A Queda

[Continuação de "Pressão parental"]

Depois da Era das Armas de Destruição em Massa (químicas, biológicas e nucleares), veio um tempo de armas de Destruição Seletiva. Afinal, era muito mais vantajoso destruir o mínimo possível da infraestrutura, recursos e população do inimigo, pois tudo isso poderia ser aproveitado pelo vencedor após a conquista. Foi neste contexto que surgiu a Bomba Seletiva, uma arma que permitia delimitar o que seria eliminado fisicamente dentro do seu raio de ação, fosse matéria inanimada ou até mesmo um número determinado de pessoas. A Bomba Seletiva era um projeto potencialmente tão devastador, que seus planos haviam sido escondidos trinta anos antes por seu inventor, Bronze Marinho, pouco antes do ataque nuclear contra Boca do Tigre. Ao certo, sabia-se que ela havia sido utilizada uma única vez e com sucesso, pelos terroristas que haviam posteriormente fugido para Beira do Abismo. O fato de que não haviam se utilizado dela posteriormente, indicava que também não tinham os planos para a sua construção. Isto é, até que Estanho Pires havia descoberto a sua localização nas ruínas da Boca do Tigre.

Com base no projeto original, ele montou um dispositivo genérico o suficiente para que pudesse ser aplicado numa gama de edifícios da área onde presumivelmente Turquesa Fontana estava sendo mantida prisioneira - ou, ao menos assim pressupunha. Determinado o seu paradeiro preciso, faria os ajustes de última hora. E assim, ao lado de Sal Gema, partiu para a desolada região da Boca do Tigre, cujas ruas vazias eram varridas pela areia que soprava do Deserto de Sangue. Seguindo o mapa com as coordenadas obtidas no colégio de Ágata Fontana, logo descobriram que haviam veículos descaracterizados estacionados dentro do pátio de uma antiga transportadora.

- Só pode ser aqui! - Comentou Pires, parando o carro na esquina. E virando-se para Sal:

- Você não me saia do carro, e esteja pronta para partir ao menor sinal de confusão. Se tudo der certo e eu descobrir onde Turquesa está, devo voltar em cerca de meia hora.

Sal agarrou-lhe a cabeça e deu-lhe um beijo na boca.

- É para dar sorte! - Exclamou, sorridente.

- Até aqui, tem dado... - respondeu Pires, saindo rapidamente do carro.

Abriu o porta-malas onde estava a bomba, dentro de uma valise de mão, e seu controle remoto (adaptado de uma TV). Fez os últimos ajustes no dispositivo, para que seu raio de ação abrangesse o prédio da transportadora e os terrenos circundantes, e depois, entrando no pátio por um buraco na cerca de tela de arame, escondeu a valise entre dois contêineres enferrujados. Controle remoto no bolso do sobretudo e pistola na mão, ele acercou-se do prédio principal, onde havia luz acesa no refeitório. Aproximou-se cautelosamente, e ao espiar por uma das janelas, mal pode acreditar na sua estrela: Turquesa Fontana, sentada à uma mesa e de frente para a janela, estava jogando cartas com um soldado uniformizado da Polícia Especial. Pires acenou e fez um sinal para que ela viesse para fora. Fontana apenas ergueu uma sobrancelha em reconhecimento, e depois dirigiu-se ao carcereiro:

- Preciso ir fumar. Por favor, não olhe minhas cartas.

Ergueu-se e saiu do prédio tranquilamente, vindo na direção dele.

- Você me deve uma - disse Pires ao vê-la. - E só estou fazendo isso pela Ágata, que não tem culpa dos pais que lhe couberam.

- Verdade, ninguém pede pra nascer - retrucou Turquesa Fontana. E olhando para um ponto atrás de Pires, acrescentou em tom zombeteiro:

- Eu não disse que ele vinha?

- Mãos para cima, Estanho Pires!

Pires não precisou virar-se para saber que acabara de ser rendido por Máximo Ribeiro.

* * *

- Então esse é o controle da Bomba Seletiva?

Máximo Ribeiro exibiu o controle remoto que haviam confiscado de Pires. Sentado à uma das mesas do refeitório, onde há poucos instantes estivera Turquesa, Pires apenas olhou para seu captor. Por trás dele, dois soldados da Polícia Especial o mantinham sob a mira de armas.

- A Bomba possui um circuito de tempo - retrucou enfim. - Se eu não o desarmar, e não pretendo fazê-lo, iremos todos morrer. E não pense que irei lhe revelar o código de desativação.

Ribeiro olhou para Turquesa, de pé ao lado dos soldados, braços cruzados.

- Acha que ele está blefando?

- Não creio - pronunciou-se ela. - O mais seguro é sairmos daqui imediatamente, e o levarmos conosco.

- E os planos da Bomba? - Inquiriu Ribeiro.

- Não achou que eu seria estúpido de trazê-los para cá, não é? - Retrucou Pires.

- Vamos arrancar essa informação de você... fora daqui - respondeu Ribeiro em tom ameaçador.

- Máximo, vá levando o pessoal para os carros. Preciso de cinco minutos a sós com Pires... e o controle remoto - disse subitamente Turquesa Fontana.

- O que pretende fazer? Ele disse que não vai nos dar o código. - Ribeiro estava desconfiado.

- Eu lhe entreguei Estanho Pires, o principal agente da organização! Dá pra confiar em mim só um pouquinho? - Irritou-se ela.

Sem uma palavra, Ribeiro entregou-lhe o controle e fez sinal para os guardas. Pires e Fontana ficaram sozinhos, sentados um de frente para o outro.

- Qual vai ser a traição agora? - Indagou Pires calmamente.

- Acabo de salvar sua vida, idiota. Ou achou que isso aqui ia ser um passeio no parque?

- Como, salvar minha vida? Você me entregou pro Máximo Ribeiro!

- Se você é tão esperto quanto a Entidade pensa que é, suponho que ajustou a Bomba para excluir a mim e a você, não é?

Pires olhou para ela, estupefato. Fontana estendeu-lhe o controle remoto.

- Ative logo essa coisa, antes que Ribeiro perceba que o enganamos!

Sem mais delongas, Pires digitou um código numérico e apertou o botão Liga/Desliga.

- Feche os olhos, cabeça na mesa e mãos na nuca! - Exclamou ele.

Mal haviam feito isso, e o mundo explodiu ao redor deles.

[Continua]

[22-11-2017]