados, o menino deitado e os sensores estavam postos em sua cabeça devidamente, chegara a hora das correias. Seriam amarradas em seus pulsos e continham injetores que aplicariam um sonífero no menino. Porém, a parte da amarração sempre era vista como um problema. O Diretor Geral se curvou e falou em seu ouvido:

- Isto é para o seu bem. Juro que vamos descobri o que há na sua mente. Eu estarei aqui o tempo todo e não deixarei nada de ruim acontecer a você.

Depois disso, o rapaz ficara mais tranquilo e os cientistas amarraram as correias. Seguido por um som de “uuuuu” foi sumindo dentro do equipamento de ressonância.

Tudo pronto, os homens saíram da sala e a porta foi trancada.

Todos tomaram seus postos e o Diretor ficou numa grande cadeira confortável ao lado do Dr. Miguel, esperando a hora em que colocaria o capacete.

Os cientistas começaram a falar.

- Tudo pronto.

- Ligar ressonância.

- Ligada.

Passaram-se alguns segundos seguidos por jargões dos especialistas naquele equipamento.

-Monitores.

- Tudo ok.

- Quero os dados do menino na tela.

- Pulso normal. Respiração normal. Pressão normal. Sem estresse.

Houve um momento de silêncio. O Diretor Geral se apressou em falar:

- Começar fase um.

- Iniciando fase 1.

Nas correias dos pulsos do rapaz, pequenas agulhas injetaram o poderoso sonífero que o fez apagar em alguns segundos.

- O menino apagou.

- Preparar a ressonância.

- Preparada.

- Comece.

Alguns segundos se passaram.

- Muito bem, quero o cérebro dele.

- Na tela em 3, 2, 1..

Na tela de todos os presentes naquele momento, apareceu uma imagem de um cérebro humano em duas dimensões.

- Esperando ordem.

- Esperando ordem.

- Esperando ordem.

Miguel olhou para o Diretor Geral que ainda mantinha o olhar no equipamento onde o menino estava. Parecia um lobo olhando uma presa. Por fim, sem virar o rosto, falou:

- Começar fase dois.

- Fase dois iniciando.

- Uma chuva de dados foi passando em cada monitor e todos fizeram o que já tinham treinado para fazer. Após alguns segundos, todos mantiveram o olhar numa das janelas apertas do software, ansiosos. Miguel falou:

- Ligar o Vidente.

A janela começou a apresentar diversos dados, um atrás do outro, compreensíveis apenas para os criadores daquele sistema.

- Agora, só esperar – Miguel disse, com um suspiro.

- Quanto tempo pode levar? – O Diretor Geral falou, ainda sem tirar os olhos da máquina.

- Minutos, horas... vai depender dele. Aceita um café?

- Sim...claro.

...

Passou-se uma hora e a tela ainda exibia dados não satisfatórios.

- Como está o menino? – Miguel já estava ficando impaciente.

- Tudo estável.

- Droga, garoto, sonhe logo.

Muitos passos para a ciência e para a humanidade estão sendo dados a todo momentos. Muitos segredos se guardam por conta de plágios e roubos. Porém, eles não escondiam o que faziam ali simplesmente por ser a vanguarda da neurociência. Não... Era algo bem mais profundo.

“O Vidente” é como era chamado. Seus primeiros protótipos surgiram na antiga união soviética. Os cientistas imaginaram se haveria alguma forma de entrar na cabeça dos espiões e roubar seus segredos. Poderiam até dopá-los, tirar tudo o que sabiam e quando acordassem não se lembrariam de nada. Esconderiam essa máquina e trocariam reféns sem medo nenhum de ficar na desvantagem. A ONU nem encostaria neles. Seriam os bonzinhos, na verdade, por tratar bem seus prisioneiros e não interroga-los com torturas.

Assim, em 1952, Dmitry Ilya Ulach, neurocientista renomado, conseguiu patrocínio do governo soviético para começar as pesquisas. Montou uma equipe com os melhores pesquisadores na área e em 1954, usando as descobertas de Felix Bloch e Edward Purcell, já havia um protótipo de uma máquina que comunicava alterações no cérebro de ratos numa ampla gama de variedades. A ideia que eles desenvolveram era usa a primitiva ressonância magnética para obter informações do cérebro, adentrar em memórias de sons e imagens e sabe lá o que mais.

Porém, as dificuldades não tardaram a chegar.

Dmitry logo viu que para ir muito além de pouco sinais, eles precisariam idealizar algo que, de fato, lesse e traduzisse os pensamentos do paciente. Ele escreveu em seu diário:

(...) minhas reflexões acerca do assunto me revelam que possivelmente só uma coisa no mundo nessa nossa época é capaz de entender os pulsos vindos do cérebro humano – outro cérebro (...).

Como então fazer com que uma pessoa pensasse e outra observasse o que a outra pensava?

Continua...

PauloxSilva
Enviado por PauloxSilva em 20/12/2017
Código do texto: T6203886
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