A MULHER DE CABELOS VERMELHOS

Ele chegou à cidade ao entardecer. Parou o carro em uma rua sem movimento e de longe enxergou a igreja, a praça e algumas pessoas passando. Havia algumas lojas abertas e a vontade de comprar cigarros aumentou. Precisava fumar antes de seguir viagem.

Marcelo entrou em uma cafeteria bem arrumada onde a dona, uma mulher acima do peso e com lábios vermelhos, parecia o aguardar detrás do balcão. Teve a impressão que ela soltou os cabelos loiros pintados assim que ele empurrou a porta e entrou no lugar.

– Ora, ora... temos visita na cidade – anunciou ela com um sorriso amistoso. E convidativo.

– Boa tarde – cumprimentou Marcelo sem muita vontade de prolongar a conversa. – Preciso de cigarros.

A mulher sorriu. Colocou um maço de cigarros sobre o balcão.

– Não tenho muitas marcas disponíveis aqui, mas meus clientes preferem este.

Marcelo deu de ombros.

– Tudo bem. É o que eu procuro.

Depois de um tempo em silêncio, enquanto Marcelo procurava o dinheiro para pagar, ela perguntou, curiosa:

– Para onde você está indo? Sei que não é da minha conta, mas...

– Santo Antônio – respondeu ele catando algumas moedas no bolso das calças. Quando tornou a olhar para a mulher reparou que ela estava pálida. – Santo Antônio – repetiu como se isso fosse ajudar a desmanchar a cara de espanto dela. – Algum problema?

Ela tossiu, nervosamente.

– Não, não. Está tudo bem.

Mas não estava. Marcelo percebeu que as mãos da dona da cafeteria tremiam quando ela mexeu nos cabelos mal disfarçando a tensão.

– Qual é seu nome?

– O meu? Nádia.

Marcelo se aproximou mais do balcão e ensaiou o sorriso que usava quando queria conquistar alguma mulher. – Por que não me conta o que a deixou tão preocupada?

Talvez pelo sorriso ou simplesmente pelo tom de voz rouco de Marcelo, Nádia soltou um pouco o ar. Deu uma risadinha sem graça. Estava sem jeito.

– Santo Antônio. Bem, este lugar é um pouco diferente, se é que você não sabe ainda.

Ele sabia. Contudo, precisava saber mais. Bem mais.

– Sei muito pouco sobre Santo Antônio. Você acha que serei bem recebido por lá?

Os olhos de ambos se encontraram e Nádia em seguida os baixou, olhando para suas próprias mãos pálidas.

– Talvez. Se você for um deles.

Marcelo sentiu o coração acelerar. Talvez estivesse no caminho certo. Finalmente.

– Um deles?

– Eles costumam aparecer à noite – a voz de Nádia tremeu. – Alguns aparecem ao entardecer. Como você.

– Quem são... “eles”?

– Espere aqui.

Nádia deu–lhe as costas e se dirigiu para os fundos da cafeteria. Voltou um minuto depois com uma réstia de alho.

– Tome – disse ela com a respiração entrecortada. – Você vai precisar.

Marcelo esticou a mão e segurou o alho. Foi então que percebeu que no teto do estabelecimento havia réstias penduradas por toda parte. Sinistro.

– Creio que isto – ele apontou para cima – não faça parte da decoração.

– Nenhum pouco – garantiu Nádia, a voz tensa. – Você não é nenhum deles – ela ficou nitidamente mais aliviada. – Não se desgrude dela – e apontou para a réstia.

Marcelo levou a mão sobre a camisa e apertou o crucifixo de prata que trazia por debaixo.

– Obrigado, Nádia.

Ele se virou para ir embora, apertando firme a réstia de alho nas mãos. Talvez fosse interessante comprar mais algumas em um armazém que achara ter visto duas lojas acima. Antes de ir embora escutou a voz assustada de Nádia:

– O nome dela é Pandora e seus cabelos são vermelhos.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 26/11/2017
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